– Milorde, é hora de acordar. Vosso rei o aguarda nos jardins da Fortaleza da Noite Eterna. – disse a serva apressadamente, já se voltando para a porta com a cabeça baixa.
Rhaeron sentou-se na cama, os olhos ainda pesados de sono, mas o tom da voz da criada não deixou espaço para demora. Vestiu-se às pressas, puxando o manto escuro por sobre os ombros enquanto o frio matinal invadia o quarto pelas frestas das janelas de pedra.
Quando já se preparava para sair, ouviu um som estranho. Uma mensagem vinda da parede próxima à janela. Aproximou-se cauteloso, franzindo o cenho. Duas vozes femininas murmuravam algo, mas estavam abafadas demais para que elas compreendessem. Pareciam falar sobre o senhor da fortaleza... sobre seu pai. Mas o tom era conspiratório, baixo demais. Incomodado com a curiosidade e a impossibilidade de entender, se virou-se.
– Deixe pra lá… murmurou para si mesmo, empurrando a porta com firmeza.
Do lado de fora, a mesma servia aguardava.
– Bom dia, milorde. – disse ela com uma reverência breve.
–Bom dia. Quem está naquele quarto? – disse Rhaeron, apontando discretamente para a porta próxima de onde ouvir as sugestões.
A serva traiçoeira dos olhos com um sorriso enigmático.
– Ninguém, senhor.
Ele fitou-a por um instante, desconfiado.
– Está certo. – respondeu seco, antes de seguir pelos corredores frios em direção aos jardins onde seu pai o esperava.
Ao chegar ao jardim da Fortaleza da Noite Eterna, Rhaeron sentiu um arrepio subir-lhe a espinha. Algo ali não estava certo. O vento soprava gélido, vindo do norte e do leste ao mesmo tempo, e fazia as árvores vergarem como se implorassem por clemência. As dançavam folhas em agonia, e algumas plantas já se retorciam, arrancadas pelas raízes frágeis.
No centro do jardim, a longa mesa do senhor dominava o cenário, como um trono horizontal de pedra branca. Ali, à cabeceira, estava o senhor — um homem que o tempo, a raiva e o ódio tinha deformado mais do que a idade. Seu olhar era vazio, suas palavras, lâminas. A presença dele era como uma sombra que nunca ia embora. Atrás daquele semblante amargurado, houve um passado de violência e tormento. Sua esposa — outrora uma dama de cabelos dourados — agora tinha os fios tingidos de sangue seco, a pele marcada por hematomas frescos e antigos. Ele a feria na frente dos filhos, dos servos, dos próprios pais — e ninguém podia intervir. Suas filhas e filhos compartilhavam o mesmo destino. Sofriam em silêncio.
– Chamou-me, pai? – perguntou Rhaeron, curvando-se brevemente.
– Rhaeron... – murmurou o senhor, forçando um sorriso que não alcançava os olhos. Riu fraco, quase um suspiro quebrado. – Sabes que dia é hoje, meu filho? – inclinou-se para a frente, apoiando os braços sobre a mesa.
– Claro. Como poderia esquecer o dia do meu nascimento? – respondeu Rhaeron, sentando-se ao lado de sua irmã, com certa frieza.
– Esse é o espírito. – disse o lorde, com um tom carregado de ironia. – Hoje, torno-te herdeiros do meu reino.
Um silêncio desconfortável caiu sobre a mesa. O tom do senhor, mais do que suas palavras, deixava todas as inquietações.
Rhaeron o fitou com estranheza. Ainda sentia aquela sensação de que havia algo profundamente errado.
– Pra quê isso? Sempre fui seu herdeiro. E você sabe disso. – disse, levantando-se. Pegou uma jarra de cobre e encheu sua taça de vinho até o líquido rubro transbordar, escorrendo pela borda até manchar a toalha branca.
As servas correram para limpar o vinho, ajoelhadas com trapos nas mãos trêmulas. O senhor manteve-se imóvel, mas seus olhos flamejaram de ódio. Seus filhos e filhas abaixaram a cabeça. Todos sabiam o que poderia vir a seguir.
Rhaeron cometeu dois erros fatais: primeiro, chamá-lo de "você"; segundo, deixe o vinho manchar a mesa branca — a única coisa a qual o senhor parecia ter alguma afeição.
Mas Rhaeron não se importava. Recostou-se, encarando o pai com desdém, os olhos fixos como lâminas silenciosas. Seus irmãos o observaram com pânico, pedindo, com os olhos, que recuasse. Todos sabiam que, quando um errava, todos pagavam — até mesmo a mãe.
O senhor se recostou lentamente, cruzando os braços, uma raiva contida em cada músculo do corpo. Sua mandíbula trincava.
– Então é assim... Tento ser cordial contigo, socializar, e receber desdém em troca? Quer que eu trate como animais? É isso que deseja? – sua voz soava calma, mas cheia de veneno.
Rhaeron parece impassível, o olhar frio como o aço.
Ó senhor finalmente rompeu. Levante-se abruptamente e desferiu um soco violento contra o rosto da senhora, sua esposa. O impacto ecoou pelo jardim. – Vagabunda inútil! Por que não ensinou esse verme a me respeitos?!
Ela caiu, mas ele não parou. Chutou-a no ventre, no rosto, no peito — repetidas vezes, como se cada golpe fosse um castigo contra o mundo inteiro.
Os filhos recuaram alguns passos, mas não fugiram. Sabiam que correr tornaria tudo pior. Ficaram parados, olhos arregalados, o terror petrificando suas almas.
E, no meio de tudo aquilo, Rhaeron… sentado sentado. Calmamente. Bebia seu vinho como se fosse uma peça repetida demais para causar espanto.
Até que um soco o atingiu com tanta força que o lançou ao chão, derrubando sua taça.
Era sua irmã quem o havia golpeado — dois anos mais nova, a única que ainda tinha coragem de erguer a voz. Seus olhos âmbar, marcados por lágrimas e hematomas, fitaram-no com desespero. O silêncio caiu como um manto de chumbo sobre todos à mesa. Servas, irmãos, irmãs... até o senhor ficou surpreso.
– Porquê? Por que você não se importa conosco? – falou ela, a voz trêmula entre a raiva e a dor. – Você assiste tudo isso como se fosse um jogo... um espetáculo! Você odeia? É isso?! Responda!
Ela caiu de joelhos. As lágrimas riscavam seu rosto machucado, a dor escorria pelos olhos. Mas Rhaeron encontra imóvel, sem uma sombra de piedade.
Aos poucos, ele se declarou. Lentamente. Como se cada gesto calculasse fosse. Caminhou até ela. Os passos eram tão silenciosos quanto ameaçadores.
Estendeu a mão e, sem dizer uma palavra, agarrou a irmã pelo pescoço com força brutal.
Ela tentou gritar, mas o ar não vinha. Os dedos dele apertavam como garras de aço.
– Não me confunda com um de vocês. – disse ele por fim, com voz baixa e contribuições de desprezo. – Eu não sou parte desse podridão... eu sou o que nasce depois.
Um de seus irmãos, mais novo, declarou-se num impulso.
– Solta ela, desgastado! – berrou, correndo para socorrê-la.
Rhaeron lançou a irmã contra a mesa com violência, o impacto fez os copos tremerem e parte da madeira estalar. Sem perder tempo, virou-se para o irmão e o recebeu com um soco seco no estômago, dobrando-o. Em seguida, golpeou-o com o cotovelo no rosto, abrindo-lhe o supercílio.
Outro irmão se declarou para entrevistar, mas Rhaeron agarrou uma faca de servir da mesa e o caiu de raspão no ombro. O sangue espirrou nos pratos. As irmãs recuaram, em pânico, uma delas tropeçando e caindo entre as flores do jardim.
– Acho que têm direito ao meu coração? À minha compaixão? – cuspiu ele, os olhos ardendo como brasas.
Rhaeron olhou para o pai, que permanece imóvel, sorrindo discretamente — como se aprovasse o que via. Era como se, por um breve momento, a melhor regularse a cria.
– Acho que acabamos aqui. – murmurou Rhaeron, passando por cima de um dos irmãos caídos.
Saiu do jardim sem olhar para trás. Deixou para trás o vinho derramado, a mesa quebrada, os irmãos gemendo de dor, a irmã arfando no chão e a mãe sangrando no canto. Mas mais do que tudo... deixou o rastro da certeza de que ali, entre todos, ele era o mais perigoso.
No caminho de seus aposentos, Rhaeron cruzou com algumas servas correndo apressadas pelos corredores de pedra escura da fortaleza.
– Qual a pressão? – Disse, arqueando uma sobrancelha, a voz entediada.
Uma delas, sem parar completamente, respondeu com fôlego curto:
– Visita inesperada, milorde! A Rainha de Ariamor chegou. Parece que foi convidada para sua coroação como herdeiros.
Antes mesmo que ele pudesse dizer algo, a serva já segue em disparada na direção do portão principal.
Rhaeron franziu o cenho por um instante, então desviou o caminho. Chegou ao pátio frontal pouco depois, onde a caravana real já tomava forma — estandartes de azul e prata tremulavam sob os ventos crescentes. A carruagem de luxo estacionada diante da escadaria, e soldados de armadura cerimonial mantinham a formação.
A porta da carruagem se abriu e dela desceu Auraya, a Rainha de Ariamor , envolta em mantos prateados com bordados de leões alados. Ao seu lado vinham suas duas filhas, um jovem filho e seu marido — o Príncipe Consorte.
Ela aguardou por alguns segundos, observando os arredores. Nenhum arauto, nenhum senhor hospedado. Apenas Rhaeron.
– Onde está seu pai, garoto? – questionou com firmeza, o olhar fixo nele como uma lâmina.
Rhaeron sustentou o olhar com um meio sorriso.
– Se sua alteza vê bem... ele ainda não chegou.
A resposta fez os cavaleiros de Ariamor se entreolharem. Um deles, visivelmente indignado, deu um passo à frente.
– Que audácia é essa? Teus pais não te ensinaram como se comportar diante da realidade? Mesmo sendo de sangue nobre, Ariamor é o segundo reino mais importante deste continente.
Rhaeron virou o rosto levemente, os olhos semicerrados. Seu tom saiu cortante:
– Ah, é? Interessante... – fez uma pausa, como quem saboreia o desprezo. – Mas não pedi uma aula de história.
O vento soprou mais forte nesse instante, como se o próprio ar sentisse o corte das palavras. O cavaleiro avançou um passo, a mão já na empunhadura da espada, mas foi interrompida.
– Chega. – tentei a rainha com um gesto. Sua voz era suave, mas cheia de autoridade. O cavaleiro recuou com relutância, embainhando a lâmina.
– Mas minha senhora... ele zumbiu do seu nome. Faça seu legado.
– E eu decidi como lidar com isso. – respondeu ela com Freeza.
Nesse momento, os obstáculos laterais da fortaleza se abriram e surgiram o Lorde de Dyalon , acompanhado de sua esposa — ainda com marcas visíveis no rosto —, e os demais filhos. O ar ficou mais pesado. Todos se curvaram, com exceção de Rhaeron, que apenas virou levemente a cabeça.
– Espero que Rhaeron não esteja causando problema algum... – disse o senhor com um sorriso disfarçado de cortesia. – Está, diferente?
– Tem que ensinar esse garoto a ter modos. – rosnou o mesmo cavaleiro.
O senhor desviou o olhar para o filho mais velho. O sorriso sumiu.
– O que ele fez? – Falei sério, os olhos fixos em Rhaeron.
Auraya fez uma pausa, encarou Rhaeron por um momento e então respondeu:
– Nada. Ele não fez nada.
– Excelente. Entrem, por favor. Sinta-se em casa. – disse o senhor, abrindo um sorriso largo e falso, como se quisesse desligar a tensão no ar.
As crianças de Ariamor fizeram reverências educadas à Casa de Dyalon e seguiram junto da mãe escadaria acima, entrando na fortaleza como se adentrassem uma cova ornamentada.
Assim que todos adentraram os salões da fortaleza, Rhaeron se afastou discretamente, misturando-se às sombras do entardecer.
– Se alguém perguntar por mim, diga que fui dar uma volta... volto mais tarde. – disse ao cavaleiro mais próximo, que apenas balançou a cabeça com um suspiro resignado. Já conhecia bem aquele lado errante dos jovens herdeiros.
Rhaeron deixou a fortaleza pelas passagens estreitas de serviço, usando um manto escuro sobre os ombros. Desceu pelas encostas até chegar aos limites da cidade, onde o mundo nobre desaparecia e as ruas ganham cheiro de suor, fumaça e vinho barato.
Chegou à Rua de Belky'uy , um dos becos mais antigos e sórdidos de Full Moon, seu refúgio preferido. Por entre vielas sujas e fachadas desbotadas, artistas de rua encenavam uma peça cômica representando a corte de Dyalon — caricaturas do lorde, da esposa, das filhas... até mesmo dele. A plateia gargalhava. Rhaeron, parado na sombra de uma taverna, deixou escapar uma risada verdadeira.
– Pelo menos aqui me entende.
Deixou a praça e adentrou um beco escuro onde a decadência se tornou mais crua. Gritos abafados, corpos entrelaçados nas sombras, promiscuidade escorrendo pelas paredes de pedra. Rhaeron passou entre eles com um sorriso indiferente.
– Ops... desculpem interrompi. – murmurou com sarcasmo, rindo sozinho.
Ao final do beco, desceu uma escadaria de pedra, escondida sob um arco ruído. Ali, sob a cidade, havia um salão com acabamento banhado em luz vermelha, densa de incenso, vinho e luxúria. Almofadas, tapeçarias e corpos em êxtase preenchiam o ambiente com uma atmosfera de esquecimento.
Foi recebido por uma voz familiar:
– Olha quem voltou. Achei que tinha me abandonado. – disse Glory , sentada entre almofadas, o olhar felino e provocador.
– Jamais, Glória. – respondeu Rhaeron, aproximando-se, os olhos brilhando com uma mistura de desejo e vazio.
Ela se moveu, abrindo espaço ao lado de outros corpos entrelaçados. Os dois se sentaram juntos, envoltos na decadência silenciosa daquele submundo.
E ali, longe da corte, dos olhos do pai, do sangue e da dor, Rhaeron se despreza não apenas de suas roupas — mas de tudo que ainda o faz humano.
Depois do devassidão e do esquecimento, Rhaeron foi forçado a retornar à Fortaleza da Noite Eterna. Algo o inquietava. Um peso não é. Uma vibração estranha nas pedras do caminho.
Ao se aproximar dos dois, viu um corpo caído diante deles. Era o mesmo cavaleiro com quem havia falado antes de sair — agora estendido no chão, envolto em sangue, olhos semiabertos e tremores fracos.
Rhaeron se mudou, a mandíbula cerrada, os punhos duros como rochas.
– Quem fez isso com você? – murmurou, ajoelhando-se ao lado do homem.
O cavaleiro tentou falar, mas apenas sangue escorreu pelos lábios. O brilho da vida começava a se apagar de seus olhos.
Outros soldados correram para a cena.
– Milorde, o que houve? – Disse um deles, com urgência na voz.
Rhaeron ignorou a pergunta. Silenciosamente, retire a espada do chão — a lâmina do próprio cavaleiro ferido — e a empunhou com firmeza.
– Milorde... o que pretende fazer? – insistiu o cavaleiro, recuando um passo ao ver o olhar de Rhaeron.
– Cuidar de alguns vermes. – disse Rhaeron, a voz fria como o mármore.
Subiu as escadas da fortaleza em passos firmes. A noite, agora plena, parecia pesar sobre as paredes de pedra. Sombras dançavam nos cantos dos corredores, mas Rhaeron iluminava seu caminho à sua maneira.
Ergueu a mão esquerda.
Do chão, brotaram chamas — azul, branca, preta e vermelha. A Chama da Criação Perfeita , como ele a chamava. Nenhum outro membro da Casa Dyalon possuía tal poder. Diziam que fora abençoado por Sloyhki , o milagre divino. Rhaeron não acreditava. Mas usava a dádiva, como usava o silêncio, como usava a violência: como arma.
Chegando à porta de uma das salas de reunião, empurrou-a com o pé. A chama se apagou com um estalo de seus dedos.
Lá dentro, viu o cavaleiro de Ariamor sentado entre membros da família real. Ao vê-lo, o cavaleiro se desequilibrou e derrubou a cadeira, surpreso.
– Aí está você. Estava te procurando pelo castelo inteiro. – disse Rhaeron, raiva nos olhos.
– O... o que você...? – gaguejou o cavaleiro, erguendo lentamente a mão em direção à espada na cintura.
– Foi você quem fez aquilo com meu cavaleiro? – disse Rhaeron, dando mais um passo para dentro da sala. Do lado de fora, a chuva começava a cair forte.
– Está... chovendo? Estranho... – murmurou, já investindo contra o homem.
O cavaleiro suspendeu sua espada a tempo. As duas lâminas colidiram com um estrondo metálico que ecoou pelos corredores. A filha mais velha da rainha contém:
– Vou chamar minha mãe! – retirar os irmãos pela mão e saíram da sala às pressas.
– Agora que os frágeis saíram... – disse o cavaleiro, com os olhos ardendo em fúria. – Vamos começar.
Os dois se enfrentam. Rhaeron examina como quem já havia vencido.
– Esses olhos âmbar são bonitos... uma pena estar no rosto errado. Eu vou arrancá-los. – ameaçou o cavaleiro.
– Quero ver. – respondeu Rhaeron, seco.
Ambos avançaram. Espadas para trás, força para frente. A troca de golpes foi brutal, precisa, impiedosa. Os choques metálicos realizados fagulhas, mas sem cedia.
Rhaeron tentou um soco direto no peitoral, mas foi barrado pela armadura pesada. O cavaleiro agarrou o braço, tentando torcê-lo para enganar. Rhaeron reagiu com um chute certeiro no centro do peito inimigo. O impacto foi tão forte que o metal dobrou levemente, mas o custo foi alto — o braço de Rhaeron começou a sangrar sob a pressão das luvas de combate.
Ele largou a espada e partiu com os punhos.
O cavaleiro girava a lâmina com precisão, mas Rhaeron desviava como um animal treinado no caos. Socos acertaram o peito e o capacete do cavaleiro, sem sombras visíveis, mas com peso.
O cavaleiro sorridente, zombando:
– É isso que tem? Fraco.
Foi então que Rhaeron girou o corpo e desferiu seu golpe secreto: o "Lua Vingativa" . O chute, veloz e curvo, acertou em cheio o peitoral do cavaleiro. O som do impacto ressoou como um trovão abafado. O metal se amassou, rachou em partes. O cavaleiro cambaleou para trás, incrédulo.
Atônito, jogou sua espada no chão.
– Então vamos acabar com isso como homens. – rosnou, avançando contra Rhaeron com os punhos cerrados.
Os dois avançaram um contra o outro com brutalidade crua. Punhos se cruzaram no ar. Socos trocados. Mas o cavaleiro, movido pela fúria, começou a errar. Seus golpes passandom raspando, desviados por Rhaeron com movimentos calculados e frios.
Rhaeron se abaixou num impulso, esquivando de um cruzado, e então explodiu para frente — agarrou o cavaleiro pela cintura e o girou, colando-o contra a parede de pedra negra da sala. O impacto ecoou com força.
Antes que o cavaleiro reagisse, Rhaeron envolveu o pescoço dele com o braço esquerdo e começou a deferir uma sequência de socos com a mão direita — cada um mais violento que o anterior. O som da carne contra o metal abafado da armadura se misturava ao rugido abafado da chuva lá fora.
– Vai falar agora quem te mandou? Foi tua rainha? Seu orgulho foi ferido? – Rhaeron rosnava entre os golpes.
O cavaleiro tentou se livrar, cotovelando Rhaeron, mas os jovens herdeiros encaixou outro soco na lateral do elmo, fazendo o homem perder o equilíbrio. Aproveitando, Rhaeron o empurrou com força para o chão.
O cavaleiro caiu de joelhos, arfando. Sangue escoria por uma fenda no elmo.
– Haaaaah... desbotado... – murmurou o cavaleiro, se erguendo com esforço.
– Você não deve ter encostado em nenhum dos meus. – disse Rhaeron, já se aproximando novamente. – Mas agora... já que começou, termine comigo.
O cavaleiro e avançou com um soco direto. Rhaeron desviou de lado, agarrou o braço do inimigo e o torceu com brutalidade. Um estalo seco ecoou. A assembleia de dor, caindo de novo — dessa vez sobre o próprio ombro quebrado.
Rhaeron montou sobre ele como um predador e começou a socá-lo no rosto — sem pausa, sem hesitação. A viseira do elmo foi amassando a cada impacto. Um dos olhos do cavaleiro começou a inchar e sangrar. A sala já estava tomada pelo som úmido da destruição.
– Fala... fala o nome! – disse Rhaeron, o sangue escorrendo entre os dedos.
O cavaleiro não respondeu. Rhaeron cravou os dedos na fenda da viseira e arrancou o elmo com um puxão furioso. O rosto do homem era irreconhecível. Inchado. Rasgado. O sangue se misturava à chuva que agora pingava pela janela aberta.
– Última chance. – disse Rhaeron, se levantando. As chamas da criação perfeitas encontradas ao redor dele, iluminando a sala em tons de vermelho, azul e preto.
O cavaleiro cuspiu sangue no chão.
– Vai pro inferno... monstruoso...
– Já moro nele. – respondeu Rhaeron.
E com um chute giratório no pescoço, ele finalizou.
O cavaleiro caiu imóvel.
Rhaeron ofegava, o braço pingando sangue, as luvas encharcadas. Os outros membros da família de Ariamor ficaram do lado de fora da sala, ouvindo tudo. Um dos irmãos mais jovens de Rhaeron estava no fim do corredor, tremendo, sem saber se sentia medo ou orgulho.
Rhaeron acabou de passar por eles. Sujo de sangue. Silencioso. Intocável.
No corredor de pedra escura, a luz bruxuleante das tochas refletia o sangue que pingava do corpo de Rhaeron. Seus passos eram lentos, mas firmes. Quando extraiu os olhos, encontrou os da Rainha Auraya e do Lorde Dyalon , lado a lado, olhando-o.
– Olá. – disse Rhaeron, com desdém sutil, como se nada tivesse acontecido.
O silêncio que se abalou foi sufocante.
O sangue escorreu de seus dedos e caiu no chão de mármore com um som úmido e ecoante. Lorde Dyalon deu um passo à frente, os olhos em fúria, mas sua postura ainda estava contida. A presença da rainha forçava a diplomacia.
– O que você pensa que está fazendo?! – explodiu Dyalon, mas a voz ainda em tom controlado. – Agora matou um cavaleiro nomeado! De Ariamor ! Um dos nossos aliados mais antigos! Você está tentando começar uma guerra, Rhaeron?!
Rhaeron o encarou, indiferente. – Ele atacou um dos meus. Eu só retribuí.
– Retribuição? Você está prestes a ser coroado herdeiro, e eu aparece coberto de sangue como um... como um mercenário de rua!
Antes que a discussão escalasse, Rainha Auraya pediu uma mão , fria e calma como o vento das montanhas.
– Dyalon... – sua voz era firme, quase cortante. – Não aqui. Não agora.
O senhor cerrou os punhos, o maxilar trincado. Auraya continua, olhando para Rhaeron como quem estudava uma criatura exótica.
– Está tudo bem, Lorde Dyalon. Resolveremos isso depois da coroação. Os convidados chegam ao amanhecer, e você precisa estar... tranquilo. – Ela disse isso com um leve sorriso político nos lábios, mas os olhos eram sombrios, calculistas.
– Ele matou um cavaleiro seu. Você deveria...
– Deveria o quê? Chamar uma guerra por causa de um homem que provocou? – cortou a rainha. – Vamos fingir, por agora, que foi um... acidente.
Rhaeron se mudou da rainha, parando apenas um passo dela.
– Um dia você vai deixar de fingir. Vai me ver como eu sou. E vai temer.
Auraya apenas relaxante uma sobrancelha. –Talvez, Rhaeron. Mas por enquanto... você ainda é só um menino coberto de sangue.
Sem dizer mais nada, Rhaeron se virou e continuou seu caminho pelos corredores. O silêncio pesava entre os dois líderes. Dyalon passou a mão no rosto, exausto, e disse:
– Ele não está pronto. E o pior... ele gosta disso.
Auraya cruzou os braços, ainda observando as pegadas de sangue no chão.
– Talvez seja isso que o mundo precisa agora. De alguém que não esteja pronto ... mas esteja disposto .
Rhaeron provavelmente se tornou rápido em seu quarto. Na porta, um cavaleiro da guarda está firme.
– Chame alguém para costurar meus ferimentos. – tentativa Rhaeron, a voz seca.
– Claro, milorde. – respondeu o cavaleiro, balançando a cabeça com familiaridade.
Ele se acomodou no sofá escuro, o sangue ainda fresco pingando dos braços e mãos para o chão frio. A janela estava aberta, e o vento da chuva batia forte, jogando gotas de água para dentro do aposento.
Pouco depois, duas servas entraram silenciosas. Uma trazia toalhas, agulhas e linhas finas; a outra foi preparar o banho e roupas limpas para os jovens herdeiros.
A serva com as ferramentas enviadas-se ao lado dele.
– Estenda o braço. – falou com voz baixa, firme.
– Vou começar.
Enquanto a agulha perfurava a pele cortada, Rhaeron não desviava o olhar das gotas que caíam para dentro do quarto, a mente vagando sobre quem teria deixado as janelas abertas numa noite tão fria.
A outra serva entrou com um balde de água morna e um pano seco.
O silêncio naquele quarto era quase palpável — um raro conforto para Rhaeron. Ou talvez fosse a presença silenciosa das duas jovens que o acompanhavam desde que ele tinha dez anos; agora, com dezesseis, a diferença entre eles era de apenas três anos.
Para Rhaeron, o silêncio misturado ao som da chuva formava um combo perfeito de calma.
– Terminei. – disse a serva, guardando as ferramentas. – Agora é só limpar o sangue seco.
– Vou começar. – respondeu a outra, moldando o pano.
Começou a passar delicadamente no rosto do jovem. Seus cabelos negros como carvão e seus olhos âmbar sempre a impressionaram. Mais de uma vez, a serva imaginou forçar algo entre eles; na mente ingênua e desesperada dela, os filhos deveriam nascer com as características da Casa Moonveil.
Claro que se tentasse, seria punida com rigor e sem piedade.
Terminando de limpar o sangue, Rhaeron se declarou e, sem cerimônia, desprezou na frente dela para ir ao banho já preparado.
A jovem serva brilhante, quase sem perceber, deixando escapar um brilho nos olhos ao contemplar o corpo dos herdeiros.
Ele entrou na banheira com a água ainda fervendo. A serva ficou paralisada, surpresa com a atitude ousada.
Rhaeron estende a mão, num gesto sutil para que ela se acalme.
— Por gentileza, poderia sair. Quero descansar depois do meu banho. — pediu Rhaeron, olhando de canto para a serva.
— Claro, milorde. — respondeu ela com um leve sorriso, curvando-se antes de sair do quarto.
Após o banho quente, Rhaeron vestiu-se com roupas leves e deitou-se em sua cama, cobrindo-se até o pescoço. Ficou ali, imóvel, os olhos fixos no teto de pedra, ouvindo o som do vento e da chuva açoitando as janelas. A tempestade parecia crescer lá fora, os trovões ecoavam como tambores de guerra.
O sono, no entanto, não vinha. Cansado, fechou os olhos, tentando forçar o descanso… até que um ruído suave o fez abrir os olhos de imediato. Um som abafado, vindo do corredor.
Levantando-se em silêncio, caminhou até a porta e a abriu com cuidado. Com a palma da mão esquerda, conjurou uma chama baixa e batida descalço pelo chão frio da fortaleza. Os corredores eram longos e escuros, e o som do vento parecia ecoar por todas as dificuldades como lamentos antigos.
Ao longe, uma briga luz escapava por debaixo da porta de uma sala no fim do corredor. Rhaeron moveu-se devagar, colando-se à parede. Pela fresta da porta, pudemos ver duas servas do reino de Ariamor conversando, apressadas.
— Vamos logo, já vai começar. — disse uma delas, visivelmente ansiosa.
— Espera. — respondeu a outra, vasculhando rapidamente os pertences do lorde Dyalon.
— O que exatamente o senhor e a rainha mandaram a gente procurar? — Disse a primeira, curiosa.
— Duas taças feitas de rubi vibrante… com a pedra roxa do Caos Infinito. — respondeu a segunda.
— Você acredita mesmo que isso vai funcionar? Ninguém nunca viu se isso realmente aconteceu... — disse a outra, cética.
— Acreditar eu não acredito, mas... achei. — disse com firmeza, ao encontrar as taças.
— As relíquias do deus perdido... — murmurou a primeira, com um misto de admiração e medo.
— Melhor nos apressarmos. Antes que o rei de Ariamor acorde. — falou, enquanto arrumava o que havia bagunçado.
Rhaeron recuou rápido, escondendo-se no corredor lateral. Quando a porta da sala se abriu, ele prendeu a respiração. As duas servas saíram apressadas, correndo pelo corredor sem notar sua presença escondida na sombra, encostado à parede.
Quando elas passaram, Rhaeron começou a segui-las em silêncio, apagando a chama da mão. Os corredores estavam mergulhados na escuridão. Ele caminhava como um fantasma, descalço, silencioso.
As servas entraram em outra sala. Antes de se aproximar, ele esperou. Quando tiver certeza de que estavam ocupados, empurrou a porta com cautela. A sala era como qualquer outra do castelo: estante com livros antigos, uma poltrona, e uma lareira.
Rhaeron mudou de estante e começou a puxar livros, um por um. Deve haver mais de vinte volumes, mas nenhum revelou nada de especial. Cansado, desistiu e sentou-se na poltrona, com os olhos fixos na lareira.
Havia algo estranho. Algo… errado.
Ele se pronunciou, mudou-se da lareira e estalou os dedos. Sua chama acesa se intensificou, iluminando a sala como um pequeno sol. As chamas cresceram, queimando com força incomum… e então se apagaram de súbito.
A parede atrás da lareira deslizou, revelando uma passagem secreta para o subsolo.
— O que... — sussurrou Rhaeron, boquiaberto. Nunca imaginei algo assim.
Desceu lentamente os degraus de pedra. O ar era úmido, e os símbolos nas paredes são evidentes pulsar com a luz fraca de sua chama. Mas ao ouvir vozes lá embaixo, apagou-a de imediato e agachado, em silêncio. Escondeu-se atrás de um velho corrimão de pedra quebrada.
Quando olhou para baixo, seus olhos se arregalaram. Num salão circular escavado sob a fortaleza, viu lorde Dyalon ao lado da rainha de Ariamor , diante de um altar coberto por velas roxas e ossos antigos.
Rhaeron não se surpreendeu. Aquilo estava se tornando previsível. A rainha os havia manipulado a todos. Tinha o reino na palma das mãos. E ninguém desconfiava.
As duas servas estavam ajoelhadas diante do altar, segurando as taças que haviam adquirido. Um homem trajando mantos púrpura, o sacerdote, estende as mãos para receber os cálices.
— Podemos começar. — disse ele com voz grave.
As servas se aproximaram e lhe entregaram as taças. O sacerdote então pegou um frasco escuro e despejou dentro deles um líquido negro e denso, como tinta misturada com cinzas.
— Que o sangue do Caos una os reinos. Que o deus perdido abra seus olhos nesta noite. — murmurou o sacerdote.
A sala ficou mais fria. As velas tremularam. O chão começou a vibrar levemente.
— As taças estão prontas. — disse o sacerdote. — O vínculo precisa ser selado.
A rainha foi a primeira a se aproximar. Pegou uma das taças e a projeção, encarando lorde Dyalon com firmeza.
— Era Pela Nova. — declarou ela, antes de beber todo o conteúdo de uma só vez.
Seus olhos brilharam em tom violeta. Sua expressão se esvaziou. Era como se algo tomasse seu corpo por dentro.
O sacerdote estendeu uma outra taça para lorde Dyalon. Ele hesitou, as mãos trêmulas. Mas sob o olhar firme da rainha e as palavras sussurradas do sacerdote, levou a taça aos lábios e bebeu.
O símbolo do Caos surgiu no chão: uma serpente mordendo o próprio rabo, em torno de um sol dividido.
— Os herdeiros serão recolhidos antes da próxima lua de sangue. — disse o sacerdote.
Rhaeron sentiu um calafrio. " O herdeiros... sou eu ", pensou.
— E se ele resistir? — Disse uma das servas, temerosa.
— Então a própria terra sangrará. — respondeu a rainha com um sorriso frio. — E não restará nada para se herdar.
Nesse momento, Rhaeron pisou em falso numa pedra solta. Um ruído seco ecoou pelas escadas.
Todos se calaram.
O sacerdote virou-se para as escadas.
— …Quem está aí?
Rhaeron correu escada acima, os passos ecoando. Ouviu gritos e ordens atrás de si. A lareira ainda estava aberta — ele se lançou por ela e estalou os dedos com força. As chamas explodiram, selando a passagem atrás de si.
Tombou sobre o tapete do salão, ofegante, o rosto suado, o coração em chamas.
O castelo agora era outro.
Nada mais era seguro.
De volta ao quarto, Rhaeron se jogou na cama, cobrindo-se dos pés à cabeça. Lá fora, a tempestade rugia — o som da chuva batendo contra as janelas se misturava ao lamento do vento pelos corredores da fortaleza. Então, passos suaves se aproximaram do quarto.
— Rhaeron está aqui, será? — murmurou lorde Dyalon, suplicando lentamente a porta. — Duvido que ele saiba sobre o lugar...
Acompanhava-o Auraya, parada junto à janela entreaberta, os cabelos úmidos da chuva, o olhar distante.
— O que você está olhando? — Disse Dyalon, aproximando-se dela.
— Está chovendo... e essa janela está aberta? — questionou, confuso, os olhos ainda fixos na noite.
— Ele gosta disso. A brisa, o som da chuva... Sempre achei estranho, mas nunca o impediu. — respondeu Dyalon, com um leve sorriso.
A tensão no ar os envolve como o vento que entrava pelo quarto. Dyalon se moveu de Auraya, os olhos deslizando lentamente pelo corpo dela, até parar em seus seios. Sem cerimônia, tocou-a com os dedos, traçando círculos lentos e provocativos.
— O que você acha que estamos fazendo aqui? — sussurrou ela, com um tom provocante.
— Você tirou as palavras da minha boca. — respondeu ele, antes de puxá-la para um beijo intenso e faminto.
Auraya envolveu a cintura de Dyalon com os braços, puxando-o para mais perto. A tempestade rugia do lado de fora enquanto o calor entre os dois crescia. As roupas foram se desfazendo como levadas pelas folhas pelo vento. Os dois se entregaram um ao outro, ali mesmo, no chão de pedra fria, à luz da lua que vazava pela janela aberta.
Rhaeron, imóvel sob as cobertas, escutava tudo.
"O que você acha que está fazendo... no meu quarto?" — Pensei, com o máximo trabalho.
Mas não disse uma palavra. Apenas fechados os olhos com força, tentando se forçar a dormir, enquanto o som da tempestade e os gemidos abafados se misturavam no escuro.
O sol mal havia nascido, e Rhaeron já se erguia da cama num rompante. Os cabelos desgrenhados e os olhos marcados pela noite mal dormida.
Ele olhou para o chão ao lado da cama, onde os dois corpos estavam deitados horas antes.
— Pelo menos aqueles porcos limparam o chão... — murmurou entre os dentes, o veneno ainda fresco na voz. Seus punhos cerraram involuntariamente.
Antes que você possa respirar fundo, batidas soaram na porta.
— O que foi?! — explodiu, abrindo a porta com violência.
Dois jovens donzelas recuaram instintivamente, assustados com o tom. Uma delas, de rosto sereno e cabelos presos por uma fita azul, tentou recuperar a postura e se curvou educadamente.
— Bom dia, milorde — disse com gentileza.
— O que você quer? — disparou Rhaeron, sua voz ainda embebida de rancor.
— Minha mãe pediu que eu visse cuidar de você, ela trouxesse o desjejum e... ajudar com o que precisa — disse ela, mantendo um sorriso hesitante.
— Não. Não preciso de ninguém aqui. Vai embora. — E com um gesto seco, fechou a porta na cara dela.
Ficou parado por um instante, olhando para a madeira da porta. O silêncio voltou, mas um silêncio pesado, incômodo, feito de pensamentos que insistiam em voltar.
Virou-se. As janelas que estavam acidentalmente abertas durante a madrugada agora estavam fechadas. O quarto estava abafado.
Rhaeron caminhou até elas, empurrando as folhas de madeira para fora. O ar fresco da manhã batida no rosto. A chuva havia enfraquecido — agora era apenas uma garoa leve, e o céu permanecia nublado, como se o mundo compartilhasse de seu humor.
Respirou fundo, enganando os pensamentos. Mas outra batida ou interrompida. Novamente, à porta.
"De novo essa merda..." surgiu, girando o pescoço como se contivesse uma fúria crescente.
Mas dessa vez... talvez fosse alguém diferente.
Ele se virou e caminhou até a porta, pronto para enfrentar o que quer que fosse — ou quem quer que ousasse incomodá-lo naquela manhã.
Rhaeron abriu a porta novamente. Do outro lado estavam Auraya e as duas meninas de antes, as filhas dela.
— Posso entrar? — Disse a rainha com um olhar de superioridade, observando Rhaeron de cima a baixo.
"Se eu não deixar, vai dar ruim..." pensou Rhaeron. Forçou um sorriso.
— Claro… — respondeu, recuando para que entrassem.
Auraya entrou com passos elegantes, analisando o quarto como se procurasse algo fora do lugar.
— Seu quarto é bem limpo… para um garoto como você — disse, com um tom carregado de ironia.
— Minha adorável rainha, o que deseja? — respondeu Rhaeron, com o mesmo veneno na voz, fazendo uma reverência exagerada.
Auraya se virou, já sem o sorriso falso.
— Minhas filhas me disseram que você fechou a porta na cara delas. — Sua voz agora era dura.
— Ah… isso. Sinto muito, não era minha intenção. Eu tinha acabado de acordar, os ânimos estavam meio... estressados — respondeu Rhaeron, tentando soar convincente.
Auraya se moveu lentamente, os olhos cravados nos dele. Quando parou à sua frente, inclinou-se até que sua boca tocasse levemente o ouvido do rapaz.
— Minhas filhas vão ficar aqui… para atendê-lo no que precisar. — Sua voz era baixa, mas cortante. — Não vou me importar se você quiser tomar uma delas... ou até as duas. Se quiser engravida-las... que assim seja.
Rhaeron arregalou os olhos, engolindo em seco. Antes que eu pudesse dizer algo, Auraya se aposentou, satisfeita com o impacto de suas palavras.
— Vamos ficar até que os preparativos para a coroação estejam completos — disse uma das filhas, casualmente, enquanto a porta se fechava atrás da mãe.
Rhaeron ainda olhou fixamente, tentando processar.
— Quem mais está vindo? — Disse, finalmente, com voz firme.
— Acho que a Casa Frostlith — respondeu a menina, os olhos brilhando com empolgação. — Você sabe quem é, certo?
A outra, mais contida, falou em seguida:
— Prazer, meu nome é Ellya , e a dela é Lunnay .
— Por que esse tom seco? — perguntou Lunnay, virando-se para a irmã.
— Porque ele é arrogante. Nem sequer questionou nossos nomes — respondeu Ellya com frieza.
Rhaeron suspirou.
— Foi mal por isso — disse, andando até sua cama e se jogando sobre ela. — Fiquem à vontade... acomodem-se como quiserem.
As duas trocaram um olhar. O quarto de Rhaeron era confortável, mas o clima ali dentro era tudo... menos acolhedor.
— Então… quantos anos você tem? — disse Ellya, sentando-se na beirada da cama de Rhaeron.
— Dezesseis. E vocês? — respondeu ele sem entusiasmo, apenas para não parecer totalmente indiferente.
— Dezoito — disse Ellya, inflando o peito com orgulho. — E Lunnay tem dezanove.
Rhaeron bufou, virando o rosto com tédio.
— Não precisa mentir.
— Não estou pensando! Não, Lunnay? — disse Ellya, olhando para a irmã, como quem busca confirmação.
— Pior que é verdade… — Lunnay respondeu com um sorriso discreto. — Eu sei, a gente parece mais nova, mas é isso mesmo.
O quarto ficou em silêncio por alguns segundos, até que Ellya se ajeitou na cadeira e se dirigiu diretamente para Rhaeron, agora parado à janela.
— Posso fazer uma pergunta? Mas quero que seja sincero conosco.
— Fala aí — disse Rhaeron sem olhar para trás, observando a chuva fina pela vidraça.
Ellya hesitou por um instante, depois soltou uma pergunta com firmeza:
— O que foi que minha mãe falou no seu ouvido?
Rhaeron continuou olhando pela janela, depois soltou a resposta como se não fosse grande coisa:
— Ah, isso... Ela disse que, se eu quisesse, poderia engravidar você... ou sua irmã. Ou como duas.
As duas irmãs se entreolharam, sem saber o que dizer.
Lunnay corte o silêncio primeiro:
— Claro que ela diria algo assim...
Ellya, por outro lado, cruzou os braços e disse em voz baixa, mais para si mesma:
— Sempre jogando com os outros como peças de um tabuleiro.
Rhaeron finalmente se virou para elas, agora com os olhos semicerrados.
— Você está sentado?
— Não exatamente… — respondeu Lunnay. — Mas… ela costuma fazer esse tipo de coisa. Usar pessoas. Principalmente homens.
— Ou filhos de homens perigosos… — completou Ellya, encarando Rhaeron com um misto de pena e respeito.
Rhaeron respirou fundo, encostando-se à parede.
– Isso vai acabar... Pensou rhaeron.
Lunnay se mudou da lareira, pegando um pano para secar os cabelos ainda úmidos pela névoa que entrava na janela entreaberta. Ellya continuou sentada, os olhos fixos em Rhaeron.
— A Casa Frostlith deve chegar antes do meio-dia — disse ela, quebrando o silêncio. — São sempre pontuais. Frios como o lugar de onde veio.
Rhaeron transparente uma sobrancelha, curioso.
— Você os conhece?
— Já vi uma vez. Quando era criança. O Lorde deles… Aelyr… Ele tem olhos como gelo e voz que parece não pertencer a este mundo.
— E a filha dele… — completou Lunnay, agora de pé. — Dizem que ela nasceu durante uma tempestade de granizo. Dizem também que ela já matou um homem com uma flecha envenenada aos doze anos.
Rhaeron sorri de canto.
— Ótimo. Mais um bando de criaturas encantadoras para esta celebração ridícula.
— Você vai mesmo ser coroado? — perguntou Ellya, com um tom mais suave agora.
— É o que dizem. Mas entre dizer e acontecer... muita coisa pode sangrar pelo caminho.
Do lado de fora, os tambores subiram lentamente, um ritmo grave e solene que fazia as janelas tremerem de leve. Rhaeron se mudou e olhou pela varanda: bandeiras negras e prateadas surgiam ao longo, cortando a névoa da manhã. Seis cavaleiros da Casa Frostlith vinham em formação, os elmos com chifres curvados e as capas ondulando como fantasmas na ventania.
Ao centro, uma carruagem cercada por lanças de cristal se aproximava em silêncio absoluto. Nem um som de rodas, nem o ranger de madeira. Apenas o som abafado dos tambores e o galope ritmado dos cavalos brancos.
— Chegaram — murmurou Lunnay.
— E com eles... o verdadeiro começo — sugeriu Rhaeron.
Ele se afastou da varanda, passou a mão pelos cabelos e caminhou até o centro do quarto.
— Vamos. Temos que nos preparar. Hoje começa a parte que ninguém vai conseguir parar.
As irmãs o seguiram com os olhos, sem saber se estavam diante de um herdeiro… ou de um prenúncio de tragédia.
– Vamos descer. – disse Rhaeron com um sorriso discreto, mas firme.
Nos ocultos da fortaleza, lorde Dyalon e a rainha Auraya já aguardavam em posição. Logo chegaram também os filhos de ambos: os três filhos legítimos de Auraya e nove filhos de Dyalon , incluindo os herdeiros — Rhaeron. Um espetáculo de poder familiar, como uma procissão silenciosa da Casa Moonveil.
Os estandartes da Casa Frostlith surgiram a surgir na neblina ao longe, revelando seu símbolo ancestral: cristais de duradoura sobre um campo cinzento . As bandeiras dançavam com o vento cortante, e os cavaleiros do Norte vinham montados com armaduras brancas como a neve e mantos que feitos de gelo. O olhar deles era tão gélido que não deixa de ser morto — mas vivos demais para não serem perigosos.
A carruagem principal parou diante dos obstáculos. Dela desceram, com toda a pompa e glória do Reino de Geada , o rei aelyr Frostlith , a rainha Azlaene , e seus quatro filhos:
– A primogênita Narhaerys ,
– A mais nova Dealys ,
– A impetuosa Aznarys ,
– E o único menino, Rhoyn , um garoto de olhar inquisidor e porte firme.
Todos se reverenciaram em respeito mútuo.
– Olha você aí, Dyalon... Quando vi o seu brasão no convite, Pensei que fosse uma piada mal feita. Mas aqui estamos, não é mesmo? – disse aelyr com um sorriso que misturava sarcasmo e frieza. Colocou firmemente as mãos sobre os ombros de Dyalon.
– Claro que sim. Você não poderia perder. – respondeu Dyalon com falsa hospitalidade, apoiando sua mão sobre a de aelyr.
Enquanto cumprimentava os outros membros da Casa Moonveil, Aelyr se mudou de Alysh . Ela se reverenciou, como uma rainha treinada para esconder dor.
O rei então segurou gentilmente o queixo de Alysh , erguendo-o levemente. Viu as marcas — discretas, mas visíveis — de lesões recentes em seu rosto e pescoço . Seus olhos então se voltaram silenciosamente para Dyalon.
Nada disse. Mas viu tudo .
Enquanto isso, Narhaerys , a filha mais velha dos Frostlith, não tirou os olhos de Rhaeron . Ele estava entre as filhas de auraya. Ellya e Lunnay, mas eram como se tudo ao redor dela desaparecesse.
Tomada por um impulso, um jovem avançou na direção a Rhaeron , como se o tempo tivesse parado por um segundo. Quis falar, mas a vergonha e o nervosismo travaram sua garganta.
Rhaeron, sem perder o charme sarcástico, estendeu a mão com leveza e disse:– Espero que tenha trazido mais um presente do Norte pra mim.
Narhaerys corou, desviando o olhar por um instante.– É... Eu trouxe.
Com um estalar de dedos, dois servos da Casa Frostlith vieram até a carruagem, carregando um objeto comprido e envolto em panos de linho , amarrado com fitas vermelhas e revestido por um selo antigo de proteção .
– Abre... você vai gostar. – disse ela, visivelmente envergonhada por ter todos os olhos voltados para si.
Rhaeron rasgou os trapos com cuidado e viu: uma espada de lâmina curva, afiada apenas de um lado — perfeita para cortes rápidos e precisos . O metal reluzia com um tom azulado, como se guardasse o frio do Norte dentro de si.
– Forjada pelos melhores ferreiros do Reino Geada. – explicou Narhaerys, mais confiante.– A bainha foi encantada... dizem que ela é um fogo contra o fogo . Uma proteção contra chamas. Um presente que... talvez preciso, um dia.
Rhaeron olhou para a espada, depois para ela. Por um momento, seu rosto sério vacilou. A espada era magnífica, mas o gesto... o gesto fez mais do que ele poderia admitir .
– Obrigado, princesa. – disse ele, com um aceno de cabeça. – Um presente nobre... para um futuro rei.
Narhaerys esconde discretamente, contendo o rubor que subia às suas bochechas.
E assim, sob o céu nublado e os ventos cortantes, duas grandes casas se encararam, sorrisos falsos mascarando desconfianças profundas. Algo se move nos bastidores da corte. Algo antigo... e desperta o despertar.
– Vamos entrar. – disse Dyalon, com voz firme e impessoal.
Antes de seguir para o salão, Aelyr se mudou e deu um leve tapa no braço de Rhaeron , aproximando-se para sussurrar ao seu ouvido:– Me encontre lá em cima. Agora.
Sem esperar resposta, o rei de Geada se levou.
– Levem os convidados para seus aposentos. – tentei Dyalon às servas que aguardavam nos degraus da escadaria.
– Claro, milorde. Por favor, por aqui. – disse uma delas, reverenciando. A comitiva da Casa Frostlith subiu em silêncio, escoltada pelas criadas.
Rhaeron, no entanto, não foi com os outros. Caminhou sozinho pelos corredores em direção aos seus aposentos. No caminho, cruzou com um de seu irmão — aquele que causou problemas recentemente. Os dois se entreolharam por um instante, mas nenhuma palavra foi dita .
Chegando à porta do seu quarto, a empurrou devagar. Lá dentro, Aelyr o aguardava de pé, de costas, olhando pela janela. Narhaerys estava sentado na cama de Rhaeron, quieto, mas ansiosamente.
– Fecha a porta. – disse Aelyr, sem olhar para trás.
Rhaeron obedeceu.– O que você quer comigo? – Disse, cauteloso.
– Conversar. Sente-se perto de Narhaerys. – respondeu o rei com tom calmo.
Rhaeron se mudou e sentou-se ao lado da jovem, que sorriu timidamente. A luz do fim da tarde tocava os cabelos de Aelyr, revelando o branco puro como a neve — sem falhas, sem envelhecimento . Seus olhos tinham um tom rosado-claro , quase etéreo, que deixaria qualquer homem desconfortável. Era como encarar um espírito ancestral.
– Você sabe que não foi seu pai quem me chamou, certo? Foi por isso que ele ficou sem graça. Tentei disfarçar, mas eu vi. – disse Aelyr, se virando com um leve sorriso.
– Hm... E quem foi, então? –disse Rhaeron.
–Sua mãe. Ela me invejou duas cartas: uma pedindo ajuda... e outra, formal, para encobrir. Dyalon não fez ideia de que eu viria. Só contei quando já estava no caminho. Para todos os efeitos, parece que eu me convidei. – Aelyr tirou uma cadeira e se sentou diante do casal.
– E se ele descobrir? Se ele descobrir que minha mãe te encontrou... ele é capaz de matá-la. – murmurou Rhaeron, preocupado.
Aelyr balançou a cabeça devagar.
– Não se preocupe. Meu plano para esta noite... é salvar todos vocês.
O quarto ficou em silêncio. O vento assobiava pelas frestas da janela. Rhaeron ficou tenso.
– O que você está falando? Salvar... de quê?
– Você sabe tão bem quanto eu. – respondeu Aelyr. – Meu reino sempre teve pé atrás com o Reino de Ariamor... e com Auraya . E digo mais: ela está tramando algo contra você. Sabia que, no passado, Auraya foi apaixonada pelo seu pai? Mas os pais deles não permitiram. Ela se casou... mas nunca o esqueceu. E ele, mesmo depois de tudo, também não a esqueceu. Isso explica o comportamento dele. Uma amargura... uma brutalidade.
Aelyr fez uma pausa, sorrindo de forma enigmática.
– Bom, chega do passado. Vamos ao que interessa. – disse ele, se voltando para Narhaerys. Ela deu, quase pulando na cama.
– Vai, papai, pergunta logo! – disse ela, animada.
Aelyr cruzou as mãos sobre o joelho e olhou diretamente nos olhos de Rhaeron.
– Então, Rhaeron Moonveil... é simples. Sim ou não. Você aceita se casar com minha filha, lady Narhaerys?
O tempo pareceu parar. Rhaeron olhou para Narhaerys. O mundo ao redor desbotou. A pergunta ecoava em sua mente, misturada com promessas, desconfiança, poder... e uma centelha de esperança.
Ele respirou fundo.
– ...Aceito.
Narhaerys não conseguiu conter a alegria. Ela deu um grito abafado, pulou em cima de Rhaeron , jogando-o na cama e o beijou com paixão e entrega , sem se importar com a presença do próprio pai.
Aelyr soltou uma risada breve, se levantando da cadeira.
– Opa, vamos com calma, jovens. – disse com um tom levemente mais sombrio. – Ainda temos que conversar com o Lorde Dyalon. Mas... eu duvido que ele vá se opor.
– Não falta muito para a coroação. – Afirmou aelyr, com voz firme e cansada.
– Acabamos por aqui. – Falou Aelyr, levantando-se da cadeira. – Acho que vou dar uma olhada pelo castelo e depois ir até a cidade. Mais tarde falo com seu pai sobre o casamento. Eu...
Ele caminhou até a porta, parou e virou com um sorriso torto:
– É mais uma coisa... não fazer filhos. Se controlem, tá? – disse rindo.
– Pai! – Falou Narhaerys, constrangida, com o rosto dourado.
Rhaeron deu uma risada de canto, baixo, enquanto Aelyr saiu do quarto.
No corredor, uma serva apareceu correndo apavorada, e sem tempo de frear, esbarrou em Aelyr, quase caindo. Ela falou os olhos assustados ao perceber quem era.
– Por que tanta pressa? – Perguntou Aelyr, fazendo sério para a criada.
– Mil perdões, majestade... mas era o senhor que eu estava procurando. – Disse ela com a voz trêmula.
- UE? – Aelyr arqueou a sobrancelha, cruzando os braços, encostado na parede.
– Sim... é porque o rei Dyalon... ele está... ele está batendo na senhora Alysh. E... ela perdeu muito sangue. – Falou a serva, começando a chorar.
Aelyr ficou imóvel por um segundo, os olhos duraram. Em silêncio, virou-se e disparou pelo corredor.
Rhaeron e Narhaerys apareceram na porta do quarto.
– Vamos! preciso parar meu pai! – Disse Narhaerys, aflita.
Os dois correram atrás de Aelyr, passando pelas colunas de pedra e tapeçarias, subindo e descendo escadas até chegarem ao corredor dos aposentos de Alysh. Estava lotado. Servas, cavaleiros, criados, todos parados, sem coragem de se mover. Alguns cochichavam, outros choravam, e dentro do quarto, os gritos abafados indicavam que a violência ainda acontecia.
Rhaeron e Narhaerys chegaram até a entrada. Mas Aelyr não estava lá.
– Onde está ele? – Perguntou Rhaeron, olhando ao redor.
– Mãe! – Gritou Narhaerys, correndo até Azlaene, que estava de pé, pálida, com o olhar desesperado.
– Narhaerys, onde está seu pai? – Perguntou a rainha, segurando o braço da filha.
– Eu... eu não sei. Achei que ele já estaria aqui. A serva correu atrás dele... – Disse Narhaerys, olhando em volta.
– Ele vai matá-la... – Sussurrou Azlaene. – Os cavaleiros das casas Moonveil e Ariamor não deixam ninguém entrar. Estão todos parados... como se fossem estátuas. Ninguém ousa passar.
–Rhaeron! Você precisa parar isso! – Gritou Kamily, a filha mais nova de Dyalon, com os olhos cheios de lágrimas.
– Como?! Eu não consigo passar! – Disse Rhaeron, olhando para os cavaleiros que bloquearam a entrada do quarto.
Do lado de dentro, os filhos de pancadas ainda ecoavam.
Seus irmãos estavam todos paralisados pelo medo. Alguns tremiam, outros apenas olharam para o chão. Nenhum se mexia. Nenhum ousava reagir. A brutalidade do pai havia paralisado a todos.
O cheiro de sangue escapou pela porta. O som do choro de Alysh já não era mais ouvido.
Rhaeron olhou para os cavaleiros.
Olha para a porta.
Olha para o chão.
E então cerrou os punhos, os olhos cheios de raiva.
– Eu vou entrar. E se alguém tentar me impedir, morre aqui mesmo. – Disse, com a voz baixa, mas firme.
Quando Rhaeron se preparou para avançar, um silêncio tomou conta do corredor.
Então ele apareceu.
Aelyr.
Passando pelo meio de todos com passos lentos e firmes. A presença dele era tão avassaladora que os ossos de quem o via ranger, como se fossem feitos de varas secas. Um por um, todos os olhares se curvaram. Os mais fortes engoliram seco. As servas tremiam.
Os cavaleiros que bloquearam a porta entreolharam-se — por um segundo. Foi o tempo suficiente.
Aelyr apenas tocou na empunhadura da espada.
E então... nada além de sangue.
Os corpos dos cavaleiros das casas Moonveil e Ariamor se partiram em pedaços. Picados como folhas secas ao vento. Um golpe invisível, veloz e limpo. Não houve tempo para grito, defesa ou honra. Eles caíram como sacos de carne.
Rhaeron congelou. Todos congelaram.
Aelyr apenas sons, sem olhar para os destroços. Abra a porta.
Dentro do quarto, o sangue cobria tudo. As paredes, os lençóis, o carpete.
Auraya de Ariamor estava sentada à beira da cama, os olhos semicerrados. Quando viu Aelyr entrar, olhou para os corpos dos cavaleiros mortos do lado de fora. O silêncio virou medo.
Dyalon, que havia um ponto de golpear Lady Alysh ao ouvir a comoção, virou-se lentamente. Estava coberto de sangue. A respiração pesada. Os olhos, sem arrependimento.
– O que você está fazendo aqui? – disse Dyalon, sem mover um músculo. – Não me lembro de ter te convidado.
Aelyr não respondeu. Foi até uma mesinha, pegou uma jarra de vinho, encheu calmamente o copo.
– Ah, é? – respondeu, tomando um gole. O sabor não lhe pareceu agradável.
– Se ninguém aqui o chamou... então, a pessoa o chamou foi ela. – Falou Dyalon, apontando com desprezo para Alysh, esticada no chão, encharcada de sangue, com os olhos semicerrados.
Aelyr olhou. Ela ainda respirava. Pouco. Mas viva.
– Levem ela. – Disse, sem emoção, olhando para Dyalon e Auraya ao mesmo tempo.
As servas entraram rapidamente, quase escorregando no sangue, indo em direção ao corpo da rainha caída.
Quando uma delas se abaixou para tocá-la, Dyalon ajudou a dar um chute. Mas algo cortou o ar. Um clarão rápido e mortal desceu de cima para baixo.
Dyalon recuou, assustado, com um pequeno corte no rosto. Ele olhou para Aelyr... mas Aelyr ainda estava parado no mesmo lugar, como se não tivesse feito nada.
– O que está esperando? Peguem ela. – Aelyr disse às servas, com a mesma frieza. – Ele não fará nada com vocês.
Assustadas, mas confiando em sua palavra, elas ergueram o corpo quase sem vida de Alysh e saíram rapidamente do quarto.
Aelyr virou-se, caminhando até a porta.
Mas antes de sair, parou.
Olhou para Auraya. O silêncio se estendeu por alguns segundos.
Então, sem dizer nada, virou o copo e lançou o vinho contra ela. O vermelho líquido escorreu, manchando seu vestido branco como sangue fresco.
Auraya apenas olhou, sem fato.
A porta se fechou.
Aelyr havia ido embora. Mas o rastro da presença dele ficaria naquele quarto por muito tempo.
Depois do incidente, a noite logo chegou. A lua cheia brilhava no céu, redonda e silenciosa. Todos que a olharam se perguntaram: quando foi a última vez que ela se mostrou tão viva?
Rhaeron se preparou para se tornar, enfim, os herdeiros da Fortaleza da Noite Eterna , futuro rei da Casa Moonveil e dos cidadãos de Fullmoon .
Narhaerys, de pé ao lado dele, com os cabelos soltos e uma expressão calma, mas firme, colocava um colar de prata escurecida ao redor do pescoço de Rhaeron. Apesar do metal ser prateado, sua coloração era preta como carvão , marcada com os símbolos das casas vassalas do Moonveil — uma corrente de lealdade forjada em sangue antigo.
Rhaeron usava sua roupa de coroação , preta da cabeça aos pés, com detalhes em vermelho escuro que especificamente vivos sob a luz das tochas. Sua capa de couro pesada , com o símbolo da lua cheia costurada às costas, pesava sobre os ombros como a responsabilidade que ele carregaria para sempre. A túnica preta ajustada , com cortes militares, deixava sua porta firme e pronta para a guerra.
Um cinto de couro negro com fivela prateada cruzava sua cintura, e nele estava a espada que recebeu de Narhaerys ainda naquele dia. Botas longas de couro , escuras, firmes, qualificadas tanto para a cerimônia quanto para a batalha.
O visual de Rhaeron era uma mistura perfeita entre nobreza sombria e brutalidade militar . Um príncipe com o olhar de um guerreiro. Seu semblante reflete o ressentimento que o moldou e o orgulho que o guiava.
A estética lembrava os cavaleiros góticos , os Moonveil mais cruéis e imponentes da história , que carregavam a lua cheia não como símbolo de luz, mas como presságio de escuridão e domínio .
A fortaleza silenciada aos poucos.
Como tochas tremem.
E quando Rhaeron respirou fundo...Era como se a própria noite estivesse prestes a se curvar.
A maioria das casas vassalas , recebidas dos cantos mais distantes do território Moonveil, atravessados vales, florestas e montanhas para estarem presentes naquela noite. A cerimônia de coroação era esperada há anos — e agora, finalmente, Rhaeron seria elevado como herdeiros da Fortaleza da Noite Eterna .
No interior do quarto, Narhaerys puxava Rhaeron para perto . Silenciosa, começou a pentear seus longos cabelos negros como carvão , um cor tão denso e absoluto que parecia absorver toda a luz ao redor. Ele observava seu próprio reflexo num pequeno espelho empoeirado, enquanto seus olhos âmbar brilhavam com uma mistura de raiva, orgulho e silêncio.
A porta se abriu devagar. Dealys , a irmã mais nova de Narhaerys, espiou o quarto:— Todos o esperam, príncipe. — disse ela, segurando a maçaneta antes de retirá-la.
— Pronto, terminei. — murmurou Narhaerys, largando a escova.
Rhaeron se ajeitou, passou as mãos pelas vestes, e fitou o espelho mais uma vez.— Vamos indo, Narhaerys.
Saíram juntos, seus passos ecoando nos corredores frios e escuros da fortaleza . Os estandartes da lua cheia balançavam lentamente, como se a própria pedra estivesse respirando.
Perto do salão principal, Narhaerys teve de se separar. Ela subiu para o lugar reservado à família real , ao lado de seu pai Aelyr, sua mãe Azlaene, seus irmãos e irmãs. Ela tocou de leve a mão de Rhaeron antes de ir, e seguindo seu caminho.
Dois cavaleiros cerimoniais , usando armaduras negras com detalhes escarlates, abriram as portas do Grande Salão da Fortaleza da Noite Eterna . Um cheiro de incenso e ferro pairava no ar. Lá dentro, o rei Dyalon estava sentado em seu trono colossal, esculpido em obsidiana e aço ancestral. Ao lado, Auraya com seu marido e filhos. Do outro lado do salão, os quatro irmãos e quatro irmãs de Rhaeron — todos sentados em silêncio, como estátuas esculpidas pelas obrigações.
O salão estava cheio de nobres , cada um com roupas de gala, bandeiras e núcleos de suas respectivas casas vassalas. Assim que Rhaeron entrou, vários olhares se voltaram contra ele , como lâminas escondidas atrás de sorrisos finos. Ele fingiu não notar.
Com as mãos para trás e olhar sério , caminhou pelo corredor principal, sentindo os olhos cravarem nele a cada passo. Quando finalmente chegou diante do trono, ajoelhou-se com um único joelho no chão , em silêncio, olhando para o chão de pedra escura.
Dyalon soltou uma risada baixa e suave uma das mãos.
Duas servas entraram no salão, uma com os cabelos presos , a outra com os cabelos soltos até os ombros . Ambas usavam vestes brancas com detalhes em vermelho , e carregavam, com solenidade, uma caixa de madeira de carvalho escuro . Uma segurança estava à direita, à outra à esquerda.
Pararam à frente de Rhaeron e se ajoelharam.
Abriram a caixa. Lá dentro, ela dizia respeitova à coroa dos herdeiros da Casa Moonveil — feita de rubis antigos , suas pedras vermelhas sangue pareciam pulsar em silêncio. A base da coroa estava escurecida pelo tempo , quase negra, como se o próprio metal tivesse sido apodrecido ao longo de gerações de sangue e traição.
Rhaeron não piscou.
A fortaleza segura ou o fôlego.
A lua cheia observava.
E os deuses, se é que ainda existiam...esperavam para ver quem se ajoelharia — e quem sangraria .
Dyalon desceu lentamente os degraus do trono , passos seus ecoando pesados pelo salão. O manto negro se arrastava como uma sombra viva. Parou diante de Rhaeron , que permanece de joelhos, imóvel, como uma estátua desenhada a ser moldada pela eternidade.
A serva da esquerda — a dos cabelos soltos — deu um passo à frente, segurando a coroa ancestral com as duas mãos. Seu corpo tremia levemente sob o peso simbólico daquele objeto. Apoie-se num dos joelhos e suavidade a coroa em direção ao rei , como uma oferenda aos deuses esquecidos.
Dyalon conquistou a coroa.
Olhou para ela por um breve instante — o brilho das pedras vermelhas refletindo em seus olhos sem emoção — e então fincou-a com firmeza sobre a cabeça de Rhaeron . O impacto da coroa ecoou como o som de um selo sendo imposto.
Sua voz foi fria, cerimonial, e instruções de autoridade:
— "Eu, Dyalon, por este meio, nomeio Rhaeron Moonveil Príncipe de FullMoon e herdeiros do Trono dos Moonveil."
Silêncio.Um segundo de silêncio absoluto.
Então, um a um, os senhores das casas vassalas começaram a se curvar, como as marés sendo puxadas pela gravidade de algo maior. Alguns com orgulho. Outros com relutância.
E juntos, declararam em uníssono:
— "Juramos lealdade aos herdeiros do Trono da Noite Eterna."
As vozes preencheram o salão, como um trovão vindo de cavernas ancestrais.
As principais casas se pronunciam em ordem, seus braços erguidos ao alto por porta-estandartes:
– A Casa Dawrkater – A Casa Draylock – A Casa Morgan – A Casa Drayklyn – A Casa Mrogwa – A Casa Nyoere
E muitas outras , que, mesmo silenciosas, abaixaram as cabeças diante do novo nome marcado pela coroa.
Rhaeron fez-se joelhado, sem emoção visível , como se o peso da coroa não fosse apenas físico, mas também um pacto com a escuridão que sempre rondou sua linhagem.
O juramento fora selado.
A lua cheia ainda brilhava lá fora, mas dentro da Fortaleza da Noite Eterna, era Rhaeron que agora eclipsava todos os olhares .
Todos aplaudem Rhaeron.
Todos… exceto Auraya , que observava em silêncio, os olhos frios como vidro congelado.
Do alto da escadaria, Rhaeron virou o olhar discretamente em direção ao canto esquerdo do salão, onde a família Frostlith estava. Entre as sombras dos padrões, ele viu Aelyr se afastando , passos com calmos, quase invisíveis aos olhos alheios. Sua família também recuava com ele, discreta como névoa noturna.
Mas então— Um grito rasgou o salão.
Um homem mascarado cravou uma adaga no pescoço de um senhor desconhecido. O sangue jorrou como fonte escarlate, respingando na mulher ao lado — talvez sua esposa — que logo foi empurrada ao chão e atravessada por outra lâmina.
Caos. Gritos. Correria. O som de metal se chocando. Crianças chorando. Nobres urrando de medo.
As portas do salão se abriram com estrondo, e mais homens mascarados entrada , vestidos em roupas escuras, armados com espadas curtas, machadinhas e lâminas curvas. Os cavaleiros que guardavam a entrada estavam mortos ou preparados recuados.
Dyalon sentado. Auraya também. Imóveis, como se já esperassem por aquilo.
Rhaeron observava a multidão em tumulto. Ao virar o rosto, viu de relance seus irmãos correndo com Aelyr e a família Frostlith , escapando por uma passagem lateral. Mas ele estava preso no olho do furacão.
Muitos tentaram fugir, mas os mascarados cercaram as portas e atacaram sem misericórdia.
Vendo uma brecha perto de uma das colunas, Rhaeron correu. Auraya comentou:
– Ele está fugindo! E Dyalon se clamou, rugindo como um cão feroz: – Peguem o príncipe!
Um dos mascarados tirou um chifre de gazela amarrado ao ombro e tocou uma trombeta rascante .O som ecoou pelos corredores. Mais mascarados surgiram das sombras , bloqueando o caminho de Rhaeron.
Espada em punho.
Três contra um.
Rhaeron atacou com fúria e precisão , como se tivesse treinado para aquele momento a vida inteira. Cortes horizontais, verticais, em arco, investidas e retiradas. Um dos mascarados o acertou com um soco no estômago, o fazendo cair de joelhos. Outro entregue a lâmina para o golpe final — mas Rhaeron girou o corpo , desferindo uma rasteira e cravando a espada no pescoço do inimigo.
O segundo avançou — Rhaeron desviou. Correu. Escapou do cerco.
Mas ao alcançar o pátio central , dois o aguardavam.
Um homem alto , de máscara prateada e armadura leve.E uma mulher de vestes negras , que se move dançando como uma serpente, cada giro uma ameaça, cada salto um poema de violência.
A mulher atacou primeiro , indo direto à cabeça de Rhaeron com uma lâmina curva. Ele se abaixou por instinto. O homem veio em seguida, desferindo um chute poderoso que lançou o príncipe contra a parede de pedra .
– Então você é o primogênito de Dyalon? – disse o homem, voz rouca e zombeteira.
A mulher girava atrás dele, como se dançasse em um salão de sangue.
– Ignore ela, – contínuo o mascarado. – Ela é assim mesmo.
Rhaeron, arfando, largura a espada de novo.
– O que você quer comigo? – rosnou.
– Não está óbvio? – disse o homem, abrindo os braços. – Matar você. Como pagamos para fazer.
Ele riu.
– Que barulheira toda é essa? Metal contra metal... Gritos desesperados... Ahh, então como música pra mim.
A mulher parou de girar e ficou estática atrás dele. Ambos mascarados. Ambos impiedosos. Rhaeron sentiu mais medo dela do que do homem.
Mas antes que qualquer um pudesse atacar novamente…
Um novo som ecológico ou pelos corredores de pedra.
Espadas colidindo. Raios de aço faiscando contra escudos e lâminas.E então, duas figuras surgiram da fumaça que tomava o castelo.
O rei de Ariamor.Contra o rei de Geada.
Aelyr contra Awren.
Duas monstruosidades em forma de reis.Duas monstros colidindo dentro da fortaleza.
— Opa... Parece que temos visitantes indesejados. — disse o mascarado, com um riso arrastado, sinistro, que ecoou pelo corredor de pedra molhada.
Rhaeron viu uma brecha — uma abertura estreita entre colunas de pedra quebrada. Correu. Mas não chegou longe .
A mulher dançante surgiu à sua frente com um giro , os olhos brilhando por trás da máscara rachada. Lâmina curva em mãos. Rhaeron estendeu a espada, e o choque foi imediato.
Aço contra aço.
Um confronto feroz.Ela se movia com graça e velocidade, como uma sombra viva.Rhaeron bloqueava o que podia, mas a curvatura da lâmina dela criava ângulos imprevisíveis , dificultando cada defesa.
E então—
Começou a chover.
Gotas pesadas caindo do céu acinzentado, lavando o sangue, molhando os cabelos, fazendo o chão escorregadio. O homem mascarado se moveu lentamente , agora com uma espada longa empunhada e um sorriso oculto.
— Vamos acabar logo com isso. — murmurou ele, sem emoção.
Dois contra um.
Rhaeron recuou. Estava exausto. Sangue escorria do corte na costela e da lateral do braço.Os dois mascarados avançam juntos: Ataques frontais, laterais, cruzados, imprevisíveis. A lâmina curta vinha de baixo; a longa, de cima. Golpes circulares, estocadas, cortes rasantes.
Rhaeron bloqueou mal. Cada impacto o empurrava mais para trás. Vários golpes o acertaram — no ombro, na coxa, nas costas.Rhaeron cambaleava. Não consegui acertar nenhum.
Seu braço tremia. A respiração ofegante.
Mas então — um trovão rasgou o céu . Duas silhuetas surgiram no meio da chuva.
Aelyr Frostlith.Awren de Ariamor.
Como feras em guerra. Duas lendas vivas que colidiram entre os mascarados como tempestades gêmeas.
O aço oscilava em velocidades absurdas. Chuva, sangue e faíscas dançavam ao redor deles.Aelyr defendeu com precisão gelada. Awren atacava com fúria ensandecida.
Mas os mascarados não hesitaram.
Mesmo com os reis duelando ao lado, decidiu-se para Rhaeron , determinou a matá-lo ali mesmo. E Rhaeron… sangrava. Quase caiu. Mas não se renda.
O príncipe primeiro sobreviverá.
— Opa... Parece que temos visitantes indesejados. — disse o mascarado, com um riso arrastado, sinistro, que ecoou pelo corredor de pedra molhada.
Rhaeron viu uma brecha — uma abertura estreita entre colunas de pedra quebrada. Correu. Mas não chegou longe .
A mulher dançante surgiu à sua frente com um giro , os olhos brilhando por trás da máscara rachada. Lâmina curva em mãos. Rhaeron estendeu a espada, e o choque foi imediato.
Aço contra aço.
Um confronto feroz.Ela se movia com graça e velocidade, como uma sombra viva.Rhaeron bloqueava o que podia, mas a curvatura da lâmina dela criava ângulos imprevisíveis , dificultando cada defesa.
E então—
Começou a chover.
Gotas pesadas caindo do céu acinzentado, lavando o sangue, molhando os cabelos, fazendo o chão escorregadio. O homem mascarado se moveu lentamente , agora com uma espada longa empunhada e um sorriso oculto.
— Vamos acabar logo com isso. — murmurou ele, sem emoção.
Dois contra um.
Rhaeron recuou. Estava exausto. Sangue escorria do corte na costela e da lateral do braço.Os dois mascarados avançam juntos: Ataques frontais, laterais, cruzados, imprevisíveis. A lâmina curta vinha de baixo; a longa, de cima. Golpes circulares, estocadas, cortes rasantes.
Rhaeron bloqueou mal. Cada impacto o empurrava mais para trás. Vários golpes o acertaram — no ombro, na coxa, nas costas.Rhaeron cambaleava. Não consegui acertar nenhum.
Seu braço tremia. A respiração ofegante.
Mas então — um trovão rasgou o céu . Duas silhuetas surgiram no meio da chuva.
Aelyr Frostlith.Awren de Ariamor.
Como feras em guerra. Duas lendas vivas que colidiram entre os mascarados como tempestades gêmeas.
O aço oscilava em velocidades absurdas. Chuva, sangue e faíscas dançavam ao redor deles.Aelyr defendeu com precisão gelada. Awren atacava com fúria ensandecida.
Mas os mascarados não hesitaram.
Mesmo com os reis duelando ao lado, decidiu-se para Rhaeron , determinou a matá-lo ali mesmo. E Rhaeron… sangrava. Quase caiu. Mas não se renda.
O príncipe primeiro sobreviverá.
— Garoto, fuja! — falou Aelyr , a voz áspera cortando o rugido da chuva.
— Estou tentando... mas não dá! Eles são muito rápidos! — respondeu Rhaeron , recuando com a espada trêmula nas mãos, os olhos desesperados.
Aelyr se adiantou, firme como uma muralha de gelo.
— Deixe eles comigo. — disse ele, com uma frieza mortal nos olhos.
Awren de Ariamor caiu ali, ajoelhado no meio do pátio encharcado. Seu corpo era uma tapeçaria de sangue: Costelas expostas, cortes profundos nas coxas, braços, pernas, peito, rosto — a lâmina de Aelyr havia passado por ele como uma tempestade cortante.
Rhaeron cambaleou, passou por Aelyr e correu, tropeçando nos próprios pés, sangue escorrendo da testa.
Mas então...
Um silêncio estranho caiu.
Como se o mundo inteiro prendesse o fôlego.
Aelyr virou-se.
E o que viu o paralisou.
Auraya. Com o rosto calmo, os olhos frios, os cabelos encharcados cobrindo parte do rosto.
Auraya estava atrás de Rhaeron. E cravava uma adaga curva no couro negro das vestes cerimoniais dele.
Entre as omoplatas. Direto no símbolo da lua cheia. O brasão da Casa Moonveil.
Rhaeron soltou um som sufocado — um misto de surpresa, dor e traição. Sua expressão congelou. As pernas fraquejaram. Ele caiu de joelhos.
Aelyr reunida. Awren, mesmo ferido, arregalou os olhos, tentando se levantar.
Auraya sussurrou ao ouvido de Rhaeron, com um tom que só ele ouviu:
— Você nunca deveria ter nascido, bastardo.
E então o empurrou para frente, deixando-o cair ao chão molhado de sangue e chuva.
— Auraya? — murmurou Aelyr , confuso. Os olhos fixos na silhueta diante de si.
A mulher transmitida de lado. O olhar cortante, os traços idênticos.
— Não... Rhaelyx? O que você faz aqui? — Aelyr deu um passo para trás, perplexo.
— Cunhada, que bom vê-la de novo. — disse Awren , com um sorriso fraco, cuspindo sangue. — Rhaelyx, a irmã gêmea da minha esposa... sempre aparecendo na hora errada.
Rhaelyx girou a adaga entre os dedos, os olhos brincando com a cena, como uma atriz entediada no palco.
— Vocês estragaram nossa diversão, malditos. — rosnou o líder dos mascarados , furioso.
— Desculpa, minha irmãzinha pediu uma ajuda... e aqui estou eu. —Rhaelyx riu. Um riso agudo e cortante como lâmina afiada.
Ela então olhou para Aelyr, com desprezo e saudade:
— Você continua o mesmo. Só quero entender por que escolheu aquela vagabunda da Azlaene... ao invés de mim. — Sua voz tinha veneno e mágoa.
Aelyr deu um passo à frente, com os olhos estreitos. Rápido como um raio, ele avançou com a espada. Rhaelyx girou para o lado, desviando com moda felina.
Mas o golpe não foi real.
Era distração.
Aelyr aproveitou a brecha e correu, saltando pelos escombros e pilares rachados do salão externo, desaparecendo nas sombras.
— Acabou por aqui. — disse o líder dos mascarados , com um suspiro frustrado.
Ele olhou para a mulher ao seu lado. Ambos se entreolharam, e ele pegou sua mão.
Sem mais uma palavra, os dois desapareceram na escuridão da noite , sumindo pelas passagens ocultas do castelo em ruínas, deixando o caos e o sangue para trás.
A chuva continuava a cair.No chão, Rhaeron jazia imóvel. Awren , semiconsciente, murmurava por ajuda.E Rhaelyx , no alto das escadas, observava tudo, com o sorriso de quem sabe que o jogo está longe de terminar.
Quando Aelyr retornou à carruagem de sua casa, o silêncio veio junto com ele. Nenhuma palavra foi dita. Nenhum olhar trocado.Apenas o som ritmado dos cascos dos cavalos dos Cavaleiros de Geada começando a marchar.Estavam deixando para trás aquele maldito reino — a Fortaleza da Noite Eterna — envolta em sangue, traição e fumaça.
Dentro das carruagens, estão os oito filhos de Dyalon e Alysh , além da própria Alysh , cabisbaixa, sem forças para erguer a voz.
O clima era pesado.
Narhaerys não consegue conter a angústia. Olhou para o pai, com os olhos marejados, e disse com a voz baixa, mas firme:
— Onde está Rhaeron?
Aelyr ficou em silêncio. Seu maxilar travado, os olhos fixos na estrada à frente. Sabia que aquela pergunta viria. Sabia também que a resposta partiria da filha em mil pedaços.
Eles tinham se conhecido ainda jovens.Ela e Rhaeron.Dois corações moldados um para o outro, criados lado a lado...Uma conexão rara, que agora estava prestes a ser quebrada para sempre.
— Ela te fez uma pergunta. — disse Azlaene , firme, encarando Aelyr. — Vai se calar diante da dor da sua filha?
Aelyr virou-se lentamente para Narhaerys, forçando um pequeno sorriso — quebrado, vazio.Um sorriso que dizia tudo o que as palavras não conseguiam.
E naquele instante... ela entendeu.
A verdade caiu como uma lâmina silenciosa sobre seu coração.
— Sinto muito, minha filha... — murmurou Aelyr, com a voz embargada.
Os olhos de Narhaerys , de uma rosa clara como esperados ao amanhecer, se encheram de lágrimas. Ela desviou o olhar, olhando para o chão da carruagem, tentando encontrar ali alguma resposta.
Por que ele não conseguiu salvá-lo? Por que Rhaeron...?
Ela cerrou os punhos, o peito apertado. Ali, no frio da madrugada, enquanto o Reino de Geada se afastava do território Moonveil, uma parte de Narhaerys ficou para trás.
E o silêncio, mais uma vez, tomou conta da estrada.
– Mais tarde... contamos aos irmãos dele, às irmãs... e à mãe. – disse Aelyr com a voz embargada, mas contida, tentando manter-se firme diante de Narhaerys.
No castelo da Noite Eterna, sob os vitrais manchados de sangue e sob a luz pálida da manhã, dois cavaleiros da guarda real arrastaram o corpo de Rhaeron Moonveil até o salão do trono.
A túnica negra dos herdeiros estava rasgada, encharcada de sangue. O rosto, ainda com traços jovens, jazia pálida, mas sem perder a dignidade.Mesmo morto, ele parecia encarar o trono.
Os cavaleiros se ajoelham diante da Rainha Auraya.
— Aqui está ele, minha rainha. O que devemos fazer com o corpo...?
Auraya não diz uma palavra de início. Apenas ergue o olhar para o trono, onde Dyalon está recostado, com um cálice em mãos. Rhaelyx — com um vestido escarlate — está sentado no encosto de um dos braços do trono, balançando uma taça de vinho como se fosse uma criança entediada. Awren de Ariamor , agora curado, está em pé, encostado em uma coluna, apenas observando.
Auraya cruza os braços, indiferentemente.
— Decida aí, Dyalon.
Dyalon dá uma risada seca, sem alma.
— Joguem fora isso. — diz, se referindo ao corpo do próprio filho como se fosse um fardo.— Tem um rio aqui perto... joguem lá. Alimentem os peixes. É o máximo que esse moleque serve agora.
Os cavaleiros se entreolham, hesitam por um segundo, mas apenas concordam.
— Como quiser... meu rei.
E então, a sala se enche de risos.
Rhaelyx gargalha alto, como se tivesse ouvido a melhor piada da noite, e acena com os dedos para o corpo estendido no chão.
— Tchauzinho, priminho... pena que era tão bonito. — diz com deboche, levando o dedo aos lábios num falso gesto de luto.
Awren apenas observa.Auraya desvia o olhar.
E o corpo de Rhaeron Moonveil é arrastado novamente, pois não tinha sido herdeiro de nada. Como se nunca tivesse existido.
A trilha até o rio era longa, ladeada por árvores retorcidas e arbustos que continham sussurrar segredos ao vento. Os dois cavaleiros da Casa Moonveil caminharam em silêncio, arrastando o corpo sem vida de Rhaeron , envolto apenas pela capa rasgada que um dia ostentara com orgulho durante sua coroação.
Ninguém havia preparado uma pirata. Nenhum rito funebre. Nenhuma oração.
Ao chegarem à beira do rio gelado, lançaram o corpo como se fosse entulho. A correnteza o acolheu em silêncio, arrastando-o pelas águas escuras.
— Acaba. — disse um dos cavaleiros, cuspindo no chão.— Que os peixes fazem bom uso dele. — respondeu o outro, virando-se de volta para o castelo.
As águas engoliram Rhaeron Moonveil, os herdeiros da Noite Eterna, como se o mundo tivesse decidido esquecê-lo.
O céu começava a clarear, mas sem cor .
As nuvens cinzentas cobriram o horizonte como véus de luto. Pequenas gotas de chuva deslizavam pelas carroças e tendas, pingando suavemente nos galhos retorcidos da floresta ao redor do acampamento dos Frostlith . O cheiro da terra molhada misturava-se ao do medo e da incerteza.
Aelyr saiu da carruagem em silêncio, sentindo o frio da manhã tocar sua pele como uma lembrança amarga.
Foi então que viu:Todos estavam acordados. Os oito filhos de Dyalon e Alysh , e a própria Alysh , de pé sob uma árvore, vestida com um manto pesado, os olhos cansados.Eles o observaram como se já sabiam.Mas não sabiam.
Aelyr parou no centro do acampamento. Olhou para os rostos um a um.Narhaerys estava ali também, com os olhos inchados de tanto não dormir.
Ele respirou fundo.Sentiu a garganta apertada, e a dor que carregava do salão escuro agora pesava como uma lâmina cravada em seu peito.
— Preciso contar algo para todos vocês.
Silêncio.
O som da chuva se intensificou.
— Durante o ataque... — ele começou, mas a voz falhou. — Rhaeron… foi ferido. Cova. Lutei para alcançá-lo.Mas... eu... não consegui.
Alguns recuaram, em choque. Outros franziram a testa, tentando entender.Mas Narhaerys caiu de joelhos.
— Está dizendo que... ele...?
Aelyr fechou os olhos por um instante.Abriu-os, molhados.
— Sim. Rhaeron está morto.
Alysh levou a mão à boca, cambaleando para trás. Seus filhos mais novos choraram. Os mais velhos desejam conter as lágrimas.
Mas Narhaerys acomodações. O cabelo encharcado, as mãos no chão úmido, e os olhos... perdidos.
— Você o deixou... morrer? — sussurrou ela.
— Eu estava lutando contra o rei de ariamor, mandei ele fugir mas não tinha como... juro por tudo que há em Geada, eu tentei salvá-lo.
— E o corpo dele? — Disse um dos irmãos, a voz embargada.
Aelyr hesitou. Era uma pergunta que ele não queria ouvir.
— Não… consegui recuperá-lo. O castelo… foi tomado. Quando ele foi atacado, foi direto no coração, caiu morto. Mas... não havia como voltar.
Alysh falou. Um grito seco, curto, como se arrancassem um pedaço de sua alma. Apenas olhei para o chão.
— Ele era meu futuro. Meu amor. — disse ela, como se confessasse a um túmulo. — E agora ele se foi… Sem honra. Sem despedida. Sem sequer um lugar para enterrar.
Aelyr caiu de joelhos à frente dela.— Eu sinto muito...
Ela não respondeu.
Na floresta próxima…
Um corvo negro pousou sobre uma rocha molhada. Observei. Ao longe, as águas do rio ainda murmuravam — e algo se movia sob a superfície.
Os olhos de Rhaeron se abriram novamente. Mas já não pertencemos ao mesmo mundo.