Os anos passaram com a cadência estranha de quem vive entre dois mundos: um bebê nos braços e um relógio de eventos que pulsava distante. Naruto crescia sob minha guarda em ciclos de aprendizagem e descobertas: primeiras palavras, primeiros passos que tropeçavam, olhos azuis curiosos iluminando brinquedos feitos com energia viva. Cada marco que eu registrava era senha e lembrança — uma criança sendo poupada do ódio que, em outro curso temporal, o aguardava.
Mas o tempo que eu roubara ao destino não era tempo vazio. Enquanto ensinava a Naruto a diferença entre bondade e medo, Alpha X mergulhava nas sombras de Konoha. Ordenei montagens de vigilância, perfis de personagens e cruzamentos de dados: encontros, dispensas fora de agenda, registros bancários e deslocamentos noturnos. Danzo era mestre em operar no escuro; seu padrão era sub-reptício, linhas desconectadas que só faziam sentido quando vistas em conjunto. Alpha X, paciente e incansável, colou as peças.
Meses viraram anos. Havia rotina nas manhãs de berçário e urgência nas noites de análise. Em mesas separadas, Hiruzen repetia sua oração à responsabilidade, reforçando comandos ao ANBU; Danzo tecia alianças discretas. A ANBU Ne — braço sombra da vila — continuava a executar ordens que raramente apareciam em atas oficiais. Eu lia os sinais: convocatórias silenciosas a quem sabia obedecer sem perguntar.
Shisui Uchiha não era apenas um nome nas leituras. Alpha X começou a compilar um perfil detalhado: jovem, respeitado, dono de uma calma cortante e de uma habilidade ocular que quase reverberava nos dados. Havia registros de missões em que ele terminara antes do previsto, retornos silenciosos à sede do clã, conversas vazadas sobre proteção da vila. Em datas isoladas, mensagens cifradas mostravam Danzo pedindo reuniões. Em outras, Shisui era visto em treinos noturnos, olhos perdidos em pensamentos. Em uma projeção, Alpha X reproduzia o rosto de Shisui à luz da lua — um rapaz pesado com o fardo de um talento que poderia mudar destinos.
Em silêncio, comecei a monitorar as interações mais de perto. Alpha X detectou padrões: encontros noturnos em ruelas, figuras encapuzadas, ordens transmitidas por códigos médicos. Danzo buscava o Kotoamatsukami — ou melhor, buscava o controle que essa capacidade representava. Cada nova coleta de dados confirmava um centro de gravidade se formando em direção a Shisui.
Konoha também se movia. Hiruzen, em conversas discretas com Homura e Koharu, mandava reforços de investigação sem alarde — ele queria respostas, mas temia panfletos que incendiassem corações. Danzo, em outra mesa, pedia iniciativa e resultados, sugerindo medidas que cheiravam a tomada de controle moral. A tensão política crescia como um vapor soturno: ninguém abria as portas, mas todos percebiam o calor.
Os dossiers de Alpha X revelaram o ponto de inflexão: em uma janela de semanas, Danzo aumentou as ordens à ANBU Ne relacionadas a movimentações próximas ao clã Uchiha. Em mensagens cifradas havia palavras que Alpha X realçou: "recuperar", "garantir", "prioridade". Havia também um padrão de isolamento, um desenho de rede que cercava um só homem. A conclusão era inevitável: Danzo buscava Shisui.
Na base, discuti com o espelho de dados as opções. Poderia ir logo, agir antes de qualquer tentativa, sequestrar Shisui e removê-lo da equação. Mas a sombra de Hiruzen e a política da vila me impediam de ser o justiceiro solitário a bel prazer. Se eu tomasse Shisui sem voz de Konoha, criaria um incidente que alimentaria as mesmas máquinas de ódio que eu tentava evitar. Ser meticuloso era também ética.
Planejei, então, esperar a confirmação. Pedi a Alpha X que configurasse um portal pronto, expresso e invisível — um ponto que só surgiria mediante leitura combinada de dois sinais: a ativação de um determinado selo por Danzo e a confirmação de presença de Shisui num local específico. Em paralelo, iria aperfeiçoar o uso do elemento ilusão do Cajado dos Elementos, não para atacar, mas para distrair, manipular a percepção e, se preciso, retirar Shisui sem sangue derramado. Não queria prender olhos pela força; queria preservá-los e preservá-lo.
Os anos continuaram. Naruto aprendeu a correr ao redor das colunas de energia da base; riu, chorou, desafiou limites. Eu também envelhecia de outra maneira — noites partidas entre cochilos e simulações. Havia culpa, às vezes, quando lia relatórios de Konoha: vozes exaltadas no conselho, pistas falsas plantadas por interesse político, o crescimento de uma narrativa que pedia soluções drásticas. E havia, sempre, o rosto sereno de Shisui nas leituras — testemunha muda do que poderia vir.
Finalmente, numa madrugada em que chovia fino em Konoha, Alpha X soou com urgência contida. Um pico específico de ordens foi disparado da central de Danzo. Mensagens criptografadas se alinharam num padrão que, para minha máquina, significava apenas uma coisa: operação direcionada. A janela de ação que eu esperava havia se aberto.
"Ulicéu", a voz de Alpha X estava curta, sem floreios. "Existe uma convergência de sinais. Danzo mobilizou ativos da ANBU Ne próximos ao setor X. Há confirmação de que Shisui está isolado em um ponto de encontro. Tempo estimado de execução: trinta minutos."
O mundo condensou-se em conta-relogio. Peguei o Cajado dos Elementos, ajustei o foco ilusão e revelei a mim mesmo uma única diretriz: salvar Shisui de perder o que o tornava humano — sua visão, sua liberdade de escolha — e, se possível, manter toda a operação invisível para Hiruzen e para as peças políticas que inflamavam conflitos.
O ar frio da madrugada entrou pela base como uma promessa: se errasse, tudo aquilo poderia desencadear o massacre que eu vinha tentando evitar. Mas não agir significaria permitir que a ambição de Danzo transformasse um dom em arma.
Fechei os olhos, respirei e pousei a mão sobre a superfície do cajado. A travessia seria rápida, silenciosa e precisa. Ao meu redor, Naruto dormia, inconsciente do fio do destino que eu puxaria naquela noite. Saí.