A Deusa da Espada no sonho nem olhou para o Yue Yang, que estava todo felizão. Era como se ele fosse invisível. Seus olhos estavam fixos no pingente de jade negro que ele agora usava no pescoço.
Ela se materializou mais perto do que nunca, suas mãos pálidas e etéreas se estendendo para segurar o pingente. Seus dedos, frios como a lua, tocaram brevemente sua pele, e uma aura de poder ancestral e flores de cerejeira envolveu Yue Yang. Ele prendeu a respiração. Era um aroma impossível, celestial e levemente amadeirado, como um jardim secreto dos deuses.
Incapaz de se conter, mesmo num sonho, o instinto de canalha falou mais alto. Ele inclinou a cabeça para ela, que estava concentrada no pingente, e sussurrou baixinho, seu sopro quase tocando o véu de energia que ela parecia usar:
"Que perfume é esse, linda? É 'Essência de Divindade' ou 'Éter de Jardim Celestial'? Porque tá acabando comigo..."
A Deusa da Espada congelou por uma fração de microssegundo. Seus olhos, que antes ignoravam completamente sua existência, se ergueram e pousaram nele. Não havia raiva, nem alegria. Apenas um olhar profundo, impenetrável e antigo, que parecia ver através de sua alma, de suas brincadeiras e diretamente para a centelha de ambição que ardia dentro dele.
Foi então que, puff, ela desapareceu no ar, dissolvendo-se como fumaça antes que ele pudesse correr gritando "Saudades do que a gente ainda não viveu!" de braços abertos.
Ela só deixou para trás o pingente, que agora fervia com uma energia absurda, tão vasta e profunda quanto um oceano... e a lembrança fantasmagórica daquele olhar e daquele perfume único, que agora parecia impregnar sua própria mente.
Yue Yang ficou sozinho no espaço do sonho, a pergunta idiota ainda ecoando em seus lábios. Ele não sabia se tinha sido um ultraje ou um sucesso, mas uma coisa era certa: ele finalmente tinha conseguido uma reação dela.
Mesmo que fosse apenas um olhar.
Ela quebrou o selo do pingente?, foi o primeiro pensamento de Yue Yang.
Ele estava certo. Com o pingente liberado, seus treinos nos sonhos viraram de modo fácil. Agora ele conseguia sugar a Energia Espiritual do ambiente e do próprio pingente com uma facilidade ridícula, absorvendo dez vezes mais energia do que antes.
Em tempo recorde, ele abriu seu segundo canal de energia, o Meridiano do Coração. Naquele ritmo, ele calculou que conectaria todos os 12 canais em menos de um mês, completando o primeiro estágio do [Qi da Espada Invisível] e entrando de vez no Reino Inato – o nível mais alto de poder que um Ranker podia almejar.
Quando acordou, porém, o pingente parecia comum de novo. Preto, opaco, sem brilho. A energia colossal tinha ficado restrita ao mundo dos sonhos... ou só a Deusa conseguia ativá-lo? Que bagulho misterioso, ele pensou, sem perder muito tempo quebrando a cabeça. Ele já tinha coisas demais para processar.
Nas semanas seguintes, as mudanças no corpo de Yue Yang eram impossíveis de esconder.
Ele começou a descascar igual uma cobra. Primeiro as mãos, depois as pernas, o corpo todo e, finalmente, o rosto. Por baixo da pele velha, surgia uma nova, branca como jade e com um brilho saudável que rivalizava com a da própria Yue Bing. Era o efeito colateral de entrar no Reino Inato: uma purificação total do corpo, expulsando todas as impurezas.
Si Niang ficou em pânico no início, achando que ele estava doente ou se exaurindo no treino. Só se acalmou quando viu que ele não só estava bem, como estava melhor do que nunca.
A transformação era impossível de ignorar. O garoto magricelo e de olhos cansados que ela criara havia desaparecido, substituído por um homem cuja presença física dominava o quarto. Seus ombros alargaram, ganhando uma largura imponente, e sua postura, outrora curvada, agora era ereta e confiante, a postura natural de um predador no topo da cadeia alimentar. Mas a mudança mais impressionante estava em sua aparência. Sua pele, antes pálida, agora tinha um brilho saudável e dourado, como se banhada pela luz do entardecer. E seu cabelo… Agora, era uma juba vibrante de um ruivo intenso, como fogo solidificado, com mechas mais claras que brilhavam como brasas sob a luz da lua, dando-lhe uma aura selvagem e perigosamente atraente.
Ele parecia uma lagarta que se transformou não em uma borboleta, mas em um fênix ou em um imperador jovem que acabara de ascender ao trono. Era uma beleza tão intensa e magnética que ela não conseguia tirar os olhos dele, sentindo um puxão primitivo e proibido no baixo ventre sempre que o olhava.
"Sobrinho, você está bem? Não está treinando demais?" ela perguntava, preocupada, mas seu olhar traía uma curiosidade mais profunda, um interesse que ia além do maternal.
"Tô ótimo, ótimo!", ele respondia, mas desta vez seu sorriso não era evasivo. Era convidativo. Seus olhos, agora de um âmbar claro que parecia ver através dela, percorreram sua forma de uma maneira que fez um calor familiar percorrer sua espinha.
A tensão entre eles havia crescido constantemente, um elefante na sala que não podia mais ser ignorado. Foi em uma dessas noites, com a lua cheia derramando sua luz prateada pela casa, que a barreira finalmente caiu.
A luz suave de uma única lanterna de óleo iluminava o quarto de sua tia Si Niang, projetando sombras dançantes nas paredes de seda. Yue Yang parou na entrada, sua presença imponente quase preenchendo todo o vão da porta. Ele a encontrou sentada na beirada da cama, envolta em um robe de seda fina que mal conseguia conter as curvas generosas de seu corpo. Seu cabelo ruivo, como uma coroa de fogo, parecia absorver a luz fraca, tornando-o o ponto focal da sala.
Ela estava com o robe levemente aberto, massageando um creme perfumado de jasmim em seus braços e no decote, seus movimentos lentos e um tanto… solitários. O aroma doce e pesado encheu as narinas de Yue Yang, misturando-se ao seu próprio desejo crescente.
"Deixe-me ajudar", sua voz ecoou baixa e grave, quebrando o silêncio íntimo sem pedir permissão.
Si Niang deu um salto, puxando o robe fechado com um movimento rápido, seus olhos arregalados de surpresa e uma centelha de algo mais. "Querido! Já está tarde, deveria estar dormindo..."
"Estava. Mas esta casa é muito silenciosa à noite. Muito… vazia." Ele se aproximou, seus passos silenciosos no tatame. Ele não esperou por uma resposta. Ajoelhou-se diante dela, tirando suavemente o pote de creme de seus dedos trêmulos. "Viras-te."
O comando foi suave, mas inquestionável. Para sua surpresa, ela obedeceu, girando lentamente para lhe oferecer as costas. Seus dedos, largos, fortes e habilidosos com a espada, encontraram a tensão em seus ombros. Ele espalhou o creme frio sobre sua pele, e ela estremeceu sob seu toque, um arrepio percorrendo sua espinha. Suas mãos trabalharam a musculatura tensa, inicialmente com uma pressão terapêutica, mas logo o movimento se tornou mais lento, mais intencional. Seus polegares se aprofundaram nos músculos ao lado de sua coluna, e seus dedos se espalharam, escorregando para baixo, quase até a cintura do robe.
Ela soltou um gemido baixo e involuntário quando seus dedos encontraram o ponto certo de tensão na base de seu pescoço. O som pareceu ecoar no quarto silencioso.
"Você não precisa fazer isso sozinha", ele sussurrou, sua voz um rosnado próximo de seu ouvido. Seu hálito quente fez com que ela estremesse novamente. "Nenhum de nós precisa."
Suas mãos pararam de massagear. Uma delas desceu para sua cintura, puxando-a para trás contra seu corpo firme, enquanto a outra permaneceu em seu ombro, seu polegar fazendo círculos hipnóticos em sua nuca.
"Fica comigo esta noite", ele pediu, mas soou como uma ordem. Um convite carregado de promessas não ditas. "Aquece-me. Deixa-me aquecer-te."
O ar entre eles pareceu parar, pesado com o perfume do jasmim e o calor que emanava de seus corpos. A guerra interna era visível em seus olhos, refletidos em um espelho próximo. A viúva virtuosa contra a mulher solitária.
Então, com um suspiro que parecia carregar o peso de anos de solidão e negação, seus ombros afundaram. Ela cedeu. Um aceno quase imperceptível, seu corpo relaxando contra o dele em rendição silenciosa.
Era tudo o que ele precisava.
A princípio, ficaram de costas um para o outro, rígidos como tábuas, cada um hiperconsciente do calor do corpo do outro sob os lençóis. O nervosismo era quase palpável.
Mas então, num movimento ousado que surpreendeu até a si mesmo, Yue Yang rolou para enfrentá-la. No escuro, ele pôde ver o brilho de seus olhos observando-o. Lentamente, sem quebrar o contato visual, seu braço deslizou por sobre sua cintura, puxando-a para mais perto.
Ela não resistiu. Pelo contrário, um pequeno suspiro escapou de seus lábios quando suas costas se encaixaram perfeitamente contra seu peito. A "conchinha" não era inocente; era íntima, possessiva. A curva de suas nádegas se encaixou contra sua virilha, e ele não fez nenhum esforço para disfarçar a resposta firme e instantânea de seu corpo ao contato.
Sua mão, que repousava em seu estômago, começou a se mover com vontade própria. Deslizou para cima, sobre a seda fina de seu camisola, até que sua palma encontrou a curva cheia e pesada de seu seio. Ele parou, sentindo a ponta dura ninar contra sua palma através do tecido, sentindo a respiração dela falhar.
"Não...", ela sussurrou, mas era um protesto fraco, sem convicção.
"Somente isto", ele murmurou em seu ouvido, sua voz um rosnado baixo. "Apenas para sabermos que o outro está aqui."
Ele não fez mais nada naquela noite. Apenas manteve a mão lá, moldando-se à sua forma, sentindo seu coração bater acelerado contra sua palma. Foi ao mesmo tempo uma conquista e uma tortura.
Na quietude daquela noite, outro detalhe tornou-se impossível de ignorar. Enquanto ele a segurava na conchinha, a firme e inconfundível pressão de sua ereção encaixou-se contra as curvas de suas nádegas, mesmo através das camadas de tecido. Era imensa, uma vara rígida e quente que parecia mais grossa e longa do que qualquer lembrança que ela pudesse ter de seu falecido marido.
Um pequeno choque percorreu sua espinha, seguido por uma onda de calor úmido e vergonhoso que a inundou completamente. Ele não se moveu, não pressionou, mas a simples presença daquilo, a escala implícita do seu desejo por ela, era uma afirmação silenciosa e avassaladora. Ela prendeu a respiração, cada músculo de seu corpo tenso, hiperconsciente do poder latente que repousava contra ela. Ambos permaneceram perfeitamente imóveis, nenhum deles ousando quebrar o frágil equilíbrio não dito que os mantinha na beira do precipício. Era um segredo compartilhado na escuridão, um fogo que eles alimentavam mas não ousavam apagar.
E assim foi. Na noite seguinte, ele voltou. E na outra. A "conchinha" tornou-se seu ritual não dito. Sua mão sempre encontrava seu seio, e ela sempre parava de protestar um pouco mais cedo. Às vezes, em seu sono, ela se virava para enfrentá-lo, e seu rosto se enterrava no pescoço dele, seus corpos se entrelaçando de uma maneira que deixava pouco à imaginação.
Às vezes, em seu sono, ela se virava para enfrentá-lo, e seu rosto se enterrava no pescoço dele, seus corpos se entrelaçando de uma maneira que deixava pouco à imaginação. Numa dessas noites, envolta pelo calor e pela segurança que emanavam dele, algo dentro dela se desprendeu. Semi-desperta, embalada pelo ritmo calmante de sua respiração e pelo cheiro masculino que agora era um bálsamo para sua alma, seus lábios encontraram a pele quente de seu pescoço.
Não foi um beijo de paixão animal, mas algo mais suave, mais terno. Uma série de pequenos beijos quase imperceptíveis, como se ela estivesse provando uma realidade há muito perdida.
E então, uma verdade cristalina surgiu em sua mente, clara e inegável como a luz da manhã: Eu o amo.
Não era o amor protetor de uma tia por seu sobrinho. Era o amor de uma mulher por um homem. Um amor que doía de tão intenso, que a assustava com sua pureza proibida. Era um sentimento que havia crescido nas sombras de sua solidão, nutrido por cada toque furtivo, cada olhar carregado, e que agora florescia plenamente naquela cama compartilhada.
Um suspiro trêmulo escapou de seus lábios contra sua pele, e ela se apertou ainda mais contra ele, como se pudesse fundir-se à sua própria carne, buscando abrigo e, ao mesmo tempo, oferecendo toda a si mesma naquele simples, silencioso e devastadoramente honesto ato de afeto. Pela primeira vez em anos, seu coração não pertencia à memória de um fantasma ou aos deveres de uma família. Ele batia forte e exclusivamente por ele.
Eles não falavam sobre isso durante o dia. Mas à noite, naquela cama, as barreiras de tia e sobrinho desmoronavam, deixando para trás apenas um homem e uma mulher, buscando calor e conforto nos braços um do outro de uma forma que ambos sabiam ser proibida, mas da qual nenhum dos dois tinha mais força para desistir. A solidão dela e a atração dele eram uma combinação muito poderosa.
***
Depois que as mudanças corporais finalmente acabaram. Por dentro, ele sabia a verdade. Seus músculos não incharam, mas ficaram mais densos, mais definidos, cheios de um poder latente que não era aparente. Seu abdômen ficou tanquinho, sem um pingo de gordura. Era a perfeição física chegando com o domínio do [Qi da Espada Invisível]. Ele via a mudança no espelho, toda vez que tomava banho.
Duas semanas depois de abrir o primeiro meridiano, a missão estava quase completa. Onze canais de energia estavam conectados. Só faltava um. O último passo para ele se tornar um verdadeiro Inato.
Enquanto a maioria dos Invocadores mais talentosos levava cem anos para chegar lá, ele tinha feito isso em um mês. Nessa altura, a Técnica da Lança da Família Yue, que todo mundo achava incrível, parecia matéria de ensino fundamental para ele. Qualquer outra habilidade normal era nível jardim de infância.
Isso só deixava ele mais curioso sobre a Deusa da Espada. Quem diabos era ela? Onde ela se encaixa neste mundo?
Na véspera de Yue Bing voltar para a escola, ela foi se despedir no quarto dele, o crepúsculo pintando o céu de laranja e roxo.
"Primo, eu vou embora amanhã. Você já domina o básico da invocação, entraria direto no segundo ano. Mas...", ela suspirou, seus dedos brincando nervosamente com a ponta do véu. "...sinto muito que você ainda não conseguiu invocar sua Besta Guardiã 'Névoa'. Foca nisso, é o mais importante. Para de invocar a Flor Espinhosa. Compra uma besta melhor com o seu ouro. Um Lobo do Vento, um Leão Flamejante, um Pássaro do Trovão..."
Yue Yang ouviu, seu rosto uma máscara neutra. Por dentro, no entanto, uma parte dele queria rir. *Se ela soubesse. Se ela soubesse que minha Besta Guardiã não é 'Névoa', mas a Sombra Fantasma, que é dez vezes melhor. Que eu posso invocar dez sombras por dez dias cada uma, e fundi-las para um aumento de poder de 50%.* Sequer preciso de um Lobo do Vento.
"Ah, se aquela maldita Pílula do Despertar não tivesse sido roubada...", a voz de Yue Bing cortou seus pensamentos, carregada de uma amargura rara nela. "Daqui seis meses, no Torneio do Clã, eu... eu não vou ter piedade deles. Senão o Avô e os anciãos vão continuar nos desprezando..."
Ela falava com raiva contida, e Yue Yang pôde ver no olhar dela o reflexo do mesmo desprezo que ela sofria por ser mulher e viúva – uma dor que ele conhecia bem, mesmo que por proxy.
Ele não disse nada. Em vez disso, ergueu a mão e acariciou suavemente sua cabeça, um gesto que era ao mesmo tempo de consolo e de despedida. As palavras eram muito arriscadas. O silêncio era sua armadura.
Seu foco agora era um só, ele lembrou a si mesmo, sua determinação interior endurecendo como aço: finalizar aquele último canal de energia. Nada mais importava. O Reino Inato estava a um passo. O poder que vinha com ele colocaria todos aqueles lobos e pássaros no chinelo. Toda a humilhação, todo o desdém que Si Niang e Yue Bing sofreram... tudo seria respondido não com palavras, mas com poder puro.
E ele ia dar esse passo.
Yue Bing pareceu ler a resoluta quietude em seus olhos. Ela suspirou mais uma vez, um som de resignação e de uma tristeza profunda, antes de se virar para sair.
Yue Yang a observou ir, sua silhueta desaparecendo no corredor escuro. Sua mão, que moments antes a acariciara, fechou-se lentamente em um punho. O tempo de jogar de acordo com as regras deles estava chegando ao fim.