No meu segundo dia no castelo, acordo em uma bela manhã, com o ar fresco entrando pela enorme janela que dava para um imenso jardim. Claro que eu poderia contar essa parte como algo digno de contos de fadas... se não fosse, mais uma vez, o peso da Jade sobre mim.
Por algum motivo, durante minha primeira noite neste quarto, Jade fez questão de, toda hora, ficar por cima de mim justo quando eu estava prestes a cair no sono. Sem exceção, eu acordava no meio da noite com ela me encarando, sempre com aquele olhar preocupado — o que, sinceramente, era assustador.
E, claro, todas as vezes eu levava um baita susto e acabava gritando. Ela, por sua vez, também se assustava e gritava de volta. Uma sinfonia de gritos madrugada adentro. Cena digna de um filme de terror trash.
Pulando a parte do que aconteceu de manhã, agora estou sentada em uma imensa mesa que parece ter sido feita para, sei lá... umas seiscentas pessoas? Tá, talvez seja um exagero da minha parte — mas não seria se você visse a quantidade de meninas de todas as matilhas reunidas aqui, no mesmo salão.
Era apenas o café da manhã, mas o ambiente já parecia uma espécie de desfile de moda misturado com uma reunião diplomática. Jade estava sentada ao meu lado, de forma absurdamente elegante, esperando com paciência enquanto a comida ainda não chegava.
“A paciência é uma grande virtude”, foi o que ela me disse mais cedo. Palavras dela, não minhas — eu só estou repetindo. Porque, sinceramente? Virtude ou não, eu já estava pronta pra mastigar a mesa se a comida demorasse mais cinco minutos.
O mais engraçado é que todas as meninas estavam super maquiadas. E quando eu digo super, é super mesmo — algumas pareciam até versões femininas do Bozo, com tanta base e batom que dava pra ver o reboco de longe. Outras usavam algo mais leve, quase natural. E, claro, havia aquelas que não precisavam de nada disso.
Jade se encaixava perfeitamente nesse último grupo: pele impecável, zero maquiagem, e ainda assim parecia saída de um comercial de skincare mágico. Injustiça pouca é bobagem.
Eu até ficava com inveja da Jade — aquela criatura celestial que não precisava de maquiagem nenhuma. Já eu? Bom... eu acordava, jogava uma água na cara e pronto: já me sentia a mulher mais bonita da face da Terra. Me auto-intitulava a mais bela de todas, até mais do que a própria rainha.
Claro, isso tudo dentro da minha própria cabeça, né? Porque se eu parasse pra pensar um pouquinho, ia perceber que eu estava completamente fora de órbita.
Foi nesse devaneio narcisista que tomei um baita susto.
As enormes portas de madeira se abriram com um baque tão alto que me fez pular da cadeira — literalmente. Minha visão se fixou automaticamente na pessoa que acabara de entrar no salão: Rainha Elisabete Lukaine.
E lá estava eu, pela segunda vez, com a boca aberta em um perfeito “O”.
Ela entrou com passos largos e firmes, fazendo aquele som de salto alto que só ouvimos em cenas de filme, quando a mulher é poderosa, rica e dona de tudo — e, honestamente, era exatamente isso que ela parecia. Uma verdadeira rainha em cada detalhe.
Assim como o filho, a rainha tinha longos cabelos ruivos ondulados que iam até a cintura. Seus olhos eram de um azul claro como o céu, e a pele branca parecia quase brilhar sob a luz do salão. Ela usava um batom vermelho que realçava suas feições delicadas, mas ainda assim fortes — tipo o equilíbrio perfeito entre elegância e poder.
Vestia um deslumbrante vestido vermelho escuro, adornado com belíssimas joias de safira que pareciam ter sido escolhidas a dedo para combinar com sua presença quase divina.
Ela passou atrás de nós, imponente, seguida de perto por Eddina — sua dama de companhia —, que, pelo que eu sabia, a acompanhava por praticamente todo o castelo
Então a Rainha se senta na ponta da mesa, cruzando as pernas com toda a elegância do mundo e com um ar de pura seriedade. O silêncio que se segue é quase sufocante. Todo mundo se entreolha, como se estivessem tentando adivinhar quem seria a primeira a abrir a boca — o que, claro, ninguém teve coragem de fazer.
Foi só então que Eddina finalmente se pronunciou. Com seus longos cabelos brancos e olhos pretos profundos, ela tinha uma beleza única, quase etérea. Usava um vestido azul escuro que realçava suas curvas de um jeito discreto, mas poderoso.
— Olá, senhoritas de todas as matilhas. Sejam bem-vindas — disse ela, com uma voz firme, mas sem qualquer expressão no rosto.
— Sou Eddina Nastácis— continuou, curvando-se levemente como sinal de apresentação.
A maioria das garotas respondeu com uma leve inclinação de cabeça, em silêncio absoluto, como se estivessem hipnotizadas. Eddina então se sentou ao lado da Rainha, também na ponta da mesa.
O silêncio permaneceu. Era tão denso que dava pra ouvir a respiração de cada pessoa na sala.
Então, de repente, a Rainha bateu as palmas com força.
Todos os olhares se voltaram imediatamente para ela.
E antes que eu pudesse entender o que estava prestes a acontecer, as portas se abriram com tudo — com tanta força que, juro por tudo, meu pescoço quase virou 360 graus de tão rápido que eu me virei pra olhar.
Todos os servos do castelo entraram em perfeita formação, caminhando em fileiras organizadas. Cada um vestia roupas elegantes em tons de branco e preto, como se estivessem prestes a participar de um desfile de etiqueta.
Cada servo empurrava um carrinho, e em cima de cada um havia uma bandeja com algo que cheirava simplesmente divino. Aquele aroma me fez lembrar que eu ainda não tinha comido absolutamente nada desde ontem — e meu estômago já estava quase fazendo uma serenata.
Assim que todos os pratos foram colocados cuidadosamente sobre a mesa, a Rainha finalmente se pronunciou:
— Sirvam-se — disse ela, com um sorriso elegante estampado no rosto, lançando um breve olhar para cada uma de nós.
Foi como se o feitiço do silêncio fosse quebrado. Todas as garotas começaram a se servir imediatamente — até mesmo eu, que já estava pronta para atacar o prato com uma fome ancestral.
Mas justo quando eu estava prestes a dar minha primeira garfada, a voz da Rainha ecoa novamente pelo salão:
— Eu sei que pode parecer repentino da minha parte... — começou ela, com a voz calma e levemente inquisitiva. — Mas soube que uma de vocês...
Ela nos lançou um olhar intenso, percorrendo cada rosto como se pudesse ler nossos pensamentos.
— ...tentou invadir o quarto do meu filho ontem à noite.
Congelamos.
Eu, por instinto, olhei ao redor tentando adivinhar quem foi a gênio da audácia. Claro que não descobri nada. Mas só de ouvir aquilo, mordi os lábios com força, segurando uma vontade enorme de rir. A fofoca era boa demais — e vinda da Rainha? Melhor ainda.
Mesmo assim, me controlei. Apenas abaixei a cabeça e comecei a comer... em silêncio.
Mas por dentro, meus pensamentos estavam fazendo uma verdadeira festa.
Nenhuma garota teve a cara de pau de se pronunciar. Provavelmente todas estavam morrendo de medo de levar uma bronca da Rainha ou, pior, serem expulsas do castelo na primeira oportunidade.
Olho de canto e vejo algumas meninas segurando risadinhas, enquanto outras mandavam discretamente as amigas calarem a boca. Foi aí que um sorriso travesso surgiu no meu rosto — e, como sempre, percebi que o meu espírito caótico estava prestes a se manifestar.
— Com licença, Vossa Alteza — digo, levantando a mão com toda a teatralidade que consegui reunir.
A Rainha me encara. Seu olhar me dá permissão silenciosa para continuar.
— Como Vossa Alteza mencionou... — continuo, me levantando da cadeira com calma e elegância (porque agora era tudo sobre o drama) — ...acho que sei quem pode ser a suspeita.
Dou alguns passos para trás, contornando a imensa mesa até parar exatamente atrás de três garotas sentadas lado a lado. Me aproximo com um sorriso maníaco nos lábios e encosto levemente nos ombros das três, que se enrijecem na hora.
— Vocês. Especificamente você — digo, apontando para a do meio, que me lança um olhar furioso, mas continua calada.
— Você foi a menina que tentou entrar no quarto do príncipe ontem à noite? — inclino a cabeça com curiosidade, fingindo inocência enquanto observo cada microexpressão no rosto dela.
A garota que estava no meio me encarou como se fosse me matar ali mesmo, com os olhos semicerrados e o maxilar travado. Mas continuou calada. Um silêncio desconfortável se instalou. As duas meninas ao lado dela trocaram olhares rápidos, nervosos, mas também não disseram uma única palavra.
— Ué? Ficou muda agora? — arqueio uma sobrancelha, mantendo meu sorriso intacto. — Que estranho… geralmente quem não deve, não teme.
As outras garotas à mesa estavam em completo estado de choque. Algumas com as bocas entreabertas, outras tentando esconder o riso com as mãos, como se estivessem assistindo a uma cena de novela de luxo.
A garota do meio — loira, pele dourada e olhos castanhos escuros — finalmente levanta o queixo com uma arrogância afiada.
— Você está delirando — disse ela, com a voz firme, mas visivelmente irritada. — Não ouse me acusar sem provas, garota.
— Garota? — repito, colocando uma mão no peito, fingindo estar ofendida. — Nossa, que formalidade. E eu aqui, tentando ajudar na investigação real...
Dou um passo para o lado, afastando-me lentamente.
— Mas tudo bem, não estou dizendo que foi você. Só estou dizendo que talvez pareça que foi você. Mas quem sou eu, né? Só uma simples espectadora dos acontecimentos.
Dou de ombros e volto lentamente para o meu lugar, sem tirar o sorriso do rosto. Antes de me sentar, lanço um último olhar à Rainha.
— Me desculpe pela ousadia, Vossa Alteza. Apenas pensei que a verdade não costuma se esconder por muito tempo.
A Rainha não disse uma palavra. Apenas me observou atentamente, apoiando o queixo sobre os dedos cruzados, com um brilho pensativo nos olhos. Havia algo naquele olhar que me dizia que ela estava gostando do meu teatro — ou pelo menos entretida.
A menina loira bufou, cruzando os braços e se afundando na cadeira como se aquilo tivesse ferido o ego dela. O salão voltou ao silêncio tenso por alguns segundos... até que finalmente os talheres voltaram a tilintar contra os pratos.
Mas uma coisa era certa: aquela mesa tinha acabado de ganhar um novo nível de guerra fria.
Enquanto mastigo minha comida lentamente, tentando ignorar os olhares que começam a se voltar para mim — uns de admiração, outros de puro ódio — percebo que aquela menina loira do meio ainda não tirou os olhos de mim. Sério, parecia que queria me incinerar com o olhar.
Mas, sinceramente? Que tente. Eu até agradeço por me dar um motivo.
A Rainha, por sua vez, recosta-se na cadeira, cruzando as pernas com elegância, enquanto tamborila os dedos na lateral do trono como se estivesse ponderando algo. Então ela fala, com a voz suave, porém firme o suficiente para silenciar qualquer burburinho que ainda restava no salão:
— Corajosa. — Ela me olha diretamente. — E ousada também.
Engulo o pedaço de pão que estava mastigando com certa dificuldade, porque né... elogio vindo da rainha não é qualquer coisa. Ainda mais de uma mulher que parece conseguir te decapitar só com um olhar.
— Agradeço, Vossa Alteza — respondo com um leve aceno de cabeça, tentando não parecer tão metida, mas também não muito submissa. Um meio-termo digno de uma sobrevivente.
— Mas cuidado — ela completa, sem mudar o tom. — Às vezes, apontar o dedo para a pessoa errada pode virar o jogo contra você.
É. Frio na barriga ativado com sucesso.
Eu apenas sorrio, sem graça, e volto a encarar meu prato como se fosse a coisa mais interessante do mundo. Senti que, por um segundo, a Rainha me testou. E, sinceramente, eu não faço ideia se passei ou não.
A garota loira, claro, se aproveita do comentário e solta um risinho debochado, achando que saiu por cima. Mas o que ela não sabe é que eu não funciono com derrotas. Eu só recuo pra pensar melhor na próxima jogada.
E por dentro, meus pensamentos já fervem com possibilidades. Quem realmente entrou no quarto do príncipe? Por que alguém faria isso? Só por fama? Por interesse? Ou tem algo a mais por trás disso?
Eu olho em volta e vejo que todas voltaram à sua postura de "meninas comportadas", como se a tensão tivesse evaporado com a chegada da comida. Mas eu sei que nada foi resolvido. Algo naquele castelo está estranho desde o primeiro dia. Desde aquele olhar do príncipe. Desde o momento em que pisei aqui.
E a verdade? A verdade sempre dá um jeito de aparecer.
Principalmente quando eu tô envolvida.
Ou quando, justamente, eu estou quieta na minha, tentando comer em paz, sempre aparece alguma vadia querendo arrumar confusão — e justo agora, com essa história de quem invadiu o quarto do príncipe.
Antes que eu mesma possa jogar mais lenha na fogueira, Jade, que até então estava ao meu lado vermelha feito um tomate maduro, finalmente se pronuncia com a cabeça baixa, quase sussurrando:
— Fui eu que entrei ontem no quarto do príncipe... sem querer.
Aquilo cai como uma bomba. Vinda de qualquer outra, talvez eu soltasse uma risada debochada ou fizesse piada. Mas vindo da Jade?
Eu me viro completamente pra ela, chocada, encaro aquele rostinho de anjo sem saber se estava mais surpresa pela coragem ou pela burrice. Jade continua, quase num fio de voz:
— Eu pensei que era o banheiro...
Foi aí que não aguentei. Engasguei na hora com a comida que tinha acabado de enfiar na boca. Minha garganta parecia não saber se ria ou pedia socorro. Eu tentando me manter séria e digna... e Jade ali, soltando uma pérola dessas na frente da rainha!
Até a rainha, que até então mantinha a postura séria e controlada, soltou uma risada sincera. Riu de verdade. Uma risada elegante, mas ainda assim, uma risada. O ar na sala pareceu finalmente mudar. Como se todo mundo respirasse aliviado ao mesmo tempo.
E foi assim que o café da manhã terminou: com a Jade admitindo que invadiu o quarto real por engano, achando que era o banheiro — e a rainha rindo como se estivesse numa comédia da corte.
Mas, claro, nada fica perfeito por muito tempo. Assim que a rainha saiu do salão, e aquele ar mais leve se instaurou, eu já senti os olhares. As meninas se viraram todas pra mim, com aquelas expressões de quem quer me esganar por ter acendido a fogueira no meio do teatro real.
Elas estavam prontas pra pular em cima de mim.
Mas eu? Me levantei com a cara mais lavada do mundo. Saí da mesa como se nada tivesse acontecido, os ombros eretos, o sorriso debochado no rosto, e aquela sensação gostosa de missão cumprida no peito. Porque no fim, eu não apontei pra pessoa errada.
Ela mesma se entregou.
E eu? Só fiz o favor de abrir o palco.