Depois de sair da biblioteca — ou melhor dizendo, ser expulsa pela própria bibliotecária — eu, no fim, consegui pegar o livro e escondê-lo dentro da bainha do meu vestido. Não me pergunte como eu fiz isso, eu só sei que consegui enfiar esse bendito livro lá dentro.
Segui a passos apressados pelo longo corredor do castelo. Cada vez que passo por esses corredores, é uma preguiça atrás da outra para conseguir achar um caminho. Como eu quase não vejo ninguém no castelo — nem empregados, nem as meninas da matilha, algum guarda ou até mesmo as majestades — parece que só eu estou aqui como uma alma viva. Talvez…
Como sempre, mordi meu lábio — sinal claro de que estou bastante ansiosa. Sempre sinto que alguma coisa pode acontecer de diferente. Quando acontece, ou é comigo ou com alguém que está sempre ao meu lado. Mas isso costuma ocorrer em ocasiões raras.
Só que, naquele dia… bem de noite… eu sentia que algo estava prestes a acontecer. Dito e feito: acabei esbarrando com o príncipe Cameron bem no corredor.
A imponência física do príncipe era mil vezes pior do que a do guarda Castiel LaNobre, quando dei de cara com ele no meu primeiro dia aqui no castelo, estava como sempre no mundo da lua. Mas desta vez foi diferente. Eu estava apressada para voltar ao quarto e, como vocês mesmos sabem, queridos leitores, o universo nunca esteve ao meu favor quando se trata de sorte.
Dei uma bela narigada no peitoral musculoso do príncipe e caí de bunda no chão. Claro, antes de cair, tive aquela sensação de que tudo ao meu redor estava em câmera lenta — igual nas séries de dorama, quando você encontra o “amor verdadeiro”. Só que, no meu caso, era exatamente o oposto.
Minha cara, que parecia dizer “estou encantada pelo príncipe”, só fez com que ele me olhasse surpreso… e pronto, lá fui eu despencar como um pedaço de merda no chão. Fiquei espatifada lindamente, toda descabelada.
Atordoada por alguns segundos, minha única reação foi enfiar a mão no nariz, que latejava de dor. Diferente da primeira vez que bati de frente com o guarda Castiel — quando não caí para trás graças ao Oliver —, desta vez não havia ninguém para me salvar da minha grande queda dramática.
Sorte a minha que não caí de cara, evitando um beijo constrangedor no chão, mas sim de bunda… que, convenhamos, ficaria dolorida assim que eu me levantasse.
Levantei meu olhar para o príncipe, que ainda me observava em absoluto silêncio. Eu não tinha a menor ideia do que ele estava pensando — e, vamos falar bem a verdade aqui, já era impossível prever o que o príncipe faria. Nunca cheguei a pensar de fato em que tipo de personalidade ele teria… mas agora, caída no chão com a mão no nariz, eu podia prestar mais atenção nele.
Até o momento, ele não se deu ao trabalho de ser minimamente gentil e me ajudar a levantar. Pelo contrário: reagiu de forma totalmente oposta. Riu de mim.
Observo o mesmo cruzar seus braços, me olhando de forma intensa. Uma de suas mãos repousava sobre aquela boca carnuda — que, convenhamos, era deliciosa só de olhar da minha posição. Com a luva, ele fez uma pose absurdamente sexy. E então… sorriu. Um sorriso descarado, como se soubesse exatamente o efeito que causava.
Então, apenas me levantei, limpando meu vestido, quando senti que o livro — antes escondido na bainha — havia caído no chão. Sorte a minha que o vestido era no estilo debutante, com saia farta, e o objeto ficou logo abaixo dos meus pés, oculto.
O problema? Eu não podia me mexer com o príncipe parado bem na minha frente… e, ao mesmo tempo, não podia simplesmente sair dali, mesmo que ele me ordenasse. Um arrepio percorreu minha espinha só de imaginar.
— Então? — disse o príncipe, com aquela voz rouca.
— Então o quê? — retruquei, sem me dar ao trabalho de olhar para ele.
— Então… vai continuar me ignorando? — ele perguntou, e pude sentir o peso do olhar atravessando a minha nuca.
— Não estou te ignorando, só estou… preservando minha sanidade — respondi, finalmente erguendo os olhos para ele.
O príncipe inclinou a cabeça, como se analisasse cada movimento meu. Seu sorriso aumentou, e aquilo me deixou ainda mais desconfortável… ou irritada. Difícil decidir.
— Você tem uma maneira… única de se apresentar, senhorita Addans — disse ele, arrastando as palavras, como se estivesse se divertindo com a situação.
— Pois é… e você tem uma maneira única de não ajudar as pessoas quando elas estão caídas no chão — retruquei.
Ele soltou uma risada baixa. E, para piorar minha situação, deu um passo à frente. Eu, automaticamente, recuei um, tentando não pisar no maldito livro debaixo do meu vestido.
O pior é que ele percebeu meu movimento.
— Está escondendo alguma coisa, Senhorita Celestia? — perguntou, arqueando uma sobrancelha.
“Merda.”
— Escondendo? Eu? — forcei um riso, tentando parecer natural. — Claro que não. Estou apenas… cuidando do meu espaço pessoal.
Ele não respondeu de imediato. Apenas me olhou de cima a baixo, como se quisesse atravessar cada camada do meu vestido com os olhos. A tensão no ar ficou tão densa que, por um momento, até o som dos meus batimentos parecia alto demais.
— Estranho… — murmurou, dando mais um passo. — Você recua toda vez que eu chego perto.
— Talvez porque eu não goste de pessoas invadindo meu espaço — rebati, sentindo minhas costas encostarem na parede do corredor.
O príncipe parou a centímetros de mim. Pude sentir o calor que emanava dele, e aquilo me deixou desconfortável… ou nervosa… ou talvez os dois.
— Ou talvez… — ele inclinou levemente a cabeça, o olhar descendo até a barra volumosa do meu vestido — …porque tem algo aí embaixo que não quer que eu veja.
Engoli seco. Ele estava perigosamente perto de descobrir o livro. E se isso acontecesse, eu não teria desculpa convincente o bastante para inventar.
Meu único pensamento foi: Preciso dar um jeito de sair daqui. Agora.
O príncipe se aproximou ainda mais de mim, e eu já sentia que agora ia me foder de verdade. Quando tudo parecia perdido, uma luz de esperança surgiu no fim do túnel: o guarda Castiel LaNobre apareceu logo atrás do príncipe, chamando:
— Vossa Alteza!
O príncipe permaneceu parado à minha frente, enquanto Castiel franziu o cenho, claramente sem entender por que ele estava me encurralando de forma tão próxima. Apenas levantou uma das sobrancelhas, mantendo a postura impecável de guarda.
— Vossa Alteza, a vossa excelência deseja sua presença na sala do trono — anunciou Castiel, firme.
— Meu pai? — perguntou o príncipe, com a voz cansada, se virando para o guarda.
— Diga a ele que estarei lá — respondeu, colocando ambas as mãos atrás das costas, mantendo a compostura.
Castiel manteve-se rígido, batendo o pé no chão, como um lembrete de disciplina:
— Vossa Alteza, ele deseja sua presença imediatamente.
Observei o príncipe revirar os olhos e colocar a mão na face, apertando levemente os olhos, apenas acenando com a cabeça em silêncio. Antes que eu pudesse respirar aliviada, ele virou a cabeça lentamente em minha direção, com um olhar que lembrava aquelas bonecas possuídas, e disse:
— Isso ainda não terminou, senhorita. Nossa pequena conversa.
Ele afirmou isso com um sorriso de canto, antes de se virar novamente e sair a passos pesados.
O guarda que ficou para trás se virou em minha direção e comentou:
— Se eu fosse você, ficaria com os olhos bem abertos.
Castiel falou como um aviso e logo foi atrás do príncipe pelo corredor. E eu? Bem… fiquei com uma cara de bunda enorme, peguei o livro do chão e saí correndo daquele corredor, com medo de que outra pessoa aparecesse e me surpreendesse de forma evasiva. Meu coração batia acelerado, martelando nos ouvidos, enquanto a adrenalina me empurrava para frente. A cada esquina, temia encontrar alguém — qualquer pessoa — que pudesse me surpreender e me colocar em outra situação constrangedora.
Mas naquele momento, só havia eu, o livro em minhas mãos e o corredor vazio à minha frente. Por hoje, sobrevivi. E, por mais que soubesse que a “pequena conversa” com o príncipe Cameron Lukaine ainda não tinha acabado, ao menos por alguns instantes eu podia sentir que tinha escapado ou Por hoje, tudo o que eu podia fazer era fugir…