Ficool

Chapter 3 - Capítulo 3 – Incertezas

Logo após eu bater em Eike ao sair do escritório do meu pai, continuei andando pelos corredores, imersa nos meus próprios pensamentos em conflito. A raiva borbulhava dentro de mim — raiva do meu pai por me enviar para o Norte, onde fica o território do rei "Noite Estrelada".

Durante o trajeto, pensei em mil formas de confrontá-lo, xingá-lo, talvez até desafiá-lo ali mesmo... mas a verdade era clara. Eu sabia que jamais ganharia uma luta contra ele. Meu pai está vivo há milhares de anos — um monstro poderoso — e eu, apesar de ter 500 anos, ainda era apenas uma loba tentando encontrar seu lugar.

Além disso, com quem eu poderia contar? Em quem confiar? Naquele território, todos já sabiam o segredo que meu pai esconde. Ainda assim, ninguém teve coragem de desafiá-lo. Aqueles que ousaram... sumiram. Expulsos da matilha ou mortos pelas próprias mãos do alfa.

Exceto eu. A única exceção. A filha dele. Sangue do sangue daquele maldito cujas veias também correm em mim.

O pensamento me fez parar de forma brusca no meio do corredor. Com raiva, cerrei os punhos e acertei a parede com força. Um pequeno buraco se formou no impacto, e logo senti uma gota de sangue escorrer até pingar no chão.

Fiquei ali, parada, observando o sangue. Respirando de forma irregular. A raiva me corroía por dentro, mas eu sabia que ela não me levaria a lugar nenhum. Nada mudaria se eu me deixasse consumir por ela.

Respirei fundo, tentando controlar o calor que queimava dentro de mim, e continuei andando. Um passo de cada vez. Silenciosa. Sozinha.

Cheguei ao meu quarto e abri a porta com um único chute. A força foi tanta que a coitada da porta — que não tinha culpa de nada — acabou caindo no chão com um estrondo tão alto que fui obrigada a tampar os ouvidos. Como já era de se esperar, alguns guardas apareceram no mesmo instante, achando que se tratava de uma invasão.

Quando perceberam que não havia nada de errado, um dos guardas se aproximou de mim com um ar de superioridade e disse:

— Desculpe, senhorita, mas poderia, por gentileza, parar de fazer essas besteiras?

Ele disse isso com um sorriso entre os dentes, claramente achando que estava sendo esperto. Notei que era um novato que tinha acabado de entrar para a guarda. Meu olhar desviou rapidamente para os outros guardas, e, como esperado, nenhum deles teve coragem de me encarar. Afinal, a maioria me conhecia desde que eu era bebê.

Abri um sorriso amplo, percebendo que ninguém havia contado ao pobre coitado como as coisas realmente funcionavam por ali. Então, decidi ensiná-lo eu mesma.

— E você seria...? — perguntei, colocando uma mão na cintura.

Sempre que eu colocava a mão na cintura, era um sinal claro de que "eu" estava prestes a fazer uma bela cagada.

Então, o pobre guarda fala seu nome, mas, sinceramente, aquilo "entrou por um ouvido e saiu pelo outro". Ele não vai ter importância nenhuma na minha história, então não via sentido em guardar o nome dele.

Foi aí que decidi fazer o inesperado: acertei um belo chute bem no meio das pernas dele. O coitado arregalou os olhos em choque e caiu de joelhos, gemendo de dor e segurando seu… jubileu. Alguns guardas assistiram à cena com expressão de pura pena, enquanto outros tentavam — sem sucesso — conter o riso. Patéticos.

Depois de me divertir com a humilhação dele, deixei um recado bem claro:

— Na próxima, não serei tão gentil assim.

Fiz um gesto com a mão, em forma de tesoura, deixando explícito o que faria com o "jubileu" dele, caso ele resolvesse bancar o arrogante de novo na minha frente.

Com um olhar breve, mas carregado de aviso, lancei um alerta aos outros guardas que ainda estavam paralisados. Eles se arrepiaram e, sem dizer uma palavra, puxaram o novato para longe como se ele fosse um saco de batatas — e sem nenhuma gentileza, é claro.

Meu dia passou tranquilamente até a manhã seguinte. Claro que não vou contar o que aconteceu à noite — no máximo, jantei com o idiota do meu pai e tivemos uma bela briga. Depois disso, saí da sala de jantar com Eike logo atrás, onde tive uma bela discussão com Eike e, mais uma vez, dei uma joelhada no tornozelo dele.

Voltei para meu quarto, que ainda estava com a porta toda arrebentada, e tomei um banho para tentar descansar para o dia seguinte. Afinal, nem o infeliz do meu pai falou a que horas a carruagem chegaria, para eu acordar o mais cedo possível.

Na manhã seguinte, acordei assustada com batidas fortes na porta do meu quarto. Levantei, ainda tonta, e observei algumas empregadas entrarem sem cerimônia alguma.

Fiquei ali, sentada na cama, revirando os olhos ao encarar aquelas caras nojentas enquanto ainda era madrugada — umas quatro horas da manhã, talvez. Dei um grande bocejo e vi a líder das empregadas chamada Raquel.

Raquel já fora considerada uma das mulheres mais bonitas pelo próprio rei dos lobos, há milhares de anos — lá pelos tempos de dois mil anos atrás. Ela sempre teve muita raiva da minha mãe adotiva, desde que Elisa roubou o amor do meu pai, fazendo dele seu companheiro pelo resto da vida.

Por isso, Raquel fez de tudo para acabar com o casamento entre Elisa e meu pai. Quando não conseguiu, tratou de se tornar dama de companhia da minha mãe logo após o casamento dos dois.

Desde a misteriosa morte da minha mãe adotiva, eu sabia muito bem que Raquel tinha sido a responsável. Aquela sensação jamais sairia do meu peito: Raquel havia causado a morte dela. Mas não havia provas contra a mulher — ela era extremamente inteligente e orgulhosa demais para admitir qualquer coisa.

Às vezes, me pergunto: e se Elisa não tivesse se casado com meu pai naquela época, e sim Raquel? Talvez, só talvez, ela não fosse assim — tão obsessiva por um amor não correspondido. Porque a mesma história iria se repetir: a traição do meu pai com uma humana, deixando um bebê frágil — eu — na entrada da matilha "Céu Noturno".

Tenho certeza de que essa vadia faria de tudo para tornar minha vida um verdadeiro inferno, me vendo como o fruto proibido de uma traição que jamais deveria ter acontecido.

Aquela vadia da Raquel se aproximou da minha cama com seu típico olhar frio — belos olhos cor de esmeralda que, às vezes, me fazem pensar se essa mulher tem alma de demônio. Seu rosto pode até parecer de anjo, mas a alma dela é totalmente a de um verdadeiro demônio.

— Senhorita, a carruagem acabou de chegar — ela comentou, com uma voz mais fria que gelo, olhando direto para mim.

Franzi o cenho e olhei para ela com descrença.

— Como assim? — perguntei, me levantando da cama rapidamente. — Por que você não me acordou?

Senti a veia saltar na testa enquanto ficava cara a cara com Raquel, que não mudou uma única expressão. Essa demônia nunca se abalava com nada.

— Desculpe, senhorita, mas pensei que seu pai já tivesse lhe dito a que horas a carruagem chegaria — respondeu ela, com uma postura elegante e um sorriso congelado no rosto.

Pensei em retrucar, mas sabia que só perderia tempo caindo na provocação dessa demônia que não esconde o ódio que sente por mim. Afinal, eu não tinha culpa do idiota do meu pai ter se envolvido com uma humana.

— Às vezes me pergunto como você pode ser tão demônia — sussurrei, só para que ela ouvisse, me afastando em seguida e correndo para o banheiro para me arrumar o mais rápido possível.

No final, peguei a primeira roupa que vi: um belo vestido azul turquesa que desenhava minhas curvas mais promissoras. Mas, sinceramente, aquilo só me fazia parecer uma verdadeira vagabunda pedindo dinheiro na esquina.

Fiquei me observando no espelho — meu cabelo parecia um ninho de passarinho. Sabia que não daria tempo de pentear, e que nenhuma das empregadas faria questão de ajudar, afinal, eu não confiava nelas. A maioria até poderia acabar raspando meu cabelo, isso sim.

Saí correndo, descalça e toda descabelada, sem nem jogar água no rosto para esconder aquele olhar de zumbi. Ri sozinha com o pensamento de ver a cara do meu pai quando eu chegasse na entrada e ele me olhasse dos pés à cabeça, vendo o estado de mendiga em que eu estava.

E, dito e feito: cheguei na entrada e o vi conversando com um belo homem alto, pele branca, cabelos grisalhos penteados para trás, e olhos intensos, também cinzentos. Ele usava um uniforme de guarda com o emblema de um lobo estampado no peito.

Quando ele me viu, se aproximou e me olhou dos pés à cabeça, mas não disse nada. Curvou-se diante de mim e se apresentou:

— Olá, senhorita. Meu nome é Oliver Mcberht, sou o líder da primeira divisão de guardas do rei. Prazer em conhecê-la.

Ouvir aquela voz me arrepiou da cabeça aos pés. Às vezes, eu tenho uma queda por homens lindos e com voz grossa.

Então, ele pegou minha mão e beijou o dorso, me fazendo corar — e, ao mesmo tempo, me deixar... bem, vocês me entendem, caros leitores. Kekekekek.

Saio do meu estado de transe quando ouço a voz idiota do meu pai interromper meus pensamentos... obscuros, que eu estava tendo com aquele homem. Viro o olhar de puro desgosto na direção dele, que me encara com o mesmo desprezo de sempre — dos pés à cabeça. Mas, como era de se esperar, ele não diz nada diretamente. Humilhar a própria filha na frente do líder dos cavaleiros do rei? Isso com certeza mancharia a imagem de "alfa honrado" que ele tanto finge sustentar.

— Espero que você se comporte como tal — diz ele, com aquela voz falsa tentando imitar a de um verdadeiro alfa, cruzando as mãos para trás como se estivesse em um teatro mal ensaiado.

Oliver dá um passo para trás, abrindo espaço para meu pai se aproximar. E então, pela primeira vez na vida, vejo um olhar diferente vindo dele. Não era desprezo, nem raiva. Era… algo estranho. Algo que eu jamais teria esperado daquele velho maldito.

Ele coloca a mão na minha cabeça, e sussurra, baixo o bastante para só eu ouvir:

— Se cuide.

Meus olhos se arregalam em surpresa, e o encaro, incrédula. O que diabos foi isso? Era pra ser uma piada? Uma despedida? Ou um lapso de humanidade vindo daquele homem que passou a vida inteira me ignorando?

Antes que eu diga qualquer coisa, ele limpa a garganta, ajeita a postura e simplesmente se vira, indo embora.

Fico ali, parada, tentando entender o que exatamente acabou de acontecer. Um bug no sistema? Uma falha no caráter?

Até que sinto uma mão pousar no meu ombro.

— Vamos, senhorita? — diz Oliver, me chamando de volta à realidade.

Já dentro da carruagem, sabendo que levaria cerca de quatro horas até chegar ao território “Noite Estrelada”, resolvo tirar um cochilo e dormir a viagem toda. Assim que fecho os olhos, acordo assustada com uma batida na porta da carruagem. Vejo Oliver abrindo, exibindo aquele belo sorriso. Se eu não estivesse grogue de sono e ainda me recuperando do susto, com certeza estaria babando por ele — parecia o verdadeiro príncipe, mesmo sendo apenas um guarda.

Ele estende a mão e, com o maior prazer, a seguro para descer da carruagem. Ao sair, vejo diversas filhas de outros territórios vestidas como verdadeiras princesas. Faço imediatamente uma expressão de puro nojo quando sinto o cheiro de diversos perfumes doces no ar — aquilo me deixava enjoada. Levo a mão ao nariz, percebendo alguns olhares me analisando dos pés à cabeça, como se eu fosse um trapo.

Ouço risadinhas histéricas vindo de um grupo de garotas que cochichavam sobre mim. Sem pensar duas vezes, mostro o dedo do meio para todas elas. Oliver apenas observa e solta um sorriso abafado, sem sequer tentar me impedir.

Depois de um tempo, todos fomos chamados para dentro do castelo. Paro na porta e olho admirada para o imenso castelo. A decoração era tão exagerada que parecia competir com o próprio ego da nobreza. Suspiro, sem conter o pensamento:

— É aqui onde começa o caos.

E então, entro.

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