Ficool

Chapter 10 - Sangue frio, mão sujas

A cadeia de montanhas acima do cassino rangia como ossos milenares, erguendo ferrões de rocha viva. Aproximar-se significava enfrentar o véu fino entre mundos, onde ventos demoníacos traziam lamentos distantes.

Hanson subia com passos deliberados, indiferente às criaturas que estendiam garras pelas fendas, tentando arrastá-lo. Suas mãos, calejadas e marcadas, despedaçavam serpentes de pedra com a mesma facilidade que rasgava pele inimiga.

Blade aguardava montado em Noctheron, fitando o demônio com expressão impaciente.

— Você podia avisar antes que o caminho era esse inferno, — reclamou, braços cruzados.

— Reclama demais pra quem tem asas — retrucou Hanson, chutando um cadáver de serpente no precipício.

Noctheron soltou um rosnado, vapor gelado escapando pelo focinho.

— O véu aqui está rasgado. Sinto a presença do Orbe pulsando.

Blade assentiu, o lombo do dragão tremendo como um tambor ancestral.

Cena Alternada – Caos Aéreo: Blade e Noctheron 

O céu sobre o cassino ferveu em vermelho e negro conforme Noctheron alçava voo, as asas cortando as nuvens como lâminas de obsidiana. Blade mantinha-se firme na sela óssea, as mãos nos punhos das espadas duplas. O dragão urrou, cuspindo um jato de chamas negras que se espalhou como tinta viva sobre as torres.

Sentinelas demoníacas guarneciam os telhados, olhos flamejantes e lanças orgânicas em mãos. Ao verem o dragão se aproximar, dispararam projéteis perfurantes, cada lança assobiando como uma praga.

Blade inclinou o corpo, puxando a rédea esquerda. Noctheron mergulhou. As lanças passaram rente ao lombo do dragão, uma delas roçando seu flanco e soltando um jorro de fumaça púrpura.

— Aguenta, parceiro — murmurou Blade, os olhos fixos nas torres.

Com um comando sutil, Noctheron girou, batendo as asas com força sobrenatural. A ventania derrubou telhados e jogou inimigos das torres. Então, Blade saltou.

No ar, girou uma vez, abrindo as espadas. A queda o levou direto até o topo da torre oeste, onde cinco sentinelas se reuniam. Ele caiu no meio deles como uma estrela cadente, e as lâminas cortaram em arcos simétricos, arrancando cabeças, braços e garras num balé sangrento.

O chão ficou coberto de carne disforme. Blade girou, chutando um inimigo que tentava se levantar. A torre oscilava sob seus pés, sacudida pelos gritos do dragão.

Noctheron mergulhou novamente, engolindo uma torre inteira num sopro de fogo obscuro. Os alicerces tremeram, e os gritos foram substituídos por estalos ossudos.

Mas Blade parou.

Algo… observava.

Sentiu como se olhos antigos o fitassem do próprio ar. Um calafrio lhe correu a espinha.

— Quem está aí? — murmurou, rodando sobre os calcanhares.

Foi quando viu — apenas por um instante — uma silhueta pairando sobre uma nuvem de vapor, com olhos dourados, sem pupilas. Um espectro? Um avatar? Não havia certeza. Mas aquilo sorriu… e desapareceu.

— Rob… espero que esteja indo rápido — murmurou, voltando para a sela de Noctheron com o coração acelerado.

Cena Alternada – Rob e a Armadilha 

O corredor que levava à sala do tesouro parecia respirar. Paredes pulsantes, cobertas de olhos semicerrados e bocas costuradas, exalavam um hálito que se misturava a enxofre e promessas esquecidas. Rob seguiu em silêncio, o osso rúnico tremendo levemente em sua mão — quase como se temesse pelo que estava à frente.

Ao cruzar a arcada guardada pelo crânio de marfim, ele sentiu uma mudança sutil no ar. Como se estivesse atravessando uma membrana viva. A sala se revelou como um ventre ritualístico: pilares de ossos, vitrais de pele esticada, e no centro, o Orbe — latejando, envolto numa redoma feita de tentáculos cristalizados.

No piso, o mosaico letal. Rob analisou rapidamente os símbolos, comparando com as runas do osso. Pisou na primeira pedra. Depois na segunda. Um passo em falso.

O som que se seguiu foi como o rugido de um coração sendo rasgado. Lâminas saltaram das paredes, afiadas como verdades indesejadas. Correntes espinhosas desceram do teto, estalando no ar. Rob girou sobre o calcanhar, desviando por centímetros. Seu ombro foi atingido, sangrando profundamente. Ele cambaleou, mas não caiu.

— Que desgraça de armadilha... — sibilou, olhos ardendo de concentração.

Com movimentos precisos, completou os passos restantes, até chegar ao centro. O Orbe agora pulsava com intensidade quase cruel. Ao tocá-lo, sentiu como se mãos invisíveis mergulhassem em sua alma, tentando puxar algo que ele nem sabia possuir.

“Roubem-me. Traiam-se. Sangrem.”

A voz do Orbe. Dentro da cabeça. E fora também.

Rob cravou o fragmento rúnico na base da redoma. Um estrondo o jogou para trás. A redoma se desfez num estouro de espinhos e gosma. O Orbe caiu em suas mãos — quente, vivo, ardendo de poder proibido. Mas naquele instante, o chão tremeu.

Da terra abaixo do pilar, uma criatura irrompeu.

Era feita de sombra e fome. Tentáculos cobertos de olhos. Mandíbulas duplas. Ossos da era anterior à criação. Um Guardião ancestral, como se o próprio Olho Negro tivesse deixado um pedaço de si para proteger o lugar.

Rob recuou, suando, o Orbe pulsando em sua mão. Mas sem pensar e pestanejar, Rob volta a avançar, tentando ao máximo completar sua missão

Cena Alternada – Entrada Principal: Hanson vs. Syphax 

A entrada do cassino era um portão de crânios empilhados, engastados em carne e ferro. Quando Hanson a abriu com um chute, o som reverberou como trovão num vale silencioso. Syphax estava lá, escorado numa pilastra de espinhos vivos, polindo as garras.

Mas ao vê-lo, o capitão demoníaco empalideceu.

— N-não… você…

Hanson avançou. Cada passo seu deixava pegadas fumegantes.

— Vamos terminar o que começamos, Syphax.

O demônio gritou, convocando as tropas. Três bestas flamejantes saíram dos portais próximos, brandindo espadas feitas de almas congeladas.

Hanson girou o machado.

O primeiro inimigo avançou. Hanson o cortou ao meio com um golpe que rachou o chão. O segundo tentou por trás, mas o meio-gigante girou num movimento rápido, enterrando a lâmina no peito do monstro. A alma presa na espada da criatura gritou ao ser libertada.

Syphax atacou então, as garras faiscando. Hanson bloqueou, mas foi empurrado para trás, o impacto lançando brasas ao redor.

— Sempre foi medroso demais pra enfrentar de verdade — rugiu Hanson, cuspindo sangue.

Eles trocaram golpes. A luta era como o choque entre montanhas. Cada impacto fazia as paredes do cassino tremerem. Syphax acertou um soco, abrindo um talho no flanco de Hanson. Mas este revidou com o cabo do machado, partindo os dentes do capitão.

— Acabou! — gritou Syphax, tentando fugir.

— Sim. Pra você.

Com um salto brutal, Hanson enterrou o machado no crânio de Syphax. A carne se partiu, a alma do demônio gritou ao ser despedaçada.

Nesse instante, as paredes começaram a desmoronar. O chão rachou. A energia do Orbe fora despertada.

O salão tremia. O chão rachado exalava vapores pútridos conforme a criatura ancestral se debatia, recuando ao impacto da explosão de intenção vinda de Rob. Ele tombou de joelhos, o Orbe latejando como um segundo coração em sua mão esquerda. Não estava usando-o como arma — não podia. Mas havia sugado o suficiente de sua essência maldita para manter-se de pé, olhos queimando em chamas azuladas.

— Hanson! — gritou.

Lá, no meio das sombras ondulantes, o meio-gigante surgiu de dentro do lodo espectral, arrastando o machado ensanguentado. Os ferimentos nos braços ainda fervilhavam, mas ele caminhava com firmeza. Atrás, Blade aterrissava, as roupas rasgadas, lâminas lascadas, porém os olhos ainda zombeteiros.

— Devíamos ter vindo pelo telhado — bufou Blade, cuspindo sangue preto no chão.

— Devíamos ter ficado mortos — replicou Hanson, com um sorriso de meio lado.

Eles se agruparam por instinto. Ao redor, o cassino desabava lentamente, corroído pela presença da criatura que agora se dissolvia, vencida, mas não morta. Ainda sussurrava promessas por entre os escombros, sua alma sugada aos poucos pelas runas do Orbe.

— Temos o fragmento. Era isso — Rob murmurou, olhos baixos.

— E era só isso… ou deveria ser — comentou Blade, olhando em direção à escadaria antes selada.

Mas então o chão tremeu uma vez mais. Não por ataque, mas por vontade. Uma força ainda maior preenchia o espaço. Um frio rasgou o calor da batalha e calou até os gemidos dos sobreviventes demoníacos.

Uma porta de osso negro se abriu na parede oposta.

A aura que vazava dali era espessa, densa, um nevoeiro de puro tormento. Cada respiração próxima àquela passagem era um mergulho em velhos traumas. O ar trazia memórias — de gritos, de açoites, de pactos firmados com sangue de inocentes.

Uma figura atravessou a porta com calma absoluta. Um manto de trevas oscilava em torno dele como tinta viva. Os olhos, gretados de relâmpagos carmesins, pareciam atravessar todas as verdades. Olho Negro.

— Então é isso — disse ele, voz sem eco, mas sentida na pele. — Meus filhos perdidos voltam ao lar.

Hanson se adiantou meio passo. Seu corpo tremia — de raiva, não de medo. As cicatrizes em seu pescoço brilharam, como se queimassem à presença do antigo mestre.

— Não somos mais teus, e nunca fomos — rosnou.

Olho Negro inclinou a cabeça, um gesto que poderia ser desprezo ou interesse.

— Vocês acham que quebraram correntes. Só trocaram as algemas de lugar. Vejo isso no seu sangue. E no Orbe que carregam.

Rob apertou o selo em sua mão, sentindo o fragmento pulsar. Ele já estava ali, dentro do jogo. Não por escolha — mas porque agora via. Entendia. O Orbe era uma jaula para almas, e ele, por mais que desejasse lutar, só conseguia usar as beiradas do poder, lambendo a beirada da escuridão.

— Você aprisiona almas, Olho — disse ele. — Mas alguma coisa aqui ainda quer resistir.

— Claro que quer — respondeu o demônio. — Toda alma esperneia antes de virar silêncio.

Blade girou as adagas e se aproximou dos dois companheiros. Havia algo pesado na sua postura, como se a piada tivesse acabado.

— Vi seu inferno de cima. Sabe o que vi? Uma prisão disfarçada de reino. E agora… estamos aqui pra derrubar o trono.

O silêncio se fez por um segundo.

Depois, Olho Negro ergueu uma das mãos. Não em ameaça — mas em convite.

— Então entrem — disse ele. — E tentem me arrancar. Estou curioso pra ver o quanto sobrou daquilo que vocês chamavam de vontade.

A porta se escancarou atrás dele. Do outro lado, um salão de espelhos e fogo se estendia, onde formas espectrais sussurravam nomes antigos. Um trono de ossos os esperava. E a guerra que começaria ali não terminaria com lâminas — mas com verdades partidas e pactos quebrados.

Rob olhou para Blade. Blade para Hanson. E Hanson, por fim, sorriu.

— Vamos entrar juntos. Se for pra cair, que seja com as mãos na garganta dele.

E assim, lado a lado, feridos, exaustos e consumidos por escolhas difíceis, os três atravessaram o limiar. O capítulo se fechava com as chamas roxas do cassino ao fundo e a certeza, gravada em cada cicatriz, de que nada depois daquele momento permaneceria intocado.

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