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Führer Vampírica

DAKHMA
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Synopsis
Aviso: +18. Contém Cenas de Gore e Violência, Consumo de Drogas, Sexo, Temas Adultos e Linguagem Inapropriada. Sinopse: É um período de paz e industrialização. Eletricidade e seus aparatos, junto de dirigíveis e carruagens a vapor, são comuns nas metrópoles e até no campo. Sem os cataclismos de outrora, a nobreza e a burguesia se reorganizam, a custo da instrumentalidade humana. O principal tabuleiro do militarismo é a ilha flutuante de Marés entre Nuvens, onde a Academia Arcana da Árvore Cinzenta resguarda os mais poderosos servos e vampiros. Lá, casamentos são arranjados e batalhas são travadas. Contudo, sombras que pareciam contidas há séculos tomam forma, erguendo-se num levante sem precedentes. O passado onde os mitos caminhavam entre os mortais não parece mais tão distante, e um futuro de guerras aguarda a tranquilidade sustentada pelo sangue dos corações ignorantes. TAGS: Fantasia Sombria Industrial, Intriga Política, Magia, Monstros, Não é Isekai, Romance, Slice of Life, Vampiro.
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Chapter 1 - TÍWAZ

— Nunca se esqueça, Tíwaz. — e essas foram as últimas palavras de Gérraus. — Nenhuma boceta desse mundo vale a companhia de uma mulher, Deus inventou a mentira para as satisfazer.

Tíwaz ainda era criança quando o viu pela última vez. 

Desde então, por anos vivendo nas ruas sem destino de cidade em cidade, aprendeu a sobreviver dominando três artes. Numa nova manhã recorria a duas dessas, correr e roubar. 

O antes bucólico condado de Vã Guarnidora, no norte do reino de Nova Fronteira, industrializara-se nos últimos anos. 

Tinha em seu centro, lado a lado, edifícios rurais e modernos, de janelas arqueadas em andares de tijolos escuros que pareciam repetir-se. 

Eram dois os teleféricos principais, um levando ao porto, e outro ao aeródromo, onde os dirigíveis a vapor criavam densas brumas sempiternas. 

Essa era a direção dos passos apressados de Tíwaz, acima das lajes, por andaimes, nas reconstruções das fortalezas da estepe. 

Entre as chaminés, cheiro de cal, orvalho e fumaça de carvão. 

Estátuas de gárgulas, deformadas pelo tempo, observavam como sentinelas enquanto o jovem disparava, subindo e agarrando-se às sacadas e antenas de rádio e televisão, quase despencando.

A escolha do furto fora o escritório de advocacia, dos muitos no centro. 

Janela quebrada, parafusos soltos, e depois de vasculhar, o grande prêmio. Quatro relógios de ouro, então na bolsa de couro do menino. 

O atrito contra as rochas do novo edifício guiou-o por outra escadaria, dali o garoto alcançou o nível da rua, diante da torre do relógio quebrado, ruínas de antes das inundações da Chuva Eterna. 

Num beco enevoado, vultos passaram por ele, guardas de capa e uniforme militar oliva-escuro, com o brasão dos Vallensarnov, as colinas emolduradas por raízes de parreira. 

Fingiu confiança e acelerou os passos, mas não foi o suficiente para despistar os homens. O golpe acertou na altura da nuca do menino que perdeu a consciência. 

TÍWAZ

Em castanho-claro, cabelos oleosos e imundos. 

Olhos atentos aos movimentos na abadia, onde era improvisada a prisão da cidade. 

Corpo franzino, acostumado à falta, e sem conhecimento da fartura. Vestes puídas, e nenhuma delas comprada com prata honesta, das botas gastas aos calções e meias rasgadas, dos suspensórios à manta negra desbotada com capuz.

— Tíwaz? 

— Isso. 

— Sem sobrenome? — inquiria-o o Coronel, desde as primeiras horas da manhã, sempre as mesmas perguntas ganhando respostas cada vez menores:

— É. 

— Você não está se ajudando, ainda é garoto, e sabemos que cometeu outros crimes, se os assumir pode ser levado para nossa casa de recuperação. Terá futuro de venturas. — foi dito sem esforço de disfarçar a mentira, como quem tem a presa na certeza de que essa não lhe escapará. 

— Eu não roubei nada. 

— Nem os relógios na sua bolsa? 

— Nada, exceto os relógios.

E assaltou a sapataria, onde só encontrou prata suficiente para três refeições, e as chaves da fazenda dos Awaesdrovna. 

O que corroborou com outro crime, esse sem precedentes.

O problema de Tíwaz é que ele não fez parte da atrocidade, ele se quer conhecia os envolvidos. 

E nem pensou em possibilidades tão ruins ao, por seis míseras moedas de prata, vender o molho de chaves. 

Eram muitos os mendigos do centro, e um deles foi o receptador, e se assumisse isso ninguém acreditaria nele, tanto que resolveu não falar a verdade. 

Também compreendia que os guardas da abadia estavam pressionados, e precisavam de respostas. 

Não aconteciam muitos crimes no condado, e, um tão incomum, levava as autoridades a ameaçar os funcionários públicos, de demissões a transferências de cargo. 

Os guardas culpariam o primeiro suspeito que dissesse a coisa errada. 

— E de onde veio? Bem vejo que não é dessa região. 

— Sou do mundo. 

— Um errante?

— Certamente, uma boa definição. 

— E onde esteve na última conjunção de carbúnculo? — que era chamada de noite mais escura. E que era pergunta recorrente. E que também era a data do crime funesto. 

— Só, pelas ruas. 

— Não é fácil acreditar. Seu álibi é a acídia do inocente. 

— As coisas são o que são, meu bom guarda. 

— Nem sou seu, nem sou bom.

O vampiro tinha rugas profundas, e olheiras. Era um servo transformado. 

Não tinha paz desde a noite do crime, e o telefone tocava de hora em hora até então, fosse na abadia, fosse na casa do coronel. 

Acima do peso e com a barba em tom das cãs, não passava credibilidade nem na falta de cordialidade da fala, nem na falsa paciência do tom. 

— Podemos te levar até o velho armazém abandonado. — Bórgias acendeu o cachimbo e tragou, ervas de hortelã e cidreira. Ele deu longo tempo para atrair os olhos jovens. — Você pode falar sobre o que sei que sabe. Ou, após o corretivo, pode assumir todos os crimes desde a fundação de Vã Guarnidora. Alguns homens gostam de meninos magros. Não sou desses, mas posso arrumar um, ou mais, famélicos. 

As fhaurens queimavam até a morte quando em contato com a luz da estrela Fênix, os vampiros transformados não, ainda assim, preferiam a escuridão. 

Tíwaz era alguém que conhecia os maus presságios, noites caliginosas aguardavam-no. 

As pessoas da idade dele, com os bons augúrios, deliciavam-se na segunda refeição do dia. Ele não comeria se não roubasse. E era o mesmo há muito tempo. 

— Não sei do que está falando. 

— Você vai ter um tempo ruim aqui, garoto. Eu vou ser o responsável por isso. 

E assim foi. 

Após o pôr da Fênix, Tíwaz era levado até a fazenda de caprinos dos Schelfan'yr, à beira-mar. 

No celeiro abandonado recebia socos, chutes, e cortes para extração de sangue. 

Depois de algumas noites, os guardas antes insistentes pararam de perguntar, apenas se embriagando com o sangue virginal. 

Tíwaz sabia, se assumisse algo, por menor que fosse, seria ainda pior. Tinham estuprado duas das jovens, e devorado outras quatro da família dos Awaesdrovna. 

Assim ele se calou, de ponta-cabeça, pendurado por correntes. 

Fechava os olhos e aguentava, sabia sofrer, quieto, até precisar ser arrastado inconsciente. 

Numa madrugada, caído na cela, o menino reconheceu os passos pesados de Bórgias. 

— Está mais cedo que de costume. 

— Hoje é diferente. 

E o rosto de Tíwaz, envolto de desesperança, perdeu cor:

— Vão me matar? 

— Era meu desejo, mas você é alguém de sorte. 

Ele apático redarguiu:

— Sou muitos, menos esse alguém. 

— O conde exige tua presença. — as palavras não fizerem sentido num primeiro momento, e depois, compreendendo as possibilidades desse encontro inesperado, Tíwaz temeu por algo pior que a morte. 

VALLENSARNOV

A terra dos Vallensarnov tomava sete colinas com mansões e hectares de vinhedos. 

Os filhos menos bem sucedidos do conde eram todos vizinhos.

E viviam como ninguém mais em Guarnidora. 

De vestes limpas, dos filhos de Bórgias, Tíwaz caminhou além da carruagem a vapor, cujo motor barulhento, de expostos ferros intrincados, perdia fumaça por toda a entrada da mansão. 

A maior das construções vigiava o território do topo da colina nordeste. Paredes de rochas escuras e madeira cinzenta de eucalipto. Janelas altas, de vidros fumê nos dois andares. 

Das chaminés, finos fios de fumaça contorciam-se no ar, amargando o aroma úmido dos eucaliptos que se revelavam espaçados, memórias do antigo bosque desmatado onde se viam fileiras de vinhas por cercados. 

— Isso é o senhor Tíwaz? — ressalvou o mordomo Wírt, contrariado. 

Mesmo após o banho, tendo Bórgias despido-o e jogado baldes de água fria nele, ainda na cela, o menino era reles prisioneiro coberto de cortes e hematomas, com dificuldade para cicatrizar devido à anemia. 

— Ele de senhor tem o que temo da morte. — rosnou à frente Bórgias, acostumado aos corredores da mansão. 

Curiosas, algumas das crianças acompanharam a passagem do trio entre os cômodos, com as servas afastando-as. 

O televisor permanecia ligado, a imagem chuviscada em preto e branco, o pináculo da tecnologia moderna. Foi a primeira vez que Tíwaz viu um desses aparatos.

O cheiro férreo, putrefato e permanente, era o mesmo em qualquer abastada propriedade. 

Sempre com a porta trancada, o oratório, com a enorme cruz em ouro, era a origem do miasma lúgubre. 

O corpo nu da serva crucificada, mórbida sangrando, esperava para alimentar o conde. 

Quando chegaram na biblioteca, deixou-os Wírt. 

— Sabe de algo? — indagou Tíwaz perdido. 

— Cale a boca, e só fale quando ordenado. 

— O conde não te contou o motivo de me chamar… — a condescendência de Tíwaz irritou o guarda, que o socou na face. 

O garoto caiu, com nariz e boca sangrando, e, quando se preparava para receber outro golpe, a porta foi aberta. 

— O que significa essa selvageria em meus domínios? — o assustado conde Alexei gritou pelos seus. — Guardas! 

— Meu Senhor! — Bórgias levou a mão ao sabre instintivamente, e os olhos dele, de cor uísque, vibraram em tons lilases. 

Outros guardas, de menor patente que o coronel, entraram na biblioteca quase de imediato. 

— Acompanhem-no. — e a mão do coronel Bórgias afastou-se do sabre, obedecendo à autoridade. Após a saída dos guardas, o conde falou ao garoto, demonstrando atração pelos ferimentos, evitando aproximar-se. — Consegue levantar? O que fizeram com você? 

Deduziu Tíwaz que aquele sentimentalismo era pérfido, mas resolveu entrar no jogo, na farsa pretendida pelo nobre. 

— Minha presença foi ordenada? — o adolescente quase desmaiou, todo o corpo doía, e o sangue gotejava do nariz ao mogno que era piso. 

Alexei não respondeu de imediato, colocou delicado lenço rente ao rosto do menino, interrompendo a hemorragia. E presumiu:

— Não teve o desjejum?

A pergunta soou como troça a Tíwaz:

— Receio que não. 

— Venha, mandarei servir o que temos de melhor. Consegue me acompanhar? 

Para comer? Levantou-se de imediato. 

E atravessaram os corredores andando lado a lado, como se íntimos e não totais desconhecidos. 

Aquele cuidado estranho intrigava o adolescente, que tinha o costume de não se permitir a esperança. 

Ele sabia que não era alguém bondoso ao lado, porém, não chegava no motivo por trás da mefítica caridade. 

E resolveu não pensar nisso enquanto saboreava da sopa, cremosa, de beterraba e repolho, com peito de faisão, e molho de cenouras adocicadas e cebolas douradas. Ou devorando os bolinhos de massa de batata, com páprica defumada e cogumelos silvestres, salteados com sálvia bem temperada. 

Até o pão rústico tinha sabor, e Tíwaz encheu-os de legumes marinados, enquanto repetia a sopa, e provava pela primeira vez de algo tão doce e saboroso, o creme de leite com mel e frutas vermelhas, junto do purê de nozes e avelãs. 

Tudo isso segurando o pano com sangue seco. 

Após a refeição, o lenço foi oferecido de volta a Vallensarnov, que moveu a mão e uma das aias menores, com bandagens dos pulsos aos cotovelos, levou-o. 

— Acho que agora podemos conversar. — Tíwaz não interrompeu, e o nobre reiterou. — Anualmente há aquele momento de grande espera ao redor das casas nobres, isso em todo o mundo. — percebendo que Tíwaz não fazia ideia do que se tratava o assunto, foi-lhe ensinado. — Os estudos na Academia Arcana da Árvore Cinzenta sempre foram disputados. Há mais nobres que vagas. Estudar lá é ter o futuro insigne, independentemente da idade de convocação ou do título nobiliárquico. 

— Seus filhos estudam lá? 

— Seis esposas, seis úteros putrefatos. Meus vinte e sete herdeiros foram transformados em Academias Arcanas menores. — lamentou o conde. — Desde o fim da Chuva foi dado ao Séquito das Oráculos essa função, de preterir. Recebem em sonhos os nomes, e as localizações dos predestinados. Assim são evitadas contendas entre os reinos. Aos mortais, não há maior prestígio. 

— Parece complicado. — eram costumes de um mundo que Tíwaz desconhecia, mesmo que não desgostasse, afinal, aquele assunto sem sentido enchera a barriga dele. 

— É mais simples do que parece. Você foi eleito. — a frase foi dita comumente, enquanto o nobre bebia da xícara de chá acescente. 

— Isso é impossível. Não tenho residência. Nem nada, na verdade. Como me encontrariam? 

— O sagrado Séquito nunca erra. E eu recebi esse papiro. — o mesmo foi entregue ao jovem, com muitos hieróglifos desconhecidos ao menino, na linguagem unificada. 

— Não sei ler em unificado. Não tem como terem me mandado essa mensagem. 

— Justamente, não enviaram a você, está endereçado a mim.

— Porra! — a surpresa do jovem não alterou a expressão do conde, dedicado ao chá de orquídeas com sangue e vinho seco. 

— Todavia, tudo nesse mundo tem seu preço. — decretou Alexei Millis Xaria Vallensarnov. — Em troca de meu perdão por seus crimes, adotarei-te. Nunca se esqueça… — e foi ensinado. — ... o fim do capital é o fim das relações.

O nobre era o verdadeiro responsável pelas torturas. 

E oferecia preço pelo silêncio do plebeu, no entretanto, Tíwaz só era bom em três coisas, correr, roubar, e negociar. 

— Quero que eles queimem, os seis guardas. E que seja esse também o fim do dono da propriedade onde me sangravam. — e leu Tíwaz, abaixo do brasão esculpido na parede da sala de jantar. Eram runas do norte, o único idioma que o menino conhecia. — Empatia é covardia. — o lema dos Vallensarnov. 

Tíwaz fingia ter o controle da situação, e, em segredo, via-se preparado para abrir mão da maior parte do exigido. 

Conseguindo apenas a fogueira de Bórgias, ainda seria o suficiente, contudo, o conde anuiu.

Alexei avaliara valores, e abriu mão do que a ele era instrumento. 

É a instrumentalidade humana a incapacidade de discernir a vida que lhe serve de ferramentas de trabalho. Quando gasta, deve ser descartada. Quando incapaz, deve ser substituída. 

Também, é transformar a mente do homem instrumentalizado. Em toda a vida, Bórgias nunca se atrasou para o trabalho. E preferia abandonar a esposa e os filhos doentes a faltar. 

O coronel mataria pela lei, e morreria pelo que acreditava, e isso era o quê? O que foi ensinado a crer, o que favorecia àquele que lhe era senhor, e ninguém mais. 

Para Alexei, ter um filho, mesmo um adotado, entre eleitos da Árvore, significava benefícios fiscais incomparáveis, além da elevação do nome da família para outro patamar de nobreza. 

Naquela mesma noite, todos os torturadores foram sentenciados à pira, e os benévolos Vallensarnov de Vã Guarnidora adquiriram nova descendência. 

 se esqueça, Tíwaz. — e essas foram as últimas palavras de Gérraus. — Nenhuma boceta desse mundo vale a companhia de uma mulher, Deus inventou a mentira para as satisfazer.

Tíwaz ainda era criança quando o viu pela última vez. 

Desde então, por anos vivendo nas ruas sem destino de cidade em cidade, aprendeu a sobreviver dominando três artes. Numa nova manhã recorria a duas dessas, correr e roubar. 

O antes bucólico condado de Vã Guarnidora, no norte do reino de Nova Fronteira, industrializara-se nos últimos anos. 

Tinha em seu centro, lado a lado, edifícios rurais e modernos, de janelas arqueadas em andares de tijolos escuros que pareciam repetir-se. 

Eram dois os teleféricos principais, um levando ao porto, e outro ao aeródromo, onde os dirigíveis a vapor criavam densas brumas sempiternas. 

Essa era a direção dos passos apressados de Tíwaz, acima das lajes, por andaimes, nas reconstruções das fortalezas da estepe. 

Entre as chaminés, cheiro de cal, orvalho e fumaça de carvão. 

Estátuas de gárgulas, deformadas pelo tempo, observavam como sentinelas enquanto o jovem disparava, subindo e agarrando-se às sacadas e antenas de rádio e televisão, quase despencando.

A escolha do furto fora o escritório de advocacia, dos muitos no centro. 

Janela quebrada, parafusos soltos, e depois de vasculhar, o grande prêmio. Quatro relógios de ouro, então na bolsa de couro do menino. 

O atrito contra as rochas do novo edifício guiou-o por outra escadaria, dali o garoto alcançou o nível da rua, diante da torre do relógio quebrado, ruínas de antes das inundações da Chuva Eterna. 

Num beco enevoado, vultos passaram por ele, guardas de capa e uniforme militar oliva-escuro, com o brasão dos Vallensarnov, as colinas emolduradas por raízes de parreira. 

Fingiu confiança e acelerou os passos, mas não foi o suficiente para despistar os homens. O golpe acertou na altura da nuca do menino que perdeu a consciência. 

TÍWAZ

Em castanho-claro, cabelos oleosos e imundos. 

Olhos atentos aos movimentos na abadia, onde era improvisada a prisão da cidade. 

Corpo franzino, acostumado à falta, e sem conhecimento da fartura. Vestes puídas, e nenhuma delas comprada com prata honesta, das botas gastas aos calções e meias rasgadas, dos suspensórios à manta negra desbotada com capuz.

— Tíwaz? 

— Isso. 

— Sem sobrenome? — inquiria-o o coronel, desde as primeiras horas da manhã, sempre as mesmas perguntas ganhando respostas cada vez menores:

— É. 

— Você não está se ajudando, ainda é garoto, e sabemos que cometeu outros crimes, se os assumir pode ser levado para nossa casa de recuperação. Terá futuro de venturas. — foi dito sem esforço de disfarçar a mentira, como quem tem a presa na certeza de que essa não lhe escapará. 

— Eu não roubei nada. 

— Nem os relógios na sua bolsa? 

— Nada, exceto os relógios.

E assaltou a sapataria, onde só encontrou prata suficiente para três refeições, e as chaves da fazenda dos Awaesdrovna. 

O que corroborou com outro crime, esse sem precedentes.

O problema de Tíwaz é que ele não fez parte da atrocidade, ele se quer conhecia os envolvidos. 

E nem pensou em possibilidades tão ruins ao, por seis míseras moedas de prata, vender o molho de chaves. 

Eram muitos os mendigos do centro, e um deles foi o receptador, e se assumisse isso ninguém acreditaria nele, tanto que resolveu não falar a verdade. 

Também compreendia que os guardas da abadia estavam pressionados, e precisavam de respostas. 

Não aconteciam muitos crimes no condado, e, um tão incomum, levava as autoridades a ameaçar os funcionários públicos, de demissões a transferências de cargo. 

Os guardas culpariam o primeiro suspeito que dissesse a coisa errada. 

— E de onde veio? Bem vejo que não é dessa região. 

— Sou do mundo. 

— Um errante?

— Certamente, uma boa definição. 

— E onde esteve na última conjunção de carbúnculo? — que era chamada de noite mais escura. E que era pergunta recorrente. E que também era a data do crime funesto. 

— Só, pelas ruas. 

— Não é fácil acreditar. Seu álibi é a acídia do inocente. 

— As coisas são o que são, meu bom guarda. 

— Nem sou seu, nem sou bom.

O vampiro tinha rugas profundas, e olheiras. Era um servo transformado. 

Não tinha paz desde a noite do crime, e o telefone tocava de hora em hora até então, fosse na abadia, fosse na casa do coronel. 

Acima do peso e com a barba em tom das cãs, não passava credibilidade nem na falta de cordialidade da fala, nem na falsa paciência do tom. 

— Podemos te levar até o velho armazém abandonado. — Bórgias acendeu o cachimbo e tragou, ervas de hortelã e cidreira. Ele deu longo tempo para atrair os olhos jovens. — Você pode falar sobre o que sei que sabe. Ou, após o corretivo, pode assumir todos os crimes desde a fundação de Vã Guarnidora. Alguns homens gostam de meninos magros. Não sou desses, mas posso arrumar um, ou mais, famélicos. 

As fhaurens queimavam até a morte quando em contato com a luz da estrela Fênix, os vampiros transformados não, ainda assim, preferiam a escuridão. 

Tíwaz era alguém que conhecia os maus presságios, noites caliginosas aguardavam-no. 

As pessoas da idade dele, com os bons augúrios, deliciavam-se na segunda refeição do dia. Ele não comeria se não roubasse. E era o mesmo há muito tempo. 

— Não sei do que está falando. 

— Você vai ter um tempo ruim aqui, garoto. Eu vou ser o responsável por isso. 

E assim foi. 

Após o pôr da Fênix, Tíwaz era levado até a fazenda de caprinos dos Schelfan'yr, à beira-mar. 

No celeiro abandonado recebia socos, chutes, e cortes para extração de sangue. 

Depois de algumas noites, os guardas antes insistentes pararam de perguntar, apenas se embriagando com o sangue virginal. 

Tíwaz sabia, se assumisse algo, por menor que fosse, seria ainda pior. Tinham estuprado duas das jovens, e devorado outras quatro da família dos Awaesdrovna. 

Assim ele se calou, de ponta-cabeça, pendurado por correntes. 

Fechava os olhos e aguentava, sabia sofrer, quieto, até precisar ser arrastado inconsciente. 

Numa madrugada, caído na cela, o menino reconheceu os passos pesados de Bórgias. 

— Está mais cedo que de costume. 

— Hoje é diferente. 

E o rosto de Tíwaz, envolto de desesperança, perdeu cor:

— Vão me matar? 

— Era meu desejo, mas você é alguém de sorte. 

Ele apático redarguiu:

— Sou muitos, menos esse alguém. 

— O conde exige tua presença. — as palavras não fizerem sentido num primeiro momento, e depois, compreendendo as possibilidades desse encontro inesperado, Tíwaz temeu por algo pior que a morte.