Ficool

Chapter 10 - Capítulo 9 — O Peso do Silêncio

O vento de Varnen soprava diferente naquele início de outono.Era o tipo de brisa que trazia cheiros de ferro, madeira e suor — o sinal de uma cidade viva.E, entre o burburinho das tavernas e o eco das marteladas no porto, uma nova voz se destacava com orgulho:

"Missões? Vá até a Guilda Caelum. Eles sempre cumprem o que prometem."

A guilda, que começara como um sonho infantil, agora era um nome conhecido nas redondezas.As paredes foram reforçadas, o salão principal ganhara vida com risadas e vozes, e o brasão com a espada e os sete elementos reluzia acima da entrada, como um farol.

Lucius Caelum, agora com oito anos, caminhava pelo salão central com postura tranquila, observando os quadros de missões na parede.Seu olhar sereno contrastava com a energia vibrante que emanava dele — uma presença densa, controlada, mas viva.

Seu douqi havia atingido o nível 5, e seu poder mágico o nível 6.Os treinos intensos, a disciplina e o controle de sua alma haviam transformado seu corpo e sua mente em instrumentos de precisão.Ainda assim, o mesmo sorriso brincalhão aparecia de vez em quando, especialmente quando Friaren o repreendia por esquecer de dormir.

"Lucius," chamou ela, surgindo ao seu lado com o mesmo ar calmo e distante de sempre.Agora com doze anos, seus cabelos brancos estavam presos em uma trança simples, e o brilho de seus olhos era o reflexo de um entendimento crescente da magia.Seu poder mágico havia chegado ao nível 4, e seu domínio dos relâmpagos era acompanhado por um domínio sutil do vento — uma combinação rara.

Ela segurava um livro. "Você esqueceu isso na biblioteca."Lucius pegou o livro e piscou. "Esquecer é uma forma de garantir que alguém venha me procurar."Friaren suspirou. "É uma forma preguiçosa de pedir companhia.""Exato," respondeu ele, sorrindo.

O bar estava cheio.O barman, um homem robusto de bigode espesso e expressão amigável, limpava copos enquanto ouvia as histórias de aventureiros.No canto, duas figuras novas chamavam atenção.

O primeiro, um homem de meia idade com um manto azul e olhos serenos — Rogan, um ex-mago de guerra, nível 6 de magia da água.Sua presença trazia tranquilidade, e ele havia se tornado uma espécie de conselheiro informal da guilda.O segundo, um jovem de 26 anos de cabelos negros e olhar frio — Kael, um guerreiro de nível 4, usuário de douqi sombrio, mestre em furtividade.Ninguém sabia muito sobre seu passado, e ele parecia preferir assim.

"Você contratou um espião," comentou Friaren certa vez."Eu prefiro chamar de 'segurança com estilo'," retrucou Lucius."Ou problema futuro.""Depende do ponto de vista."

No pátio de treino, Lyara demonstrava técnicas de combate para alguns novos recrutas.Agora com 22 anos, sua força física e precisão com a lança impressionavam até os guerreiros mais experientes.Seu douqi havia alcançado o nível 4, mas o que realmente a destacava era sua presença: firme, confiante e protetora.

"Postura firme, respiração constante!" gritou ela para os novatos.As gêmeas, agora com seis anos, observavam de longe com olhos brilhantes.Tinham nomes diferentes — Nira e Naya — e talentos igualmente extraordinários.Cada uma possuía duas afinidades elementares, uma de alto nível e outra de super nível — dons tão raros que até Rogan ficava surpreso.

"Essas duas vão dar trabalho," murmurou o mago veterano.Lucius, encostado na parede, respondeu: "Sim... mas do tipo bom.""Você parece confiante.""Tenho motivos. As almas delas são quase quarenta vezes mais densas que a média."Rogan arqueou as sobrancelhas. "Quarenta? Isso é… impossível."Lucius sorriu levemente. "Impossível é só uma palavra que ainda não conheceu as duas."

E Aurus — o lobo que crescera junto com eles — agora era uma criatura majestosa.O pelo cinzento cintilava sob a luz, e seus olhos profundos pareciam conter ecos antigos.Com poder equivalente ao nível 5, ele havia desenvolvido uma aura de autoridade natural.As crianças o montavam às vezes, rindo enquanto Friaren os observava com um olhar paciente.

Lucius o acariciou entre as orelhas, sentindo o peso e a força de sua presença."Você está virando o guardião desse lugar, Aurus," murmurou ele.O lobo respondeu com um rosnado leve, quase um ronronar.

No fim da tarde, o grupo se reuniu no salão.Friaren organizava livros e registros, Lyara conferia o estoque, Rogan discutia com Kael sobre táticas, e as gêmeas brincavam perto da lareira.Lucius observava a cena com um sorriso tranquilo — a guilda estava viva, pulsando, crescendo.

"Você está orgulhoso," comentou Friaren, sem levantar o olhar."Um pouco.""Um pouco?""Talvez muito. Mas não diga pra ninguém.""Segredo guardado."

Ele cruzou os braços, olhando o brasão da guilda na parede."A Guilda Caelum está crescendo rápido demais... mas eu não quero que ela se torne apenas mais uma organização. Quero que continue sendo o que prometi que seria — uma família."Friaren assentiu. "Então, mantenha o coração no centro."Lucius riu. "Você anda boa com metáforas.""Aprendi com o pior exemplo possível."

Os dois se entreolharam — e sorriram.

...

As semanas seguintes passaram em um ritmo constante e calmo.A Guilda Caelum havia se tornado um ponto fixo no coração da cidade — não apenas um local de missões, mas um refúgio.Mercadores deixavam recados em troca de proteção para suas caravanas, viajantes buscavam abrigo, e jovens sonhadores pediam para ser aceitos como aprendizes.

Mas, como Lucius prometera, nem todos podiam entrar.Ele recusava mais da metade dos pedidos."Uma guilda não é feita de números," dizia, enquanto lia as inscrições. "É feita de almas em sintonia."

Friaren, ao lado dele, observava os formulários."Você fala como se conseguisse ver as almas das pessoas."Lucius levantou os olhos, sorrindo. "Friaren… eu consigo."Ela suspirou e cruzou os braços. "Eu realmente não sei quando você está brincando.""É um dom raro," respondeu ele, fingindo seriedade. "Chamado senso de humor."Ela piscou lentamente. "Então é uma maldição."Lucius riu.

O dia se passou tranquilo.Lyara treinava as gêmeas no pátio, Rogan meditava próximo à fonte central, e Kael desaparecia e reaparecia como uma sombra — sempre observando, sempre silencioso.O sol dourava as paredes de pedra e os vitrais do brasão, e Friaren se isolou na varanda, tentando aprofundar o controle do poder mágico.

Ela respirou fundo, sentindo o ar frio do fim de tarde.As faíscas de relâmpago que giravam ao redor de seus dedos tremiam, instáveis.Mesmo após um ano e meio, ela ainda não conseguia equilibrar completamente a energia.Era como tentar domar uma fera selvagem com um toque suave.

Lucius se aproximou em silêncio, cruzando os braços."Está oscilando demais. Está forçando a alma."Friaren não olhou para ele. "Eu sei. Mas eu preciso dominar isso. Não quero ficar para trás.""Você não está atrás de ninguém.""Você está no nível 6, Lucius. Eu ainda estou no 4.""Comparação é o caminho mais rápido pra perder o foco.""E o caminho mais difícil pra alcançá-lo," ela retrucou, sem hesitar.

Lucius a observou por um tempo.As descargas de relâmpago dançavam ao redor dela como pequenos cometas, refletindo em seus olhos prateados.Ele suspirou — não por impaciência, mas por compreensão.

"Friaren…"Ela o olhou, surpresa com o tom sério.Lucius estendeu a mão. "Posso te ajudar."

Ela hesitou. "Como?""Com o poder da alma.""Você quer doar parte da sua alma pra mim?""Não doar. Compartilhar."

Ele se sentou diante dela, pernas cruzadas, e fez sinal para que ela o imitasse.Quando suas mãos se tocaram, Friaren sentiu uma onda de calor suave — não era fogo, mas algo que vibrava em cada célula, um pulsar silencioso.A energia parecia viva, respirando junto com eles.

Lucius fechou os olhos. "A alma é como um rio.Se está em equilíbrio, flui. Se está travada, cria redemoinhos.Eu só vou remover o excesso — as impurezas — e deixar o fluxo natural continuar."

A aura dele se expandiu.Um brilho dourado, puro, envolveu os dois, e por um instante, Friaren pôde ver fragmentos da própria alma — uma estrutura cristalina, delicada, coberta por finas rachaduras.Lucius não absorveu nada.Ele apenas tocou essas rachaduras com seu poder, preenchendo-as com luz.

Um som suave ecoou — como sinos distantes sob a água.

A energia dela começou a se estabilizar.O relâmpago que antes tremia, agora fluía suavemente pelos braços, dançando com precisão.Friaren sentiu o peso do mundo desaparecer por alguns segundos.Quando abriu os olhos, lágrimas discretas escorriam.

Lucius sorriu, exausto, mas satisfeito."Viu? Não é sobre força. É sobre harmonia."Ela enxugou o rosto, tentando manter a compostura. "Você devia avisar antes de fazer algo assim.""Eu avisei. Você só não esperava que funcionasse."Friaren soltou um suspiro entre risadas. "Talvez."

Naquela noite, Friaren se retirou cedo.Lucius ficou no terraço, olhando o céu.Os sete elementos pareciam refletidos nas estrelas — fogo, água, vento, terra, relâmpago, trevas e luz — e ele pensou em como, mesmo em mundos diferentes, as leis sempre se equilibravam.

Lyara se aproximou, silenciosa, encostando a lança no chão."Você ajudou ela, não foi?""Um pouco.""Você gasta a própria alma como se fosse uma moeda."Lucius sorriu. "E você gasta seu tempo me dando sermões."Lyara cruzou os braços. "Um dia, vai acabar se machucando com essa mania de carregar o mundo.""Quando esse dia chegar, espero que tenha alguém pra me carregar de volta."Ela riu, balançando a cabeça. "Você é um caso perdido, garoto.""Talvez. Mas um caso feliz."

Na manhã seguinte, Friaren acordou cedo.As descargas de relâmpago fluíam perfeitamente entre seus dedos, sem esforço.Ela sorriu sozinha.O equilíbrio que sentia agora era diferente — mais puro, mais controlado.Lucius havia deixado uma marca invisível nela, não de poder, mas de compreensão.

A Guilda Caelum seguia crescendo.Mas, nas entrelinhas desse progresso, a ligação entre seus membros se fortalecia.Não apenas como companheiros, mas como fragmentos de uma mesma alma compartilhada — a essência da promessa que Lucius fizera ao criar tudo aquilo:

"Aqui, ninguém caminha sozinho."

More Chapters