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Chapter 9 - Capítulo 8 — O Nascimento de um Nome

A cidade de Valen se erguia diante deles, cercada por muralhas de pedra escura e torres de observação. Não era tão grandiosa quanto as capitais, mas para viajantes que passaram meses cruzando estradas selvagens, a visão de portões e fumaça subindo das chaminés trazia uma sensação de repouso.

Lucius parou por um momento antes de entrar. Observou as pessoas, o ritmo da cidade — comerciantes gritando, mercadores negociando, guerreiros carregando lanças e espadas.Era um mundo movido pela força física, onde o brilho de um mago era raro e, por isso mesmo, olhado com desconfiança.

"Parecem... desconfortáveis com o diferente", comentou Friaren em voz baixa.Lucius sorriu de leve. "Isso é normal. O medo nasce da ignorância. Mas é nesse tipo de lugar que as mudanças começam."

Aurus caminhava ao lado deles, sua pelagem negra e olhos dourados chamando atenção. Alguns homens recuavam um passo ao vê-lo, murmurando sobre uma "besta domada por uma criança".

Lyara, caminhando com as filhas gêmeas adiante, olhava em volta com expressão prudente. "É melhor ficarmos longe de problemas. Guerreiros daqui não costumam gostar de forasteiros."

Lucius apenas assentiu. Ainda assim, uma parte dele sabia que o destino não deixaria que passassem despercebidos por muito tempo.

Nas horas seguintes, rumores começaram a se espalhar pela cidade.Um menino de cabelos negros e olhos prateados, acompanhado por uma garota de cabelos brancos e um lobo das trevas, havia derrotado um grupo de ladrões na estrada e libertado prisioneiros.

O nome Lucius Caelum ecoava nas tavernas e mercados — primeiro como curiosidade, depois como lenda.Os guerreiros riam, achando impossível que uma criança fosse capaz disso. Mas os poucos que viram o lobo Aurus, ou sentiram o resquício de poder no ar quando ele passou, sabiam que havia verdade no rumor.

À noite, no pequeno quarto da hospedaria, Lucius ficou diante da janela. A cidade parecia viva — ruidosa, imperfeita, mas vibrante."Eles falam de mim como se eu fosse algo que ainda não sou", murmurou.

Friaren, sentada na cama, respondeu enquanto folheava um grimório antigo:"Às vezes, a lenda vem antes da realidade. E a realidade acaba tentando alcançá-la."

Lucius riu baixo. "Parece algo que eu diria."

Ela ergueu os olhos, sorrindo. "Eu aprendi observando você."

Por um momento, o silêncio foi confortável. O luar atravessava a janela, refletindo nos cabelos prateados dos dois.

Lucius então pegou um pequeno caderno de couro e começou a rabiscar algo.Friaren inclinou a cabeça. "Desenhando?"

"Pensando", respondeu ele.No papel, um símbolo tomava forma: um círculo dividido por uma linha diagonal, de onde surgia um machado cruzado por um relâmpago."Esse será o símbolo do que quero criar."

"Um emblema?"

"Uma ideia." Lucius olhou o desenho por um instante, depois explicou com calma:"Penso em algo que una guerreiros e magos... um grupo livre, onde cada um lute pelo que acredita. Não por reis, nem por nobres — mas por propósito. Um lugar onde o talento não dependa do nascimento."

Friaren observou o símbolo, o olhar sereno, mas curioso. "E o nome?"

Lucius sorriu, um brilho determinado no olhar."Ainda não sei. Mas quero que signifique liberdade... e vínculo."

Aurus, deitado aos pés da cama, ergueu a cabeça e soltou um rosnado baixo — quase como se aprovasse a ideia.O som fez Friaren rir. "Parece que ele já concordou."

Lucius fechou o caderno e olhou para fora da janela, onde as luzes da cidade tremulavam sob o vento noturno."Amanhã, começaremos a deixar nossa marca. Um passo de cada vez."

E naquele instante, sem que percebessem, a história da primeira guilda do continente de Yulan começava a nascer — não de ambição, mas de propósito.

....

Os dias em Varnen passavam devagar, envoltos em um clima de curiosidade e murmúrios.Lucius e seu grupo haviam chamado atenção — uma criança de olhar sério e fala afiada, uma menina de cabelos brancos que manipulava relâmpagos, uma amazona de presença forte e um lobo que parecia entender cada palavra dita.

"Magos são raros aqui", comentou Friaren enquanto andavam pelo mercado.Lucius observava o vai e vem das pessoas, com um sorriso distraído. "É... e guerreiros são o que mais tem. Acho que, se eu espirrar, acabo acertando um deles."

Friaren arqueou uma sobrancelha. "Isso foi... engraçado?""Foi um teste. Pra ver se você ainda sabe rir."

Ela olhou pra ele, impassível, e respondeu com ironia leve: "Talvez se eu não convivesse com alguém que fala sozinho."Lucius deu de ombros, rindo. "Justo."

Naquela noite, o grupo se reuniu na hospedaria.Lucius estava sentado à mesa com um pequeno caderno aberto, desenhando algo com carvão.Friaren, curiosa, aproximou-se. "Você ainda está tentando criar um símbolo?"

"Sim. Um símbolo... e um nome." Ele olhou para ela com expressão pensativa. "Pensei em algo simples, algo que represente o que quero construir. Não só força — mas união."

"União?", ela repetiu.

Lucius assentiu lentamente. "Não quero só companheiros de viagem. Quero algo maior... uma família. Pessoas que possam confiar umas nas outras, que cresçam juntas."Ele apoiou o queixo na mão e sorriu. "E se... esse nome fosse o mesmo que o meu?"

Friaren o observou em silêncio, e depois perguntou suavemente: "Caelum?"

"Sim." Ele escreveu o nome no topo da página e o olhou com satisfação. "Guilda Caelum. Um lugar para quem perdeu tudo e quer começar de novo. Um lar para quem ainda tem algo pra proteger."

Lyara, que ouvia à distância, cruzou os braços, emocionada apesar da tentativa de esconder. "Você fala como se tivesse cem anos.""Só seis e meio", respondeu ele, com um sorrisinho orgulhoso. "Mas minha alma é mais velha que sua paciência."

Friaren reprimiu uma risada. "Não é difícil ter mais paciência que a da Lyara."

Lucius fingiu indignação. "Vocês estão conspirando contra mim!""Não precisamos conspirar pra isso", respondeu Friaren, séria, o que só piorou a situação — ele caiu na risada.

...

Na manhã seguinte, Lucius foi até a praça central e fixou um papel na parede de avisos.O símbolo desenhado à mão mostrava uma espada erguida ao centro, cercada por sete símbolos elementares dispostos em círculo — fogo, água, terra, vento, relâmpago, luz e trevas.Os traços dourados do emblema brilhavam sob o sol, e o nome "Caelum" estava escrito abaixo, em letras firmes e elegantes.

Era um símbolo de equilíbrio e união, uma promessa de que todos os elementos, todas as almas e todas as pessoas poderiam coexistir sob o mesmo ideal.O aço da espada representava a determinação humana, enquanto o círculo ao redor simbolizava o céu que abrigava todos igualmente.

Abaixo, as palavras simples e firmes:

Guilda Caelum — Onde o céu é o limite para aqueles que se erguem juntos."Aqueles que caminham sob o mesmo céu, jamais estarão sozinhos."

As pessoas começaram a se reunir em volta.Mercenários, comerciantes, curiosos... alguns riram, outros ficaram intrigados.Uma criança fundando algo novo, algo que nem existia oficialmente no continente Yulan — uma "guilda"?Mas o nome ficou. Caelum.Soava diferente. Dava uma sensação de pertencimento.

Lucius cruzou os braços e observou o símbolo balançando ao vento.Friaren, ao seu lado, perguntou em tom tranquilo: "E quantos membros a Guilda Caelum tem agora?"

"Cinco", respondeu ele sem hesitar.

"Cinco?"

"Eu, você, Lyara, as gêmeas... e Aurus."

"Ele conta?"

"Ele morde. Isso já é mais útil que metade dos guerreiros daqui."

Friaren suspirou, mas o canto de sua boca denunciava um leve sorriso.Lucius olhou para o horizonte, o vento balançando seus cabelos escuros."Não importa o tamanho que tenhamos agora. Um dia... todos olharão pro céu e lembrarão desse nome."

E assim nasceu a Guilda Caelum —não através de um decreto, mas de uma promessa.Uma criança sonhando em transformar estranhos em família.Uma chama tranquila que, com o tempo, acenderia um novo ideal no continente Yulan.

...

Dois dias depois do anúncio, o som de martelos e vozes enchia o ar ao redor de uma antiga construção abandonada na parte norte de Varnen.Lucius observava o movimento com as mãos cruzadas nas costas, o olhar avaliando cada detalhe como se estivesse montando um quebra-cabeça invisível.

"Então... essa é a nossa 'sede da guilda'?" perguntou Friaren, parando ao lado dele."É," respondeu Lucius, sem tirar os olhos do prédio. "Um lugar com história, paredes rachadas e um preço justo. Perfeito."

Lyara suspirou, cruzando os braços. "Perfeito pra desabar se espirrar forte demais."Lucius deu um sorriso de canto. "Por isso comprei pregos extras."

O prédio era grande o suficiente para um pequeno grupo.No piso térreo, um salão amplo servia como área comum e, futuramente, bar e local de reuniões.Atrás, uma escada levava ao andar superior, onde Lucius planejava instalar dormitórios e uma pequena biblioteca.Um pátio ao fundo seria o espaço de treino — já delimitado por Aurus, que arranhara o chão em linhas retas e orgulhosas, como se marcasse território.

Enquanto o grupo ajudava nos reparos, Lucius desenhava algo em uma tábua: uma tabela simples, organizada e limpa.

Friaren se aproximou, espiando por cima do ombro dele. "O que é isso?""A classificação das missões."

No topo, ele havia escrito:

Rank D — tarefas simples: entregas, transporte, coleta de ervas.Rank C — risco leve: escoltas, caçadas pequenas, proteção de caravanas.Rank B — risco médio: investigações, defesa de aldeias, combate a bandidos.Rank A — risco alto: monstros de médio porte, resgates, negociações perigosas.Rank S — crítico: ameaças regionais, bestas de alta classe, emergências mágicas.

"E essas letras são...?" perguntou Friaren."Um sistema de classificação.""Parece arbitrário."Lucius piscou. "Eu chamei de 'organização'. Mas obrigado pelo incentivo."

Ela desviou o olhar, escondendo um pequeno sorriso.

Quando o sol começou a se pôr, o grupo se reuniu no salão recém-limpo.No centro, Lucius colocou o mesmo pergaminho que havia pendurado na praça, agora estendido sobre a mesa.

"Antes de qualquer coisa," começou ele, "a Guilda Caelum precisa de regras claras. E não, não é só pra parecer importante."Lyara ergueu a sobrancelha. "Regra número um: não irritar Lucius, certo?""Quase," respondeu ele, com um meio sorriso. "Mas essa é a dois."

Ele respirou fundo e leu o que havia escrito:

Código da Guilda Caelum

Nenhum membro aceitará missões de assassinato, tortura ou escravidão.

Todos os contratos devem ser revisados e aprovados por mim.

Qualquer pessoa pode pedir refúgio na guilda, mas só entra quem for aprovado.

A força deve servir para proteger, nunca para dominar.

Cada vida salva tem o mesmo valor de uma missão concluída.

Silêncio.Até Friaren, sempre calma, parecia refletir sobre aquelas palavras.Lucius olhou ao redor e completou, com tom leve, mas firme:"Não quero monstros com rostos humanos aqui dentro. Quero pessoas que lutem porque acreditam em algo."

Lyara assentiu lentamente. "Você fala como um velho sábio."Lucius riu. "Talvez um velho sábio com seis anos e um talento pra falar demais."

Friaren observou o símbolo da guilda esculpido na madeira da mesa — o machado e o relâmpago, agora pintados em azul e dourado."E quanto aos novos membros?"Lucius pensou por um instante. "Só entra quem eu aprovar. E pra isso, não basta ter força. Tem que ter propósito.""E se não tiver propósito?""Então eu empresto o meu até encontrar um."

Mais tarde, já à noite, Lucius saiu para o pátio.O ar estava fresco, e o céu, limpo.Aurus estava deitado, observando as estrelas, e Friaren se aproximou em silêncio, sentando-se ao lado dele.

"Você está pensando em quê?" perguntou ela.

Lucius olhou para cima. "No que vem depois. Se tudo der certo, esse lugar vai se encher de gente... risadas, histórias, talvez até brigas idiotas.""E se der errado?""Então... pelo menos tentamos mudar alguma coisa."

Ela o observou por um momento e depois disse, com um pequeno sorriso:"Você parece mais leve quando fala assim."

Lucius fingiu indignação. "Assim como?""Como uma criança."Ele piscou. "Devo me sentir ofendido?""Depende. Você sabe brincar?"

Lucius fingiu pensar, depois atirou uma pedrinha de leve no ombro dela."Agora sei."Friaren suspirou, balançando a cabeça. "Definitivamente uma criança."

O riso de ambos se misturou ao som distante da cidade.No céu, a lua parecia observar, curiosa, o nascimento de algo que ainda nem o destino ousava prever.

A Guilda Caelum estava completa em sua forma mais simples — paredes frágeis, ideais fortes.Um lar para quem não tinha onde ficar.Um nome que, um dia, o continente inteiro aprenderia a respeitar.

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