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Chapter 11 - Capítulo 10 — Sussurros em Valen

O primeiro vento frio do inverno varreu as ruas de Valen.As chamas das lamparinas tremulavam, e os sons de passos ecoavam pelas vielas ainda cheias de vida.Dentro da Guilda Caelum, o ambiente era morno, iluminado por velas e vozes.Risos se misturavam ao som de copos sendo servidos, e uma sensação de estabilidade pairava no ar — o tipo de tranquilidade que só existe antes da tempestade.

Lucius, de pé na varanda superior, observava o movimento.Já havia se passado quase dois anos desde a fundação da guilda.Tudo estava indo bem demais.E ele sabia o que isso significava.

"Quando tudo está em harmonia," murmurou para si mesmo, "é sinal de que algo está prestes a desafiar o equilíbrio."

Friaren estava sentada em uma mesa próxima, revisando os registros de missões.O brasão da guilda brilhava acima da lareira — a espada atravessando o círculo com os sete elementos gravados.Ela levantou o olhar quando sentiu a presença dele.

"Está inquieto.""Você também sentiu?""Não… apenas percebi que sua perna não parou de balançar nos últimos cinco minutos."Lucius riu, coçando a nuca. "E eu achando que disfarçava bem.""Você nunca disfarça nada."

Ela voltou o olhar para os papéis. "Está preocupado com o aumento de missões de proteção?""Mais do que isso. Os mercadores estão com medo de algo. E ninguém fala o quê."

Pouco depois, Lyara entrou no salão principal, removendo o manto pesado de viagem."Achei que você tinha saído pra treinar," disse Lucius."Fui até o mercado. Há rumores sobre um nobre de Valcrest enviando grupos de mercenários pra essa região.""Valcrest?" Friaren ergueu a cabeça. "Aquele ducado que acredita ser o centro do mundo?""O mesmo."

Lyara pousou um pequeno pergaminho na mesa."O nome dele é Loras Valcrest, barão menor, mas com muito dinheiro. Ele comprou metade dos contratos de missão das tavernas vizinhas. Está tentando monopolizar os pedidos."Lucius franziu o cenho. "Então é disso que se trata... quer enfraquecer as guildas locais.""Quer enfraquecer você," disse Lyara, olhando fixamente. "A Guilda Caelum está chamando atenção demais. E ele não gosta de ver um garoto de oito anos ter mais respeito que ele."

Lucius ficou em silêncio por alguns segundos, depois soltou um suspiro divertido."Bem, pelo menos estou irritando as pessoas certas."Friaren ergueu uma sobrancelha. "Isso é uma vantagem?""Depende do ponto de vista. Um inimigo poderoso é uma boa medida de sucesso."

Lyara balançou a cabeça. "Um dia, sua confiança vai ser sua queda.""Talvez," respondeu ele, sorrindo, "mas hoje, ela é só meu charme."

Enquanto isso, no andar de baixo, o barman limpava copos quando Kael entrou discretamente, o manto escuro cobrindo parte do rosto."Lucius está lá em cima?""Está," respondeu o barman. "Parece preocupado."Kael encostou-se no balcão, olhando para o brasão dourado."Ele tem razão pra estar."O homem franziu o cenho. "Sabe de algo?"Kael assentiu. "O barão Loras contratou um grupo de mercenários de fora. Chamam-se As Espadas Negras. Gente acostumada a matar, não a negociar."O barman se calou, o pano parando no ar. "E eles vêm pra cá?""Já estão aqui."

Mais tarde, Lucius e Friaren foram informados.Kael espalhou um mapa sobre a mesa, indicando pontos vermelhos com precisão cirúrgica."As Espadas Negras chegaram esta manhã. Estão hospedados na antiga casa de comércio do norte. Vinte homens no total, talvez mais.""Motivo?""Oficialmente? Nenhum. Extraoficialmente? Sabotagem. Vão tentar criar confusão, destruir reputações e provocar brigas."

Friaren apoiou o queixo na mão. "É uma tática bem humana."Lucius a olhou de lado. "Diz isso como se não fosse um.""Às vezes me esqueço," respondeu ela, com um leve sorriso.

Lucius se inclinou sobre o mapa. "Kael, quero você e Rogan observando os arredores. Nenhuma ação direta, apenas vigilância. Lyara, mantenha as gêmeas e os aprendizes no pátio interno. Se eles quiserem provocar, nós reagiremos com disciplina.""Você vai esperar?" perguntou Lyara.Lucius respondeu, com um olhar sereno e firme:"Não se reage a sombras com medo. Espera-se que mostrem o rosto — e então, a luz as consome."

Naquela noite, quando o salão da guilda já estava quase vazio, Friaren encontrou Lucius sentado sozinho no terraço.O luar refletia em seus cabelos prateados, e o brasão da guilda brilhava ao fundo.

"Você está pensando em lutar," disse ela, sem rodeios.Lucius não respondeu de imediato."Não quero lutar," murmurou ele, "mas quero mostrar que nem tudo pode ser comprado com ouro."Friaren o observou."E se ele não entender com palavras?"Lucius sorriu de lado. "Então o ensinaremos com ações."

Ela sentou-se ao lado dele, o vento balançando os fios brancos de seu cabelo.Por alguns minutos, ficaram apenas em silêncio — o tipo de silêncio confortável que existe entre pessoas que se entendem sem precisar de palavras.

Enquanto isso, nas sombras da cidade,um homem de capa vermelha observava o brasão da Guilda Caelum à distância.Seus olhos eram frios, e um sorriso torto se formou sob a barba curta.

"Caelum, hein?" murmurou."Veremos quanto tempo dura o brilho dessa estrela."

O som do vento apagou a tocha mais próxima.E a noite engoliu o sorriso.

...

A manhã seguinte trouxe um céu pesado.As nuvens estavam baixas, prenunciando chuva — e, como se refletissem o clima da cidade, um ar de inquietação pairava sobre Varnen.

Na praça central, uma confusão começava a se espalhar.Um grupo de mercadores gritava acusações, e o nome da Guilda Caelum era citado entre insultos."Eles roubaram suprimentos!""Prometeram proteção e fugiram!"

Mas quem estava ali desde o início via algo estranho: nenhum membro da Caelum sequer havia aparecido.

Dentro da guilda, Lyara empurrou as portas com força."Eles estão tentando manchar nosso nome," disse, ofegante. "Homens das Espadas Negras foram vistos pagando bêbados pra gritar aquelas mentiras!"

Lucius, sentado à mesa principal, não pareceu surpreso.Ele ergueu o olhar lentamente, os olhos dourados refletindo calma."Primeiro, eles atacam a reputação. O passo seguinte é provocar violência.""E o que faremos?" perguntou Friaren, a voz firme.

Lucius se levantou. "Nada... por enquanto."Lyara o encarou incrédula. "Nada? Eles estão manchando a Caelum!""E quanto mais gritarem, mais se revelarão. As sombras não suportam a luz por muito tempo."Friaren esboçou um pequeno sorriso. "Você planeja deixá-los tropeçar sozinhos.""Algo assim."

Enquanto isso, Kael e Rogan, o guerreiro de meia idade, observavam de um beco próximo.Ambos vestiam mantos discretos, e o símbolo da guilda estava oculto.

"Três deles ali," murmurou Kael, indicando discretamente com o queixo. "Pagando os bêbados. O quarto está atrás, observando as reações da multidão."Rogan cruzou os braços. "Quer intervir?""Lucius mandou apenas observar. Mas se passarem do limite...""Eu finjo que não ouvi o resto da frase," respondeu Rogan, com um meio sorriso.

Kael desapareceu nas sombras, um passo silencioso de cada vez.Minutos depois, o homem que observava da retaguarda tropeçou repentinamente — o bolso com moedas sumira.O ladrão olhou ao redor, confuso, sem perceber que, do alto do telhado, Kael observava com os olhos faiscando roxo.

"Você joga com ouro," murmurou Kael, "mas eu jogo com silêncio."

De volta à guilda, Friaren observava Lucius conjurar pequenas esferas de luz dourada.Elas se moviam lentamente pelo ar, pousando sobre um cristal azul."O que está fazendo?""Reforçando o selo da guilda. Quero garantir que nenhuma magia de espionagem consiga atravessar."Ela cruzou os braços, admirando o controle dele. "Seu domínio aumentou."Lucius sorriu. "Depois que usei parte da energia de alma guardada pra te ajudar, percebi que minha própria alma ficou mais limpa. Acho que doar poder não é perda... é lapidação."Friaren o olhou de lado, tranquila. "Você tem ideias estranhas sobre força.""É que eu cansei de medir força pelo quanto se toma dos outros. Prefiro medir pelo quanto posso dar sem me quebrar."

Ela suspirou com leveza. "Ainda assim, espero que não me ultrapasse tão cedo.""Já ultrapassei," respondeu ele, sorrindo provocativamente.Friaren pegou uma pena da mesa e jogou nele. "Pretensioso.""Confiante," corrigiu."Pretensioso e pequeno."Lucius riu. "Ei, eu tenho oito anos, o crescimento ainda tá em andamento."

Horas depois, Rogan voltou do reconhecimento com notícias novas."Eles tentaram subornar um dos nossos atendentes. Queriam acesso à lista de missões e nomes dos clientes. Ele recusou, como ordenado.""E depois?""Levaram-no pra um beco e o espancaram."

O salão inteiro silenciou.Lyara cerrou os punhos, o olhar frio.Friaren ergueu-se lentamente, a expressão serena desaparecendo.Lucius, no entanto, apenas inclinou a cabeça.

"Está vivo?""Sim. Machucado, mas vai se recuperar."Lucius ficou em silêncio por um instante — e quando falou, sua voz estava gelada, mas controlada.

"Então é hora de mudar o tabuleiro."

Ele olhou para Kael."Quero que espalhe rumores — mas verdadeiros desta vez. Que a Guilda Caelum está investigando mercenários corruptos agindo sob ordens de nobres. E que pagaremos bem por informações."

Kael assentiu com um leve sorriso sombrio. "Verdade é o melhor veneno. Ninguém sabe como lidar com ela."

Lucius então olhou para Lyara e Friaren."Vocês duas vão coordenar as patrulhas noturnas. Friaren, use sensores de mana. Lyara, treine os aprendizes em formação defensiva. Quero a guilda pronta pra qualquer ataque — físico ou mágico."

Friaren cruzou os braços. "Então agora vamos reagir?""Vamos nos preparar," corrigiu ele. "Quem age sem pensar cai primeiro. Nós vamos observar... e escolher o momento certo pra expor as Espadas Negras."

Três noites depois, o primeiro confronto veio.Dois membros das Espadas Negras tentaram incendiar o depósito de suprimentos da guilda.Mas quando atravessaram o portão, foram recebidos por Lyara — em silêncio, com a lança apoiada no chão, olhos dourados brilhando sob a luz da lua.

"Escolheram o lugar errado pra morrer," disse ela.

Em menos de um minuto, o confronto terminou.Os dois foram deixados vivos, amarrados na entrada da cidade, com o símbolo da Caelum marcado sobre o peito — um lembrete silencioso:A Guilda Caelum não se curva.

No dia seguinte, Varnen inteiro falava sobre o incidente.E, pela primeira vez, os boatos mudaram de direção.As Espadas Negras haviam perdido o controle da narrativa.

No escritório da guilda, Lucius olhava pela janela, o olhar distante."Eles recuaram por agora," disse Kael."Recuaram," respondeu Lucius, "mas não desistiram. O barão Loras vai querer respostas."Friaren aproximou-se. "Então o que fazemos?"Lucius sorriu levemente."Esperamos ele vir até nós. E quando o fizer, não deixaremos dúvidas sobre quem comanda essa cidade."

O brasão da Guilda Caelum brilhava na parede — sete elementos girando em torno de uma espada erguida.E, do lado de fora, os ventos da mudança sopravam outra vez.

...

O sol de fim de tarde tingia Valen de dourado quando um comboio de carruagens negras parou diante da Guilda Caelum.O brasão nas portas — uma torre prateada envolta por serpentes — denunciava o visitante antes mesmo que os guardas gritassem o nome.

Barão Loras Valcrest.

Lucius estava no segundo andar, observando pela janela."Ele veio rápido," murmurou Friaren, ao seu lado.Lucius deu de ombros. "Quando um rato perde o queijo, ele sempre corre pra ver quem pegou."Ela riu suavemente. "E o que vai fazer agora?""Ser educado," respondeu o garoto, sorrindo com ironia. "Nada irrita um nobre tanto quanto educação sincera."

A porta principal se abriu com estrondo.O barão entrou, seguido por quatro guardas de armadura polida.Era um homem de meia-idade, o cabelo escuro penteado para trás, e o olhar frio — daqueles que já mandaram matar sem precisar sujar as mãos.

"Então é aqui que o pequeno herói se esconde," disse ele, a voz carregada de desdém.Lucius desceu calmamente os degraus, mãos nos bolsos, olhar tranquilo."Bem-vindo à Guilda Caelum, Barão Valcrest. O senhor prefere chá ou vinho?"

O barão piscou, confuso pela falta de medo no garoto."Você é Lucius?""O próprio. E o senhor é o homem que manda criminosos sujar o nome dos outros, não é?"

Os guardas se mexeram imediatamente, mas o barão levantou a mão."Ousado," disse ele, sorrindo. "Mas imprudente."Lucius deu um meio sorriso e se sentou à mesa central."Depende do ponto de vista. Alguns chamam de coragem, outros de loucura. Mas sinceramente... o que o traz aqui, Barão?"

Loras o encarou por alguns segundos antes de falar:"Seja direto. Está interferindo em negócios que não entende. Essa cidade tem donos, garoto. Eu apenas mantenho a ordem. Se continuar se intrometendo, a próxima caravana de suprimentos da sua guilda pode não chegar inteira."

Lucius apoiou o queixo sobre a mão."Interessante. Porque as últimas duas caravanas da sua casa chegaram com menos guardas do que o normal. Parece que alguém desviou homens para... digamos, 'missões não registradas'."

O barão ficou imóvel.Friaren, parada na escada, observava tudo com um olhar paciente — quase curioso.

"Você está me ameaçando, garoto?""Não," respondeu Lucius calmamente. "Estou só informando que sei."

O silêncio pesou.O barão deu um passo à frente, inclinando-se sobre a mesa."Ouça com atenção. Pode ser prodígio, mas ainda é só uma criança. O mundo dos adultos é feito de compromissos e poder. Se for inteligente, vai se juntar a mim. Posso fazer sua guilda crescer. Dinheiro, influência, proteção."

Lucius ergueu os olhos — e, por um instante, a aura ao redor dele mudou.Um leve tremor percorreu o chão, quase imperceptível, como se o ar pesasse.

"E em troca?""Lealdade," respondeu o barão. "E silêncio."

Lucius então sorriu — um sorriso calmo, mas gélido."Lealdade sem honra é apenas submissão. E silêncio... é para quem teme falar."Ele se levantou, e os guardas instintivamente recuaram meio passo.

"Barão, se veio aqui pra negociar, saiba que não há preço pra liberdade.Mas se veio pra ameaçar, recomendo escolher bem as palavras — ou a próxima vez que vier, talvez precise pedir permissão para entrar."

O barão estreitou os olhos.Por um instante, o ódio puro cruzou seu rosto.Mas ele recuou, rindo baixo.

"Você é arrogante. E arrogância é a primeira virtude dos mortos precoces."Lucius inclinou a cabeça. "Então espero viver o bastante pra te provar o contrário."

O barão virou-se e saiu, o som das botas ecoando pelo salão.Os guardas o seguiram em silêncio, e as portas se fecharam com estrondo.

Friaren desceu as escadas, cruzando os braços."Você realmente gosta de provocar pessoas perigosas, não é?"Lucius deu de ombros. "Provocar? Eu só ofereci chá.""Com veneno nas palavras.""Melhor veneno do que medo."

Ela riu de leve, depois ficou séria."Ele não vai esquecer isso.""Nem eu," respondeu Lucius, olhando pela janela.

Lá fora, o comboio do barão desaparecia entre as ruas.Mas, por um breve momento, Lucius sentiu o olhar dele retornar — frio, calculado, como se dissesse "eu voltarei."

No andar de cima, Rheon observava de uma janela, os olhos sombrios brilhando sob a penumbra."Quer que eu siga ele?"Lucius negou com a cabeça."Não. Ele vai agir por orgulho, não por estratégia. Quero ver o que faz quando pensa que está no controle."Rheon assentiu. "Você é mais frio do que parece."Lucius sorriu. "Só aprendi a escolher o momento certo de aquecer o coração."

E assim, ao cair da noite, a Guilda Caelum permanecia em silêncio.Mas sob esse silêncio, uma guerra invisível começava — uma guerra de influência, orgulho e poder.

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