[Pensando bem, não é sem motivo que o Ruivo Shanks tenha deixado Uta para trás.]
[Afinal, ela tinha causado aquele acidente.]
[Ainda assim, não foi certo que Shanks tomasse essa decisão sem consultar Uta.]
[Se fosse eu, teria ajudado Uta a carregar esse peso desde criança.]
[E, quando crescesse, dividiríamos esse fardo juntos.]
[Jamais deixaria esse incidente ser motivo para me separar dela.]
[Ora, que tipo de pai abandonaria a própria filha?]
[Espera… por que estou tratando Uta como filha?]
[Isso não está certo. Se for para pensar assim, Uta deveria estar no lugar de esposa.]
[Ela canta, dança, é gentil e bondosa. Tirando o fato de não conhecer a verdade, Uta é cheia de qualidades.]
[Uma mulher assim é, sem dúvida, uma candidata perfeita a esposa.]
— Bah! Quem quer ser sua esposa?! — resmungou Uta, ruborizada, xingando Victor em pensamento.
Mas logo encarou a nova linha no diário, franzindo as sobrancelhas:
— Então Shanks me abandonou porque eu "causei um acidente"?
Tentou se lembrar de algo nos dias com Shanks… mas nada vinha à mente que justificasse o abandono.
— O que está acontecendo? Esse Victor não consegue explicar direito? — murmurou, emburrada, encarando o diário.
[Melhor anotar, para não esquecer sobre Uta.]
[Quando criança, Uta viajou com os Piratas do Ruivo até Elegia, a Capital da Música.]
[Lá, o poder da sua Akuma no Mi saiu de controle… e destruiu Elegia.]
[Shanks assumiu a culpa e disse que foi ele quem destruiu a cidade, para que Uta não carregasse o peso da culpa.]
[Ao mesmo tempo, vendo o talento musical dela, entregou-a a um músico da vila de Elegia para que fosse treinada.]
[Shanks queria que Uta tivesse uma vida normal.]
— O quê?! Eu… eu destruí Elegia?! — os olhos de Uta se arregalaram, e ela se levantou apavorada.
Em suas memórias, fora Shanks quem arrasara Elegia… levando o tesouro da cidade.
Isso era completamente diferente do que o diário descrevia.
— Uta… você… como soube que foi você quem destruiu Elegia?! — uma voz familiar soou atrás dela.
Virando-se, Uta viu Gordon, o sobrevivente de Elegia e seu tutor musical por tantos anos.
— Gordon… então é verdade?! Fui eu quem destruiu Elegia?!
— Hã? N-não… você ouviu errado, Uta.
— Não, eu ouvi direito! Você disse claramente que fui eu.
Gordon, diga-me: você sabe de algo?!
— Uta, eu… eu não entendo do que está falando! — Gordon desviou o olhar, incapaz de encará-la.
A reação o traíra; as palavras de Uta o haviam desarmado.
Uta apertou os punhos e disse, firme:
— Gordon, foi a minha Akuma no Mi que saiu de controle. Por isso Elegia foi destruída.
— Shanks apenas quis me poupar da culpa, dizendo que foi ele.
— E por isso me deixou com você, para me treinar como cantora, certo?
As palavras atingiram Gordon em cheio. Ele deu dois passos para trás, surpreso com a clareza dela.
— Não precisa mentir, Gordon. Agora eu me lembrei. — Uta respirou fundo e murmurou.
Diante disso, Gordon soltou um suspiro pesado. Depois de um longo silêncio, disse:
— Então… esse dia finalmente chegou.
— Uta, o que aconteceu em Elegia não foi sua culpa.
— Foi minha culpa.
— Se eu tivesse destruído aquela partitura maldita, que podia invocar demônios, você nunca teria sido usada por ele.
Os olhos de Uta se arregalaram. As pernas fraquejaram, e ela caiu sentada no chão.
— Então… tudo isso é verdade?! — murmurou, chocada.
Ela não tinha lembranças claras daquela noite.
Mas as palavras de Gordon… e sua reação… confirmavam o que estava no diário de Victor.
Naquele instante, Uta acreditou completamente que Victor era mesmo um viajante do tempo — alguém que conhecia passado e futuro.
— Gordon… me conte os detalhes daquela noite, por favor. — disse Uta, com lágrimas nos olhos, mas firme.
Gordon hesitou, franzindo o cenho. Não queria falar sobre aquilo.
Mas, ao ver a determinação no olhar da jovem, não teve escolha senão relatar, ainda que brevemente, como naquela noite o poder da Fruta do Canto de Uta havia perdido o controle.