As sombras que dançavam nas paredes do corredor subterrâneo pareciam mais atentas após o acordo selado. Kethras Vayne, com um gesto suave de mão, fez surgir uma caixa retangular de ébano com intrincados entalhes prateados que pairavam no ar como constelações flutuantes.
"Como membro das Lâminas do Crepúsculo, mesmo que em termos… especiais," disse ele, abrindo a caixa com um movimento calculado, "você receberá nosso uniforme e insígnia."
Bryan observou enquanto Kethras retirava delicadamente o conteúdo: um traje negro com detalhes em prata enluarada, tecido que parecia absorver a própria luz ao redor. Ao contrário dos uniformes ostentosos da Alvorada Arcana ou das vestes carregadas de símbolos dos Punhos de Aço, este era elegantemente discreto – projetado para não chamar atenção, mas impor respeito quando necessário.
"O tecido é imbuído com propriedades de dissimulação mágica," explicou Kethras. "Não é invisibilidade, mas dificulta que olhos desatentos o fixem por muito tempo. Útil para quem prefere trabalhar nas sombras."
Junto ao uniforme, uma insígnia prateada em forma de lâmina cruzando uma lua crescente.
"Use-a apenas quando necessário. Entre nós, ela é reconhecimento suficiente."
Bryan aceitou os itens com um aceno contido. Não havia gratidão em seu gesto – apenas aceitação pragmática de ferramentas úteis para seus propósitos.
"A arena de treinamento da facção fica acessível pelo corredor leste do terceiro andar da Ala Sul. Apresente sua insígnia ao selo arcano na parede entre as duas estátuas de espadachins. Estará disponível para você até a meia-noite de hoje, caso queira explorar suas instalações."
Bryan assentiu, já calculando como incorporaria esse novo recurso em sua rotina.
"Agora," finalizou Kethras, "sugiro que use o portal de retorno. Ele o levará diretamente ao corredor próximo aos dormitórios E, sem passar pelos setores mais movimentados da Academia."
Com o pacote contendo seu novo uniforme firmemente seguro sob o braço, Bryan emergiu do portal discreto próximo à ala dos dormitórios. Seu rosto não demonstrava emoção, mas sua mente calculava rapidamente os próximos passos.
Foi então que uma lembrança surgiu – o projeto da armadura personalizada, seu prêmio como campeão do torneio da Classe E-1. Precisava entregá-lo ao Ferreiro-Mestre antes que o prazo expirasse.
Bryan mudou sua rota, dirigindo-se às forjas da Academia. A cada passo, sentia os olhares dos outros estudantes – alguns curiosos, outros invejosos, muitos temerosos após os rumores sobre o duelo com Kyle Trevane.
As Forjas Imperiais ocupavam um setor separado da Academia – um complexo semicircular de pedra vulcânica, onde chaminés eternamente acesas expeliam fumaça multicor carregada de resíduos mágicos. O calor aumentava progressivamente conforme Bryan se aproximava da entrada principal, um portal de ferro talhado com runas de resistência e proteção contra fogo.
O interior revelava um espaço amplo e impressionante: fornalhas mágicas crepitavam com chamas de cores impossíveis, bigornas de metais raros alinhavam-se contra paredes revestidas de ferramentas ancestrais, e aprendizes corriam transportando lingotes encantados e peças parcialmente forjadas.
"Ferreiro-Mestre?" chamou Bryan, mantendo-se próximo à entrada principal.
Por alguns instantes, apenas o som rítmico de martelos e o assobio de metais resfriando em tanques de líquidos mágicos preencheram o ambiente. Então, de uma sala lateral, emergiu uma figura inusitada.
Era um homem de baixa estatura, não mais que 1,60m, mas com um tronco largo como um barril e braços que pareciam troncos nodosos de carvalho antigo. Sua barba branca abundante cobria quase todo o peito, trançada em alguns pontos com contas metálicas que tilintavam suavemente a cada movimento. Os olhos, de um azul tão claro que beirava o branco, contrastavam violentamente com a pele curtida pelo calor constante das forjas.
"Quem me chama enquanto trabalho?" trovejou a voz rouca, surpreendentemente potente para alguém de sua estatura.
Bryan se aproximou com respeito calculado. "Bryan Blake. Campeão do torneio da Classe E-1. Vim entregar o projeto para minha armadura personalizada."
Os olhos claros do ferreiro se estreitaram, examinando-o de cima a baixo como se avaliasse a qualidade de um metal desconhecido.
"Ah, sim. O novato que causou alvoroço." O velho ferreiro coçou a barba, deixando partículas luminescentes flutuarem no ar. "Sou Grunthir Forjaférrea, Mestre das Forjas há sessenta e três ciclos." Estendeu as mãos e disse . "Mostre-me o que tem em mente, rapaz."
Bryan ativou seu dispositivo digital, projetando no ar o design tridimensional da armadura que havia concebido. Era uma peça impressionante: linhas fluidas mas ameaçadoras, placas sobrepostas que ofereciam flexibilidade sem comprometer proteção, e um capacete com visor horizontal estreito que lembrava a face de um predador noturno. Detalhes em vermelho-sangue contrastavam com o metal negro principal, como veias pulsantes sobre obsidiana.
Grunthir circulou a projeção, coçando a barba pensativamente. Seus olhos analisavam cada conexão, cada junta, cada detalhe funcional.
"Interessante…" murmurou, parando para examinar particularmente o sistema de encaixe nas costas, projetado para acomodar armas diversas. "Design agressivo, mas eficiente. Reminiscente de certas armaduras de assassinos sombrios do Norte, mas com elementos de flexibilidade que me lembram os caçadores élficos."
Ele tocou em alguns pontos da projeção, ampliando detalhes.
"Materiais específicos em mente?"
"Obsimetal para a estrutura principal," respondeu Bryan sem hesitação. "Reforço interno de tecido de Sombra-Trama nas áreas de movimento."
O ferreiro assoviou em apreciação relutante. "Ambicioso para um novato. Obsimetal é raro e temperamental. Absorve luz e calor, tornando-se praticamente invisível em sombras profundas."
Bryan apenas assentiu, consciente das propriedades do material que escolhera.
Grunthir continuou analisando, murmurando para si mesmo ocasionalmente, até finalmente dar um tapa na coxa robusta e se endireitar.
"Quatro a seis dias," declarou com finalidade. "Armaduras Rank A não são como espadas comuns que se forja entre o café da manhã e o almoço. Precisarei canalizar mana específica em cada placa, temperar o metal com encantamentos de resistência…"
Bryan assentiu. "Compreensível."
"Voltarei ao trabalho então," resmungou Grunthir, já se virando. Parou por um momento, olhando sobre o ombro. "Não costumo dizer isso, rapaz, mas… design impressionante. Poucos novatos entendem tanto sobre equilíbrio funcional numa armadura."
Bryan não sorriu, apenas inclinou levemente a cabeça em reconhecimento antes de se retirar das Forjas Imperiais.
De volta ao seu dormitório, Bryan checou o dispositivo digital: ainda havia tempo suficiente antes do anoitecer. Perfeito para explorar as instalações de treinamento das Lâminas do Crepúsculo antes que a maioria dos estudantes as utilizasse.
Desempacotou o uniforme da facção, examinando-o minuciosamente antes de vesti-lo. O tecido se ajustou ao seu corpo com precisão inquietante, como se tivesse sido costurado especificamente para ele. Não era apenas confortável – movia-se como uma segunda pele, sem restrição alguma aos movimentos mais extremos.
Ao prender a insígnia no peito, sentiu uma leve vibração percorrer o uniforme inteiro, como se o metal reconhecesse o tecido. Por um instante fugaz, sua imagem no espelho pareceu ondular, os contornos suavemente distorcidos antes de retornarem ao normal.
"Então é assim que funciona," murmurou para si mesmo, testando diferentes ângulos. A iluminação padrão do quarto não revelava nada especial, mas ao posicionar-se nas sombras parciais próximo à janela, notou como os contornos de seu corpo pareciam fundir-se sutilmente com a penumbra.
Não era invisibilidade – era algo mais sutil e, em certos aspectos, mais eficaz. Era o dom de parecer… irrelevante ao olhar casual.
Satisfeito com a nova aquisição, Bryan ajustou suas armas sob o uniforme e preparou-se para sair.
Enquanto isso, na sala de treinamento privativa da Alvorada Arcana, um ambiente elegante decorado com cristais arcanos flutuantes e tapeçarias mágicas animadas, Hanna Velmira acabava de entrar. Seus cabelos dourados, normalmente perfeitamente arrumados, mostravam sinais sutis de desalinho. Seus olhos, habitualmente frios e focados, agora pareciam ligeiramente distraídos.
"Então?" A voz de Selene cortou o ar como uma navalha velada em seda. "Conseguiu recrutá-lo?"
Hanna, ao perceber a presença da superior, quase tropeçou nos próprios pés. Uma reação completamente atípica para alguém conhecida por sua compostura impecável em todas as situações.
"N-não," respondeu, odiando-se instantaneamente pelo gaguejar involuntário. Seu rosto começou a adquirir um tom rosado que se espalhava rapidamente pelo pescoço.
Selene ergueu uma sobrancelha perfeitamente delineada. Em seus mais de dois anos como Segunda Arcana da facção, jamais tinha visto Hanna Velmira – a prodigiosa, fria e orgulhosa Hanna – reagir daquela maneira.
"Hanna," disse pausadamente, abandonando a poltrona onde estivera estudando e aproximando-se com passos medidos. "O que aconteceu?"
Hanna engoliu em seco, recompondo-se com esforço visível. "Ele… tem muitos rivais em nossa facção. Tentei barganhar com ele, mas mesmo assim ele recusou."
Selene estudou-a como quem examina um pergaminho cujas runas não fazem sentido imediato. "Entendo," disse lentamente. "E fora isso, aconteceu algo mais? Você ficou mais de uma hora sem responder minhas mensagens."
O rubor nas faces de Hanna intensificou-se.
"Meu dispositivo estava no modo silencioso," respondeu apressadamente. "Depois que ele recusou, fui à biblioteca central pesquisar sobre técnicas de persuasão arcana para futuros recrutamentos. Sabe como o tempo parece diferente naquele lugar… as dimensões internas alteram a percepção temporal."
A mentira era elaborada o suficiente para ser plausível – a biblioteca central da Academia realmente tinha propriedades espaciais peculiares que distorciam a percepção de tempo de quem a utilizava. Mas Selene conhecia Hanna bem demais para não notar os sinais: o modo como ela evitava contato visual direto, o movimento nervoso de seus dedos ajustando repetidamente uma mecha de cabelo, a postura defensiva.
"É mesmo?" perguntou Selene, inclinando levemente a cabeça. "Curioso. Passei pela biblioteca há cerca de quarenta minutos e não a vi em nenhum dos salões principais."
Hanna sentiu o estômago afundar.
"Estava na Seção Restrita," emendou rapidamente. "Acessei com minha autorização de Ranking A. eu estava pesquisava alguns tomos de persuasão mental avançada."
Selene apenas sorriu – aquele sorriso calculado que não alcançava seus olhos astutos.
"Claro. Sempre dedicada aos interesses da Alvorada."
Enquanto Hanna se afastava para juntar-se a outros membros da facção no lado oposto da sala, Selene a observava pensativamente.
Ela está escondendo algo… e tenho uma suspeita muito clara do que seja. Esse novato Blake é mais perigoso do que imaginávamos – e não apenas por suas habilidades de combate.
Selene fez uma nota mental para observar Hanna mais de perto nos próximos dias. Relacionamentos pessoais entre membros de facções potencialmente rivais sempre foram complicados na Academia Imperial. E se suas suspeitas estivessem corretas, isso poderia se tornar um problema significativo para a Alvorada Arcana.