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Chapter 23 - Capítulo 23 — O Lugar de Criar Cadáveres, a Vila do Lago Espelhado

"Obrigada, Vovó Sha." O avô, aliviado ao ver Chen Shi acordar, soltou um suspiro de alívio.

A velha largou o estranho instrumento que segurava e riu roucamente:

"Velho Chen, somos da mesma família, não precisa agradecer. Se não fosse pelo seu refino de Água e Fogo, só com meu feitiço de evocação de almas, eu jamais conseguiria trazê-lo de volta do Mundo dos Mortos. E mesmo que conseguisse, o corpo já estaria apodrecido."

O avô dispersou a esfera de água e fogo que flutuava sobre sua cabeça, olhou para Chen Shi e perguntou:

"Xiao Shi, como se sente? O peito ainda dói?"

Chen Shi tentou falar, mas sua garganta estava seca e áspera — nenhum som saiu.

"Ele ficou morto por sete dias, o corpo já estava completamente frio. Conseguir puxá-lo de volta no sétimo dia já é um milagre."

A velha se aproximou, abriu a boca de Chen Shi e espiou lá dentro.

"Os músculos da garganta estão frouxos. Ainda não consegue falar. Quando o corpo aquecer e ele se acostumar novamente com... a carcaça, vai conseguir."

"É corpo, não carcaça." o avô a corrigiu.

"Ah, dá no mesmo, dá no mesmo."

A velha sorriu, os olhos se estreitando até quase desaparecerem.

"Velho Chen, sua técnica é formidável. Esse seu Refino de Água e Fogo é de dar inveja. Um método usado para alcançar a transcendência corporal, e você o aplicou nesse menino... heh heh... Já que ajudei a salvar seu neto, que tal me ensinar esse Refino de Água e Fogo?"

O avô ficou imediatamente em alerta e balançou a cabeça.

"Pedi sua ajuda e paguei por isso. Mas meus dias estão contados. Se a senhora aceitar ser a madrinha de Xiao Shi, passarei o Refino de Água e Fogo completo para você."

"Ser madrinha do Xiao Shi?"

A expressão da velha mudou na hora. Olhou para o garoto deitado na cama e hesitou.

"Ser madrinha dele...? Receio que minha vida não seja forte o bastante pra aguentar isso... Quer apostar? Heh heh... não, eu não ouso!"

Sua voz tremeu, quase chorando.

"Velho Chen, está tentando empurrar essa batata quente antes de morrer? Está com medo também, não é? Eu não ouso aceitar tamanha fortuna! Tenho medo de não aguentar e acabar me tornando uma pecadora..."

Dizendo isso, perdeu o controle e começou a chorar alto.

Deitado na cama, Chen Shi olhava confuso.

"Por que ela está chorando? E por que diz que se tornaria uma pecadora?"

Algum tempo depois, Chen Shi já conseguia falar — pediu água.

A velha deu-lhe um pouco e logo começou a enxotar o avô, que, com cuidado, colocou o neto ainda incapaz de se mover na carroça.

A velha, então, começou a chorar de novo, emocionada.

"Velho Chen! Quando morrer, não leve o Refino de Água e Fogo pro túmulo!"

Entre lágrimas, disse:

"Passe pra mim! Eu juro que visto luto e choro por você como se fosse sua própria filha!"

O avô respondeu sem levantar a cabeça:

"Então seja madrinha do Xiao Shi."

"Nem pensar!"

A velha recusou na hora.

"Leve o Refino de Água e Fogo pro túmulo, se quiser! Eu mesma vou cavar sua cova depois!"

Os talismãs da carroça começaram a brilhar, e o veículo se moveu lentamente.

O cachorro Preto seguiu alegremente à frente, trotando.

Deitado sobre o balanço da carroça, Chen Shi observava o vilarejo ficando para trás.

Tudo ali lhe parecia estranho — ele nunca viera àquele lugar durante o Festival da Lua.

"O avô e a vovó Sha parecem bem próximos... e ela até me chama pelo meu nome de infância, Xiao Shi. Então... ela me conhece há muito tempo."

Chen Shi piscou.

Talvez já tivesse estado ali antes — só não se lembrava.

"Piu! Piu! Piu!"

O avô assobiou para o cachorro. O animal olhou para trás, confuso com o caminho diferente que tomavam, mas logo correu animado até a carroça.

"Não voltaremos à Vila Huangpo. Vamos a outro lugar." disse o avô. "O corpo de Xiao Shi ainda está frio, o sangue não circula direito. Vamos a um lugar de yin profundo — o Terreno de Criação de Cadáveres — para deixá-lo lá por dois dias."

O cachorro assentiu com seriedade e voltou a guiar o caminho.

A voz de Chen Shi era fraca, mas esforçou-se para dizer:

"Preto... obrigado."

O cachorro se sobressaltou, abanou o rabo e seguiu.

"Este é o vilarejo Gangzi, ao norte das montanhas." explicou o avô. "A velha Sha é uma boa mulher. Quando você nasceu, ela veio ver você, avaliou seus ossos e disse que tinha uma constituição extraordinária. Depois, quando passou em primeiro lugar nos exames provinciais, ela veio parabenizá-lo. Quando você... morreu..."

O avô fez uma pausa, a voz baixa.

"Quando se feriu, ela ficou furiosa. Correu por todo lado tentando um jeito de trazer sua alma de volta. No futuro, quando eu morrer, deixarei para você o manual do Refino de Água e Fogo. Entregue-o a ela, como forma de gratidão."

Ele continuou:

"Ela é alguém leal e sentimental. Se você lhe der o manual, ela vai se lembrar do seu favor e fará de tudo para retribuir. Mesmo que não aceite ser sua madrinha, vai protegê-lo com todas as forças."

Deitado na carroça, ouvindo o som das rodas rangendo, Chen Shi murmurou:

"Vovô não vai morrer."

"Heh."

O avô riu, afagando-lhe a cabeça.

"Bobo... ninguém vive pra sempre. E eu... não posso ficar. Quando a lua nascer, temo não conseguir resistir à fome..."

Caiu em silêncio.

Chen Shi logo mudou de assunto:

"Vovô, o Preto é mesmo um cachorro comum? Como ele conseguiu entrar no Mundo dos Mortos pra me salvar?"

"Você também desconfia dele?"

O avô lançou um olhar sombrio para o cão à frente.

"Eu suspeito há muito tempo... mas nunca peguei nada concreto."

O cachorro sentiu o olhar dos dois e estremeceu.

Viver naquela família era mesmo difícil.

"Por que minha vida de cachorro tem que ser tão complicada?" pensou.

"Eu só queria ser um cachorro normal..."

Guiando o caminho, o Preto levou a carroça por uma trilha de montanha cada vez mais íngreme.

Em certos trechos, o caminho era tão estreito e quebrado que nem humanos poderiam subir — mas a carroça seguia firme, como se o terreno fosse plano.

Depois de muito tempo, chegaram a um vale sereno cercado por montes baixos. No centro, havia um lago profundo e cristalino — tão puro que, visto de cima, parecia um olho gigante: transparente por fora, negro por dentro.

Ao lado do lago erguia-se uma antiga mansão coberta por pinheiros altos que bloqueavam toda a luz do sol. Dentro, reinava uma escuridão densa.

O cachorro espirrou várias vezes — o frio ali era cortante.

Parou diante do portão e não se atreveu a entrar.

Acima da entrada, duas palavras gravadas: "Lago Espelhado."

A Vila do Lago Espelhado.

Chen Shi achou o lugar estranho — não havia mosquitos, nem insetos, nem o canto de um único pássaro.

Tudo estava silencioso demais — um silêncio que dava arrepios.

Debaixo das árvores, ele viu algo ainda mais bizarro: um caixão negro, em pé, encostado no tronco. A árvore era enorme, com casca como escamas de dragão viradas para baixo.

Virou os olhos e viu outro — uma segunda árvore, outro caixão em pé.

Depois um terceiro.

A carroça parou sob uma dessas árvores. Também havia ali um caixão em pé — menor, do tamanho de uma criança.

O avô abriu o caixão, colocou Chen Shi dentro e fechou a tampa.

O estranho era que, apesar do frio ao redor, dentro do caixão o corpo de Chen Shi começou a aquecer. Seu coração voltou a bater — fraco no início, depois mais forte.

E o mais curioso: deitado ali, sentia-se em paz. O medo desapareceu. Era como se aquele lugar lhe fosse familiar.

Acabou adormecendo profundamente.

Quando o avô abriu o caixão, Chen Shi acordou.

O avô tocou sua mão — já estava quente. O coração pulsava firme.

Chen Shi saiu do caixão e moveu os braços e pernas. O corpo estava totalmente recuperado.

"Vovô... eu já estive aqui antes?"

"Sim."

"E da última vez, também deitei neste mesmo caixão pequeno?"

"Sim."

"E também estava ferido assim?"

"Pior. Da última vez... você quase morreu."

Chen Shi pensou um pouco e perguntou:

"Foi depois que fiquei em primeiro lugar nos exames, não foi? Quanto tempo dormi aqui?"

"Sim... por muito tempo." respondeu o avô, voz abafada.

Ele arrumou a carroça e olhou de volta.

Chen Shi fechou a tampa do caixão com cuidado, tratando-o como se fosse outro lar.

Os dois subiram na carroça. Chen Shi olhou em volta — havia oito caixões no total, cada um aos pés de uma árvore.

Não viu nenhum fantasma, mas sentia algo estranho: de alguns caixões emanava uma pressão intensa, como se algo poderoso dormisse lá dentro.

"Este Terreno de Criação de Cadáveres foi encontrado por mim e alguns... conhecidos." explicou o avô, enquanto guiava a carroça.

"Não chega a serem amigos. Apenas pessoas que se conhecem e temem a morte. Como eu. Por isso construímos esta vila. Mantendo o corpo aqui, ele não apodrece. Alguns já não aguentaram esperar — deitaram-se em seus caixões. Mas há regras não escritas que todos devem seguir."

Fez uma pausa.

"Não se deve perguntar sobre a origem dos outros. Não se deve perguntar quem habita qual caixão. Não se deve revelar este lugar a estranhos. E cada visitante pode vir acompanhado de, no máximo, mais uma pessoa. Quem violar essas regras será atacado por todos. Heh... se eles saírem de seus caixões, seria uma visão assustadora."

Chen Shi sorriu.

"Agora entendo por que o Preto não quis entrar."

Quando a carroça saiu da vila, o cachorro correu para perto deles.

Não muito longe, havia outra carruagem — luxuosa e imponente.

Diferente da carroça simples do avô, aquela era toda ornamentada: estrutura de madeira, eixos de bronze, detalhes dourados, joias pendentes e um dossel de seda no topo. Quatro cavalos magníficos puxavam o veículo, cada um com armaduras de ouro e prata.

Um cocheiro segurava as rédeas.

Dentro, estava um homem de aparência nobre — vestia branco como neve, tinha sobrancelhas afiadas e olhos brilhantes. Seu porte era gracioso, de quem nasceu em berço de ouro.

Ao ver o avô e o neto saírem, o homem desceu da carruagem com passos elegantes.

Na cintura, trazia uma espada longa em bainha preta com desenhos em losango, a parte central estreita como a cintura de uma mulher. O punho e a base da bainha eram entalhados em madrepérola — uma peça belíssima.

Ele usava a espada com o punho voltado para baixo, o corpo ereto, o andar firme.

Assim que se afastou da carruagem, os quatro cavalos petrificaram num instante — transformaram-se em estátuas de pedra.

O cocheiro também se converteu em uma figura de barro, com o chicote ainda erguido, como se continuasse guiando os animais.

Chen Shi ficou atônito.

O homem de branco aproximou-se dos dois e curvou-se levemente em saudação.

O avô respondeu da mesma forma.

"Faz tempo que não o vejo, Mestre Chen. Seu vigor continua o mesmo."

"Não mereço tal elogio, Príncipe Xiao. Seu porte elegante é inigualável."

Trocaram algumas gentilezas.

O olhar do Príncipe Xiao pousou sobre Chen Shi. Ele o observou por um instante e elogiou:

"O Refino de Água e Fogo... extraordinário, de fato."

O avô estreitou os olhos, vigilante.

Chen Shi sentiu um arrepio — como se um animal ferido e faminto o observasse.

"Por que o avô... está com vontade de matar de novo?" pensou.

O Príncipe Xiao pareceu perceber a hostilidade, mas não disse nada.

"Agradeço o incômodo." murmurou, antes de seguir em direção à vila.

Chen Shi o acompanhou com o olhar — viu quando o homem parou diante de um grande sarcófago ereto, do tamanho de uma pequena casa. Tinha mais de três metros de altura e quase quatro de comprimento.

O sarcófago estava coberto por talismãs luxuosos, com runas cintilantes que confundiam os olhos.

De repente, a tampa do sarcófago se ergueu sozinha e voou para o lado — seguida por uma segunda, dourada; depois uma prateada; em seguida, uma de ouro puro; e, por fim, uma de jade translúcido.

O Príncipe Xiao entrou calmamente no sarcófago. As tampas voaram de volta, uma por uma, selando-o em camadas — até que tudo se fechou completamente.

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