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Chapter 7 - MOEG’TULLAM

Após a meia-noite, as estrelas acima das brumas perenes eram todas as cores no firmamento, nebulosas, cintilantes, infinitas.

Desceram por elevadores num distrito densamente povoado, com feiras e lojas de portas abertas. 

Maquinários entre os edifícios perdiam vapores, nos sistemas intrincados de adutoras e exaustores. 

O fluxo de alunos aumentava conforme passava da meia-noite, ruas e quarteirões viam-se abarrotados de distintos uniformes. Os olhos de Tíwaz se acostumavam, e percebiam que, apesar de serem dezesseis os territórios em composições de cores, designs diferenciavam os uniformes de acordo com cada cidade da superfície. 

Na floresta de carvalhos no andar trezentos e noventa e sete, depararam-se com aconchegantes chalés. 

As árvores frondosas, de até trinta e oito metros de altura, acompanhavam vias térreas, iluminadas por postes e lampiões a gás, com tubulações enterradas. 

Plantas em vasta quantidade, gauras, losnas e ervas-de-gato, ladeavam as residências nos amplos quintais. 

Janelas de vidros negros eram obrigatórias. 

Yorranna queria ser deixada por último, mas o chalé dela era o mais próximo, assim foi recebida por conhecida serva de idade, e entraram as duas, contra a vontade da jovem. 

Depois de quinze minutos andando, vislumbraram outra morada, semelhante à anterior, em rochas e madeira negra de carvalho, com dois andares, e sistema de calefação antigo, com a chaminé sem dutos para os quartos no segundo andar. 

A mestra entrou primeiro. 

— O que é você, humano? — indagou Moeg'Tullam, após conhecerem os dois andares mobiliados. 

Ao redor, era mais do que Tíwaz nunca teve. 

— O que eu sou? Que quer dizer?

— O sangue, Tíwaz dos Vallensarnov, é a alma do mundo. Ele se revela em diferentes maldições, tendo cada uma delas sete passos, que são os poderes vampíricos. O primeiro passo é sempre o mesmo em toda maldição, a transfiguração corporal, a sede e a recuperação de aura alimentando-se de sangue. Com os passos superiores são infinitas as possibilidades. As brumas carmesins que nos protegem do dia, por exemplo, são o poder de uma só vampira do Séquito. 

Acuado diante da fhauren de longos cabelos prateados, e franja cobrindo os olhos em tom magnólia tornando-se vermelhos, afastou-se, descendo as escadas. 

Tíwaz acendeu a lareira.

O crepitar dos briquetes de madeira, com aroma de sândalo e cipreste, também iluminou os canapés de veludo, em tom vinho como as cortinas, o divã de couro negro, e as estantes com livros e pergaminhos.

— Ainda não descobri minha… maldição. 

— Compreenda, humano. Meus passos me permitem ler pensamentos. — e ele se virou para Moeg'Tullam, assustado, enquanto ela revelava. — Leitura medíocre de runas do norte. Analfabeto no idioma unificado. Algo raro, não compreende sequer um dos hieróglifos. Pensa no pai e não sabe onde ele está, morto talvez? E que péssimo ensinamento sobre as mulheres. Ladrão. Mentiroso. Virgem. E o que aconteceu com os relógios de ouro que você roubou? 

— Os oficiais de Guarnidora devem ter ficado com eles. — Tíwaz foi pego, e resolveu não fingir mais. 

Ela sabia o que ele pensava. 

O menino sentou num dos canapés, encarando aquela figura poderosa retirando o sobretudo. 

Em uniforme militar inteiro negro, apertado. 

Os seios como sinos, largos. 

As coxas fartas, firmes e longas, com a saia, abaixo dos joelhos, incapaz de esconder as formas roliças delineadas no tecido. E coturnos em couro preto.

A mestra tinha pouco mais de dois metros de altura. 

— O que não quer me mostrar? — Moeg'Tullam foi até o transformado e tocou-o na face. Encarando-o, a centímetros de distância. Viu as noites ruins, e todo o sangue. E ele pendurado pelos pés, de ponta-cabeça, torturado. — Humanos, não é? Sua raça é sempre decepcionante. Sinto muito por isso, mas, com seu histórico, vou ter que ir mais fundo. 

— Não tem muito… — e não tinha mesmo. 

Ele entrou em transe, revisitando o passado junto dela. 

A perniciosa vida nas ruas. 

Pedir. 

Dormir ao relento olhando os três anéis de asteroides, contando as estrelas cadentes. 

Sobreviver com o mínimo. 

Brigar e lutar desde cedo. 

Roubar e fugir de vila em vila, de cidade em cidade. 

Toda essa falta o colocava em cenários de desvantagem, o que o forçava a sair de situações de vida ou morte unicamente com a fala. 

Isso criou alguém capaz de fazer concessões, e barganhar como poucos. 

Quando viver depende unicamente de voz, na mira de espada de contrabandista, ameaça de traficante, ou azougue de nobre, evolui-se. 

E ela viu isso nele, pedindo para ler a carta de convocação. 

Ele entregou o pergaminho, e ela, ao notar os pensares dele ansiando saber o que os hieróglifos diziam, recitou:

— Caro conde Alexei Millis Xaria Vallensarnov de Vã Guarnidora, Tíwaz é o mais jovem ladrão em suas instalações. Ele é nosso eleito. Tenha em mente que Tíwaz deve se apresentar junto desses escritos, ainda esse ano, na Árvore Cinzenta. — e foram ditos doze nomes inteiros que somavam mais de cem sobrenomes, os quais o menino nunca ouvira falar. — Descumprindo o ordenar do Séquito das Oráculos, vossas negociações com os supracitados tornar-se-ão públicas. E termina com o selo sagrado da Árvore. Alexei dos Vallensarnov, esse conde que lhe deu o nome é alguém perigoso. Não deve voltar para ele, nunca, entendeu?

Havia algo a mais, que só Moeg'Tullam soube. Escrito em fháurico. Depois de ler e reler, em silêncio, a essa parte omitida do jovem, a Mestra jogou o pergaminho no fogo da lareira. 

— Por que não? — Tíwaz ponderava retornar a Alexei, e talvez extorqui-lo. 

— A inteligência dos maus é equivalente à fortuna deles. E esse Vallensarnov é alguém avaro. Matar-te-ia, e nem perceberias a arma. Acidentes acontecem. E alguns venenos só são encontrados quando procurados. A terra de seu sobrenome falso é a última que teus pés devem tocar. 

— Certo. — ele foi interrompido, e ensinado:

— Sim, minha mestra. É como deve me responder. 

— Ainda insistirá nisso? Não tenho nenhum talento, nada, você viu minhas memórias. 

— Tudo o que você chama de talento é algo advindo de sangue fháurico. Como meu servo, alimentar-te-ei e, se no último ano ainda for o que é hoje, você não terá falhado, eu terei. — a fhauren caminhou até a estante de livros e retirou empoeirado extenso pergaminho. Ao abri-lo, revelaram-se muitas runas, e centenas de hieróglifos em tinta metálica dicromática. — Pegue a caderneta, nanquim, e o bico de pena no escritório. 

— Para quê? — e ele adicionou. — Mestra. 

— Vamos começar as suas aulas. 

— Agora? — conquanto Tíwaz voltou a fitar a fhauren, em pé com o olhar perdido na lareira, ela ouvia-o quase que impolidademente. 

— O que você acha? Está dez anos atrasado em escrita. Ensinar-te-ei a estudar, e suas noites serão despertas quando o sono abandonar-lhe de vez, use-as para o acrisolar literário. Vá, pare de postergar e de me irritar. 

E ele obedeceu, ainda com dificuldade em lembrar onde ficava o escritório da casa. 

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