Ficool

Chapter 20 - Entre a lâmina e o gelo.

O sol já passava do meio-dia quando Kenji deixou a casa de Toshiro. A conversa ainda pesava em sua mente — não pelo tom agressivo, mas pelas verdades que havia escutado. Com os punhos cerrados e o olhar determinado, ele caminhava rápido pela estrada de terra, os pés chutando pequenas pedras e poeira a cada passo. Havia uma urgência em seu peito. Não podia enfrentar tudo aquilo sozinho, mesmo que seu corpo gritasse o contrário.

O céu claro contrastava com a inquietação que crescia dentro dele. Os pássaros pareciam calados, como se sentissem a mesma tensão que ele. A vila estava mais silenciosa que o normal — poucos moradores passavam, e os que passavam pareciam ansiosos, andando rápido, evitando contato visual.

Assim que cruzou a antiga ponte de pedra no fim da trilha principal, virou à esquerda, em direção ao terreno alto, sabendo que Ryota costumava passar as tardes por ali quando não estava no hospital. Caminhou até o fim da subida, onde o vento batia mais forte, e seu coração se apertou de repente.

Ryota não estava descansando sob a sombra das árvores como de costume. O chão estava marcado por pegadas pesadas e profundas — não humanas. Kenji se aproximou, ajoelhando-se, e tocou o solo.

— Isso é... recente.

Um arrepio percorreu sua espinha. Sem pensar duas vezes, seguiu os rastros que desciam a pequena ladeira atrás da encosta, onde o terreno levava a uma área mais afastada — uma fazenda nas proximidades da vila.

 

Enquanto isso, Ryota já estava mais adiante. Seus passos leves o levaram até o topo de uma elevação próxima, de onde podia ver a parte traseira da propriedade rural. O cheiro de sangue fresco e madeira queimada pairava no ar como uma névoa invisível, tornando sua respiração pesada. Ele desceu com cuidado, escorregando levemente pelo barranco de terra seca, até alcançar uma cerca quebrada onde pôde se esconder e observar.

A fazenda, antes viva e pacata, agora era um campo de destruição. Carcaças de gado estavam espalhadas pelo pasto, algumas ainda fumegando como se tivessem sido atingidas por magia infernal. O celeiro fora parcialmente destruído, o telhado caído em partes, e as portas arrancadas dos gonzos. O solo lamacento estava coberto por pegadas monstruosas e riscos fundos de uma lâmina arrastada.

O minotauro — um ser de mais de dois metros, com corpo musculoso coberto por pelos escuros e um par de chifres curvados — se movia com fúria latente. Carregava um machado quase tão grande quanto ele, a lâmina ainda pingando sangue. Caminhava lentamente em direção a um homem caído perto do curral — o fazendeiro. Estava vivo, mas ferido gravemente, com um corte profundo no abdômen. Tentava se arrastar, com a mão ensanguentada estendida em direção a uma enxada quebrada.

Perto dali, atrás de um monte de feno, estavam escondidas a esposa do fazendeiro e duas crianças. A mulher tremia, cobrindo a boca do filho menor para impedir que chorasse, enquanto a menina agarrava sua perna com os olhos arregalados de medo. O desespero pairava como um peso invisível no ar.

Então, um estalo. Um leve rangido de madeira sob o peso do monstro.

O minotauro parou. Sua respiração pesada se intensificou. Ele virou a cabeça lentamente em direção ao monte de feno.

Um sorriso surgiu em seus lábios grotescos.

Mas antes que desse o próximo passo, uma presença fria cortou o ar como uma lâmina invisível.

— Se você der mais um passo... eu congelo até sua alma — disse Ryota, saindo de trás da cerca, as mãos envoltas por uma neblina gelada.

O monstro se virou com um rugido furioso, batendo o machado contra o chão, fazendo a terra tremer.

Os olhos de Ryota brilharam num tom cristalino. O chão abaixo dele começou a se transformar em gelo, avançando lentamente como se tivesse vida própria. O ar ao redor se tornou cortante. Os flocos de gelo surgiam no céu claro, girando ao seu redor em espiral.

Era como se todo o campo tivesse mergulhado num inverno repentino.

O minotauro avançou um passo, e a grama sob seus cascos congelou instantaneamente.

Ryota cerrou os punhos.

— Queime... na fúria do gelo ardente.

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