Ficool

Chapter 6 - SUSPEITAS

Mal recebera a carta com a inquietante resposta, Alberto foi urgentemente chamado a certa cidade para resolver negócios particulares de seu pai. O jovem estava quase convencido de que o desaparecimento de seu irmão tinha relação com o de Clarence. Embora ambos se ignorassem em vida, havia uma ligação íntima a uni-los na morte.

Não tinham ambos recebido um besouro nas vésperas do trágico acontecimento? Um besouro cujo nome parecia anunciar a forma como as pobres vítimas terminariam seus dias? E ambos possuíam cabelos vermelhos, vermelhos como fogo... Às vezes, Alberto pensava que tudo aquilo era apenas tolice, uma mera coincidência. Afinal, que laço poderia existir entre dois rapazes que nem se conheciam? Apenas a mesma cor de cabelo, nada mais... De qualquer modo, decidiu compartilhar suas desconfianças com o Inspetor Pimentel.

O policial ouviu a história com atenção. — Meu caro, disse ele, tenho a impressão de que você está enganado... Ficou pensativo e divagou:— A menos que estejamos lidando com algum louco, pois apenas um cérebro enfermo poderia conceber algo assim. — A verdade é que até agora não adiantamos um passo sequer na descoberta do assassino de Hugo, comentou Alberto. — Meu amigo, a polícia pode demorar, mas não falha. Ela não é adivinha, no entanto. Muitas vezes tateamos no escuro até que, de repente, encontramos uma pista que elucida um mistério aparentemente insolúvel. Levei cinco anos para esclarecer o caso de Gladys, a envenenadora, você se lembra, não é? E isso não impediu que ela acabasse na prisão, onde está pagando pelos seus crimes...

— O que você acha da morte de Clarence? A resposta do Inspetor não foi exatamente uma resposta. — Quer ir lá agora? perguntou ele. O fato é que já haviam se passado duas semanas desde que o jovem O'Shea falecera, e o policial não pudera voltar à residência de Cora, pois for a repentinamente chamado à capital para tratar de um assunto urgente, ficando lá por quinze dias. Dois colegas seus o substituíram, apresentando um relatório completo do levantamento do local.

Duas fortes razões faziam Alberto desejar acompanhar de perto o caso de Clarence. Uma delas era uma intuição forte de que a morte de seu irmão tinha relação com a de O'Shea. A outra... era Verônica. Sim, Verônica... Como era possível aquilo, meu Deus? Não trocara sequer uma palavra com ela, e, entretanto, parecia ter descoberto um novo sentido na vida desde que a vira. Sempre achara vulgares e ridículos os poetas que cantavam a lua; no entanto, na véspera, ficara mais de uma hora silencioso à janela, mirando o astro... E em seguida olhara para a rosa no vaso, tocando-a levemente, como se acariciasse o rosto delicado de uma mulher...

Cora os recebeu com atenção. A irlandesa tinha um espírito forte e, apesar de sofrer muito com o triste fim de Clarence, enfrentou a situação de cabeça erguida. Marmaduke telefonou de Londres, dizendo que viria no primeiro avião visitar a mãe. Mrs. O'Shea estava contente com isso, pois amava muito aquele filho que já estava se destacando como um dos melhores químicos da Inglaterra.

O caso de Clarence foi definitivamente entregue ao Inspetor Pimentel. — Esse meu amigo vai nos ajudar, disse ele, referindo-se a Alberto. A primeira coisa que fizeram foi repetir as perguntas que os policiais haviam feito no dia do enterro de Clarence.

Mr. Gedeon nasceu em Cleveland, Ohio, era solteiro, representava uma firma de artigos ortopédicos e morava na casa há um ano apenas. Misterioso e calado, tentava disfarçar em vão uma paixãozinha por Verônica. Ao ser interrogado, gaguejou, visivelmente contrariado, respondendo por monossílabos. — Esse sujeito parece tudo, menos americano, disse Alberto. Os patrícios dele geralmente são alegres, esportivos, sadios, e esse camarada tem jeito de coveiro em missa de sétimo dia. E como é pálido, arre! — Não faz mal, respondeu o Inspetor. Nossos companheiros da polícia esclarecerão tudo o que ele não quer contar. É possível que eu mande o investigador número 4 segui-lo durante algum tempo.

Nada de extraordinário foi encontrado no quarto de Mr. Gedeon. Objetos pessoais, catálogos dos artigos que vendia, duas garrafas de uísque, uma porção de revistas e o livro "Como Fazer Amigos", de Dale Carnegie. — Leu isso e não adiantou nada, hein? comentou Alberto em voz baixa.

O próximo a ser interrogado foi Mr. Graz. Nascido em Genebra, vivia na casa de Cora há nove anos. Jamais incomodou quem quer que fosse e ganhava a vida ensinando línguas em um colégio de rapazes. O velho suíço afeiçoara-se a Verônica, a quem dava aulas de francês.

Mr. Graz tinha no quarto uma grande estante cheia de dicionários, gramáticas em francês e inglês, e uma coleção completa do "Larousse". Em cima da cômoda, uma caixa de chocolates, uma bandeja com várias frutas e um pequeno manual: "Como Fazer uma Boa Confissão".

— O magricela é católico, disse Alberto.

Não encontraram nada que despertasse suspeitas.

Finalmente, Verônica foi chamada. A moça tinha um gênio forte e mostrava-se bastante irritada com as perguntas que lhe fizeram.

— Isso é um desaforo! protestou ela. Com certeza estão me achando com cara de assassina.

— Que pena, disse Alberto em voz baixa. Fica tão feia assim zangada.

A moça não tinha mais que dezessete anos e havia perdido pai e mãe, possuindo apenas um irmão mais velho, que era promotor numa pequena cidade. Esse irmão fora hóspede de Cora quando estudante e ficara tão amigo da irlandesa que lhe confiara a irmã.

O quarto de Verônica era pequeno e feminino como ela mesma. Cortinas de "voile" creme, papel de florinhas na parede, um crucifixo, rosas e uma fotografia dos pais em cima da cômoda. No mais, objetos comuns de toilette, papéis de música e o "Jean Christophe", de Romain Rolland.

Alberto indagou a Verônica sobre outro assunto para estabelecer um ambiente de cordialidade, e os dois começaram a conversar. O rapaz ficou tão distraído que nem prestou atenção às perguntas que o Inspetor fazia ao cozinheiro e às três criadas da casa.

Os quartos de Mr. Graz, de Mr. Gedeon, da arrumadeira e do cozinheiro eram absolutamente independentes e tinham saída para o pátio.

— A chave do mistério deve estar naquela casa, disse o Inspetor, já na rua. Só alguém que participasse diretamente das atividades da família poderia estar a par da gripe de Clarence.

— Afastou a hipótese de um lapso do farmacêutico? perguntou Alberto.

— Espero hoje o resultado de um inquérito na drogaria que forneceu a fórmula de salofeno.

— Perdoe minha insistência, disse Alberto. Nada tira de minha cabeça que o assassino de Hugo e o de Clarence sejam uma única e mesma pessoa.

— Bem, não digo que isso seja absurdo. Entretanto, seria algo tão fantástico que só diante de mais uma prova eu me decidiria a seguir essa pista.

Alberto ficou silencioso. Sua intuição o tornara absolutamente certo do que dizia. Tão certo quanto de outra coisa: amava Verônica como nunca amara ninguém até então, como nunca seria capaz de amar alguém depois...

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