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Chapter 4 - CLARENCE O'SHEA

Na verdade, Alberto não tinha namorada. Fora quase noivo de uma certa Palmira, mas desistiu ao perceber o quão trivial e superficial ela era. Melhor, pensava, manter apenas flertes casuais. E isso ele fazia bem, com muitas pretendentes à sua escolha, já que as moças pareciam loucas por ele.

Havia cerca de um mês desde que conhecera Rachel Saturnino, e os encontros vespertinos se tornaram uma rotina. No início, for a atraído pela beleza estonteante dela, mas Alberto era do tipo que precisava enxergar algo além de um rosto bonito. E, para seu desapontamento, Rachel era de uma superficialidade gritante. Além disso, desprezava sua profissão de médico.

— Que gosto, Alberto! — queixava-se ela. — Por que não escolheu uma carreira mais glamorosa? A Marinha, talvez? Tenho verdadeira adoração por fardas! Essa coisa de trabalhar entre doentes e pobres não é para mim. Deus me livre!

Por mais que Alberto sentisse o peso do encanto dos olhos verdes e do cabelo vermelho de Rachel, a similaridade desconcertante com os traços de seu falecido irmão Hugo começava a despertar nele um certo enfado. Para passar o tempo, valia a pena... por enquanto.

Naquela tarde, imerso em pensamentos, Alberto se dirigia ao cinema para rever um clássico de Greta Garbo, sua atriz preferida. Enquanto isso, uma outra cena se desenrolava na casa de Cora O'Shea, onde acontecia uma de suas famosas reuniões literomusicais em comemoração ao aniversário.

A irlandesa, grande amante das artes, gostava de celebrar em grande estilo. Além dos hóspedes habituais, convidará seis ou sete pessoas para assistir à performance de Mrs. Juell, uma pianista norueguesa que acabara de dar um concerto na cidade. A sala estava repleta de cortinas, pufes, borlas e franjas em exagero vitoriano que deixavam o ambiente pesado.

A pianista trouxe consigo uma jovem brasileira que conhecera no navio, famosa por suas declamações dramáticas. Envolta numa túnica de jérsei crème, Cora observava discretamente a robustez de Mrs. Juell e, secretamente, confortava-se com a constatação de que a norueguesa parecia ainda mais corpulenta do que ela mesma.

Afundado em uma poltrona, Clarence, o filho de Cora, bocejava, aborrecido, enquanto Verônica, outra convidada, comentava com Mr. Graz sobre o quanto o rapaz parecia esnobe. Mr. Graz, um suíço de bom apetite, devorava um copo de refresco atrás do outro, enquanto Verônica sorria, impressionada com seu apetite.

Enquanto isso, a declamadora brasileira iniciou sua performance. Com gestos grandiosos, olhos fixos no vazio e uma voz solene, recitou um poema que parecia tirado das profundezas de um drama interior. Verônica, ao ver o exagero da apresentação, sussurrou ao ouvido de Mr. Graz, tentando segurar uma risada. A declamação foi uma mistura de gemidos, gritos e risadas histéricas que deixaram todos constrangidos.

Em seguida, Mrs. Juell tomou seu lugar ao piano, anunciando "A Grande Sonata em Fá Sustenido". A música começou com uma intensidade surpreendente. Dez, vinte, trinta minutos se passaram, e a peça parecia não ter fim, cada acorde uma agressão ao pobre piano. Após quarenta minutos de tormento, um acorde final soou desafinado; a pressão fez com que as cordas do piano se arrebentassem.

Rubra e exausta, Mrs. Juell se ergueu e clamou, ofegante:

— Um leque! — pedindo ar desesperadamente.

Precisou ser levada ao quarto para recuperar-se, onde, após tirarem-lhe a cinta, foi acalmada com uma dose de coramina. Pouco depois, retornou à sala, renovada, e, a julgar pela expressão de satisfação, mais robusta do que antes.

A festa prosseguiu, com os convidados migrando para o bufê, para a alegria de Mr. Graz, que dedicou-se a identificar os ingredientes de cada prato. Mr. Gedeon, sempre reservado, tomava um uísque, lançando olhares intensos e cheios de significado para Verônica, enquanto Clarence permanecia carrancudo.

— Melhorou da gripe, Clarence? — perguntou Cora, preocupada.

O rapaz, como sempre, nada respondeu, limitando-se a se levantar e buscar uma cápsula de remédio que engoliu com água. No entanto, não se passaram cinco segundos antes que ele soltasse um grito e, pálido como cera, tombasse no chão.

Um dos convidados, médico, correu até Clarence e verificou o pulso. Com expressão grave, anunciou:

— Colapso cardíaco.

Em vão tentaram reanimá-lo. Embora aplicassem vinagre e éter e colocassem sua cabeça em posição mais baixa, Clarence já estava sem vida. O jovem O'Shea não mais respirava.

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