Ficool

Chapter 2 - Ótimo, dois sem-tetos fugindo de dois homem lagartos.

Até aí, tudo bem… até eu simplesmente chegar a este momento: correndo de um homem completamente horripilante com tudo que minhas pernas conseguiam oferecer, me esgueirando por pequenos becos abandonados e fedorentos das grandes comunidades aglomeradas, sem o mínimo de saneamento básico. Apesar de estar sem comer há dias, sentia que poderia correr dez quilômetros só com o efeito da adrenalina.

Tudo bem, tudo bem. Deixe-me explicar por que estou correndo de um homem completamente anormal pelos becos. Eu, junto com outro morador de rua, revirávamos algumas caçambas de lixo de bairros ricos em busca de comida. Eu nunca o tinha visto na vida, mas colaboramos um com o outro aleatoriamente. Enquanto revirávamos, ele começou a resmungar algumas coisas que eu não conseguia identificar, até finalmente perguntar, em um tom descontraído:

— Garota, você acredita em mitologias?

Eu o encarei por um momento, meio confusa no instante em que ele pronunciou essas palavras, até responder:

— Bem, das que sei, não. Por que eu acreditaria nessas coisas?

— Comece a acreditar, garota. Eles estão atrás de você.

Meu coração pulou instantaneamente quando ele falou aquilo, meus olhos se arregalaram. Virando rapidamente a cabeça para trás, não avistei nada, mas o sem-teto havia sumido. Minhas mãos se afastaram das sacolas abertas e fedidas; meu corpo seguiu o mesmo ritmo, quase me fazendo tropeçar. Poderia ser a fadiga ou a fome pregando peças, mas não… ele era real. O som de rosnados ao longe também. Olhei para o bosque em frente à rua onde eu estava e avistei um homem muito medonho emergindo de lá, vindo em minha direção.

Quando digo que ele realmente era tenebroso… acredite, ele era. Usava uma roupa formal, toda preta, com uma gravata marrom meio dourada. Seu cabelo era liso e igualmente preto, jogado para trás de um jeito que poderia até ser considerado atraente — se não fosse pelo rosto, que continha três grandes linhas de cicatrizes atravessando seu rosto da parte superior esquerda até a parte inferior direita. Seus olhos tinham um tom profundo de amarelo opaco, as sobrancelhas eram grossas e meio falhadas no começo e no fim; seus lábios eram finos, formando uma linha reta que não me agradara. Arrumando a gravata meio torta, ele falou meio baixo, mais para si mesmo que para mim, mas o suficiente para eu escutar. Sua vez era grave e tinha um leve sotaque italiano, quase imperceptível:

— Por que ainda não acabaram com essa simples garotinha? Acho que não entenderam a gravidade do caos que ela pode causar... Terei que terminar com isso eu mesmo.

Os pelos do meu corpo se arrepiaram ao sentir a presença dele se aproximando com passos pesados, mas confiantes, acompanhados de suas mãos que se transformavam de mãos meio enrugadas em patas de répteis. Meu corpo queria correr, mas meus pés ficaram congelados no lugar até ele se aproximar o suficiente de mim para me dar um tapa no rosto, então investiu com uma de suas grandes mãos, que bateriam nas minhas costelas se não fosse pelo meu corpo se mover para longe no instante em que ele investiu.

Ele sorriu para mim, um sorriso lúdico e vazio que fazia meu corpo gritar para se afastar o mais longe possível dele, que foi o que fiz. Assim que me afastei do ataque sai correndo, quase tropeçando novamente, em nada. Apesar de estar em uma situação de fome e fadiga, consegui correr rápido o suficiente para criar uma distância entre mim e o "homem" que começara a correr atrás de mim. Me enfiava nos becos familiares em busca de despistá-lo, que até funcionou no começo, antes de eu esbarrar com tudo contra uma pessoa que corria assim como eu pelos infinitos becos. O baque foi tão forte que fez meus ouvidos zumbirem por um minuto, minha visão escureceu e minha cabeça doía. Quando me recuperei da tontura, olhei para a pessoa que havia caído no chão e ofereci a mão para ele, o ajudando a se levantar do chão. Ele usava uma calça jeans meio surrada e uma camiseta verde musgo desbotada com um pequeno rasgo na barra: seu cabelo sujo era preto e liso, no comprimento da orelha. Seus olhos eram pretos e meio afiados, como se fosse me apunhalar com eles, seus cílios volumosos e sua pele era relativamente clara para alguém que vivia na rua, apenas manchada de sujeira acumulada perceptível nos braços e rosto. Pela altura e o som da voz dele, que era meio grave, mas não ao ponto de ser estranho, tinha seus quinze anos. Então ele falou, meio ofegante:

— Mas que diabos...- Por que... Por que você está correndo?

— Digo o mesmo. Por... Por que está correndo?

— Você irá me chamar de louco se dizer.

Recuperando o fôlego, levantei a mão, como se falasse para dar um tempo, antes de sugerir:

— Certo. Vamos correr nós dois juntos então.

Inesperadamente ele aceitou, recuperando o fôlego rápido antes de agarrar a minha mão com força e começarmos a correr, continuando a nos esgueirar nos becos até acharmos de bom-tom pararmos. Enquanto corríamos olhei para trás, apenas para conferir se havíamos ganhado algum tempo antes de parar de correr, me escorando em um murro, o fazendo para eventualmente. Os dois ofegavam, e eu daria de tudo por um copo d'água bem gelado nesse momento. Uma comida também.

— E então? Do que estava correndo?

— Você não vai acreditar-

— Fala logo.

— Acho que seria mais apropriado eu saber quem é você antes de saber o porquê de eu estar correndo.

Eu suspirei, começando a me irritar levemente, mas resmunguei:

— Ahn, certo... Me Chamo Arinne Hown, e você?

— Peter. Peter Johnson. O prazer é todo seu.

Estreitei os olhos para ele, suspirando pesadamente antes de ir direto ao assunto em um tom interrogativo:

— O.K. Agora responda: por que está correndo?

Pude escutar ele amaldiçoando baixinho, antes de responder, meio apressado:

— Estava com outros sem-tetos até um deles me questionar se acreditava em mitos, eu respondi e depois ele fala para olhar para trás, fiz isso e avistei um homem estranho com mãos de jacaré vindo na minha direção. E Você?

Fiquei incrédula olhando para ele, antes de voltar para si e levar uma das mãos até a nuca, coçando ali nervosamente e responder:

— O mesmo que você.

— Ótimo. Somos dois loucos.

— Sou moradora de rua, mas minha sanidade continua sã.

Ficamos em silêncio por alguns segundos, apenas para recuperarmos o fôlego o suficiente para continuar a nos afastarmos. Voltamos a correr virando esquinas diversas, até que, quando iríamos virar uma na direita, demos de cara com o mendigo que nos falara para olhar-mos para trás.

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