Ficool

Chapter 1 - Capítulo 1: O Eco que Rasgou Meu Coração

Página 1

Passos lentos e arrastados cortavam o som vibrante da cidade de São Paulo. As luzes dos carros e o burburinho das pessoas criavam um contraste quase cruel com o silêncio dentro de Fevi.

O rosto pálido tentava manter o olhar erguido, mas sempre voltava para os próprios pés - como se o chão fosse o único lugar seguro de olhar.

Ele empurra a porta de um pequeno bar na esquina e se senta em um dos bancos próximos ao balcão. O cheiro de álcool e fritura o envolve como um velho cobertor.

- Que cara é essa, Fevi? Tá chorando por causa de mulher de novo? - brinca o dono do bar, enxugando um copo com um pano sujo.

- Não... só tô achando tudo muito sem graça esses dias. É como se nada mais fizesse sentido. - A voz de Fevi sai como um suspiro, pesada, sem cor.

- Você já tentou sair mais de casa, conversar com as pessoas e essas coisas? Meu neto também tava se sentindo assim. Parece que todo moleque da sua idade tem dessas. - diz o dono do bar, colocando diante dele um copo de suco - o favorito de Fevi.

- É... talvez você tenha razão. - responde ele, sem convicção.

A cena se afasta, revelando a rua lá fora: pessoas sorrindo, carros apressados, luzes piscando... e no meio de tudo isso, o vazio silencioso de um garoto que não sente mais nada.

---

Página 2

Depois de longos minutos de conversa, Fevi deixa o bar. Aquele lugar, que antes trazia risos e conforto, agora parecia sufocante.

O vento frio da noite passa por ele, mas nem isso o desperta.

Ao atravessar a rua, percebe uma fumaça distante se erguer no horizonte. No começo, ignora - afinal, tragédias acontecem todos os dias - mas então vêm os gritos.

Gritos desesperados. Gritos humanos.

O coração de Fevi dispara pela primeira vez em muito tempo. Sem pensar, ele corre em direção à fumaça.

Mas quando chega... nada.

Nenhum vestígio de incêndio, nem de pessoas. O ar está limpo, e o silêncio é ensurdecedor.

- Será que foi uma alucinação...? - murmura, confuso.

Antes que possa raciocinar, algo invisível o acerta na lateral do corpo com força brutal, lançando-o contra um prédio.

- Que porra foi essa?! - rosna, tentando enxergar de onde veio. Nada.

Ele tenta se levantar - outro impacto. Dessa vez na cabeça. O mundo gira, e ele é arremessado contra a parede. O sangue escorre pelo rosto enquanto a dor o paralisa.

Fevi grita... não apenas de dor, mas de desespero. Estava sendo espancado por algo que sequer existia.

---

Página 3

Os músculos dele travam.

O corpo não responde.

Algo o segura pela cabeça e o ergue como se fosse um boneco. O ar some dos pulmões.

Então, ele finalmente vê.

Uma criatura com pele avermelhada - quase negra - o observa de perto. Os olhos da coisa pulsavam como brasas.

Fevi tenta se debater, mas o corpo ainda está rígido.

A criatura não hesita. Atravessa o peito dele com um único golpe, o braço perfurando carne e osso.

Fevi grita, olhando para baixo... e vê seu coração ser arrancado.

O sangue jorra em ondas, a visão dele escurece.

A criatura ergue o coração diante da boca, pronta para devorá-lo.

- Seu... desgraçado... - tenta dizer, mas tudo o que sai é sangue.

O vazio que o dominava desaparece por completo - substituído por um medo tão puro que o fazia desejar o nada de novo.

---

Página 4

A criatura ri. Uma risada distorcida, impossível de ser humana.

Ela abre a boca e aproxima o coração dos dentes...

Mas antes que possa engolir, algo corta o ar.

Um único som metálico.

A criatura é partida ao meio, se desfazendo em fumaça.

Fevi tenta entender o que aconteceu, mas a escuridão o engole.

...

Quando desperta, está em uma cama, coberto de faixas. A respiração é irregular. Ele leva a mão ao peito - e sente o coração batendo.

Inteiro.

- Finalmente acordou, princesa. - diz uma voz calma, quase divertida.

Fevi se vira e vê um homem de cabelos escuros e olhos translúcidos o observando com um leve sorriso.

- Como tá se sentindo? Foi divertido quase morrer? - pergunta ele, como se fosse uma piada.

- Quem é você...? E por que eu não morri? - questiona Fevi, ainda tonto.

- Meu nome é Isaque, mas pode me chamar de Serakin. E você tá vivo graças à minha essência de cura. Devia me agradecer - reconstruir um coração dá trabalho.

- Essência de cura...? Reconstruir meu coração...? Como assim?

- Vem comigo. - diz Isaque, já se levantando.

---

Página 5

Fevi segue Isaque até o quintal. O lugar é simples, tomado pelo som de grilos e o cheiro de terra molhada.

- Aqui é sua casa? - pergunta Fevi.

- Dá pra dizer que sim. Mas prefiro chamar de "o único lugar onde posso descansar". Enfim, senta aí, porque o que eu vou te explicar agora vai demorar pra caramba.

Fevi se senta numa cadeira velha, atento.

Isaque ergue a mão, e uma esfera branca, quase transparente, surge flutuando sobre a palma.

- Todo ser vivo no mundo, seja consciente ou não, tem sua própria essência - algo ligado à alma de cada indivíduo. Isso, quando controlado, pode gerar habilidades únicas, até mesmo no ser mais irrelevante. Tipo isso.

A esfera pulsa, refletindo uma luz suave.

- Viu só? Isso aqui é minha essência. Dependendo do poder, a esfera pode ser maior, talvez maior que o planeta. A minha é um pouco maior que isso, mas eu só puxei um pouco dela - senão eu morro.

A esfera desaparece, dissipando-se como poeira de luz.

- As essências são a fonte de tudo. A vida sem uma essência não pode existir. Mas, às vezes, essa essência pode acabar vazando de pessoas que não sabem controlá-la... ou que estão sentindo emoções fortes, como tristeza ou raiva.

---

Página 6

Um arrepio percorre Fevi dos pés à cabeça.

Algo nele desperta, como se o corpo reconhecesse o perigo antes da mente.

Isaque continua:

- Quando uma essência vaza ou é rejeitada, ela acaba tomando forma física e se tornando um eco de essência. Ecos são como aquela criatura que te atacou. São seres de um plano espiritual superior aos humanos - por isso você não conseguia ver.

- Mas por que eu consegui ver ele depois? - pergunta Fevi, ainda tenso.

- Isso é porque você também estava no mesmo plano espiritual que ele. Aquilo provavelmente era sua própria essência. Você estava sentindo algo antes daquela criatura aparecer?

- Na verdade... - tenta responder, mas Isaque o interrompe.

- Não fala. Eu disse pra você prestar atenção, espera eu terminar. - A voz muda, firme, quase ameaçadora. Fevi se cala.

- Como eu ia dizendo: sua própria essência tomou forma física e te atacou. Mas relaxa, isso é normal.

---

Página 7

- Aquilo era um eco, quando um eco surge, ele precisa matar o "dono", porque assim ele ganha liberdade no mundo. Você perguntou por que conseguia vê-lo? É porque naquele lugar existia uma grande concentração de essência de ecos. Lugares assim são onde mais acontecem acidentes inexplicáveis. Levanta. -

Fevi obedece, confuso.

- Já expliquei porque você tá vivo. Agora me responde: qual é a sua essência? - pergunta Isaque, se aproximando lentamente.

- Minha essência? Como eu vou saber?

Isaque coloca as mãos nos ombros dele e aproxima o rosto, o olhar penetrante.

- Então descubra. - diz, afastando-se logo em seguida.

---

Página 8

Como eu disse antes: todo ser vivo possui uma essência, essa essência é maleável, imagina como se fosse uma massa de pizza, sei lá. A Essência se alimenta de quatro pilares fundamentais:

1. Vitalidade: Energia física e resistência do corpo.

2. Emoção: Intensidade emocional, crenças e motivações.

3. Memória: Experiências passadas e aprendizados.

4. Propósito: Desejos e intenções conscientes ou inconscientes.

Cada habilidade consome esses pilares em proporções diferentes. Por exemplo, criar clones exige muita Vitalidade; distorcer realidade exige muito Propósito; ataques mentais consomem Memória; ilusões usam Emoção.

A Essência pode se manifestar em quatro tipos, que se combinam entre si:

1. Formas - Criar objetos, armas ou corpos alternativos.

2. Fluxos - Manipular forças, energias e conceitos abstratos.

3. Construtos - Criar regras locais ou domínios, que funcionam como "leis" temporárias.

4. Vínculos - Controlar seres vivos, objetos ou até conceitos intangíveis conectados à realidade do usuário.

Cada usuário tende a se especializar em um tipo, mas com treino intenso é possível mesclar todos, criando combinações absurdas e inovadoras, mas claro que isso só vale pra iniciantes, pessoas com grande controle da essência conseguem fazer bem mais que isso. - explica Isaque.

---

Página 9

- Presta atenção: Cada pessoa tem um reservatório de Essência, medido em unidades chamadas Fluxos. Usar mais do que o corpo ou mente suportam causa efeitos colaterais, como perda de memória, encolhimento do corpo, loucura, ou até morte.

Os poderes sempre vão refletir algo do seu próprio ser - intenção, emoção, memória ou corpo. Exemplo:

Uma pessoa obsessiva por justiça pode criar correntes que prendem não apenas corpos, mas também conceitos de culpa ou mentira. Uma pessoa com medo de perder pode criar clones defensivos que absorvem dano no lugar dela. Entendeu direito? - pergunta Isaque, fixando os olhos nos de Fevi.

- Entendi nada... mas eu tenho mesmo que aprender isso? - retruca Fevi.

- Claro que tem. Tá achando que existe escola pra ensinar isso? Aqui é cada um por si. Ninguém ajuda ninguém. Você teve sorte que eu tô de bom humor - senão já teria morrido.

---

Página 10

- Agora vai descansar. Eu te explico o resto quando você estiver melhor.

- Porque agora? Só porque tava ficando interessante? - reclama Fevi, mas acaba obedecendo e volta pra dentro.

Isaque fica por alguns segundos observando o céu noturno, pensativo. Depois entra no quarto novamente e se senta numa cadeira, de frente para a cama onde Fevi repousa.

- Não existe uma organização de pessoas como eu - começa ele -, mas nós estamos espalhados pelo mundo. Os do Brasil são os mais fracos... e quando um estrangeiro encontra alguém com esse tipo de poder, o vende. Não me pergunte como ou pra quê.

Ele faz uma pausa.

- Eu quero mudar isso. Por isso preciso da sua ajuda. Me ajuda a fazer o Brasil ser a nação mais forte. - Estende a mão.

Fevi o encara, desconfiado.

- Quer fazer o Brasil ser o mais forte? E o que te faz pensar que vai conseguir só com a minha ajuda?

- Porque, mesmo sendo os mais fracos, o Brasil é o país com as habilidades mais quebradas que existem. Eu lembro de um cara que conseguia manipular o tempo ou algo assim... mas foi morto pelos estrangeiros.

Fevi aperta os olhos. - E por que eu?

Isaque sorri. - Você não enxerga? Sua essência tá quase gritando. Eu nunca vi nada assim. Com certeza seu poder vai ser algo absurdo.

Fevi hesita, mas estende a mão. Antes que os dedos se toquem -

Um estrondo.

Um calor insuportável varre a rua.

A noite se ilumina.

E o mundo, mais uma vez, parece prestes a desabar.

More Chapters