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Chapter 38 - Capítulo 38 – Infortúnio

O "Mestre Chen" de quem o Príncipe Xiao falava era justamente o avô de Chen Shi. Naquela vez, do lado de fora da Mansão do Espelho do Lago, Chen Shi também ouvira o príncipe chamá-lo assim.

Chen Shi rapidamente se curvou em agradecimento e perguntou, confuso:

"Meu avô também entende dessas coisas?"

O Príncipe Xiao respondeu com tranquilidade:

"Seu talento não se compara ao dele, mas a diferença não é tão grande. Naturalmente, ele entende."

Chen Shi ficou intrigado. Antes, acreditava que o avô fosse apenas um simples mestre de talismãs. Mas, com o aparecimento de figuras como a Velha Sha e o próprio Príncipe Xiao, essa ideia começava a ruir.

Se o avô realmente compreendia tanto, por que nunca o ensinara?

"E por que você saiu à noite, acabando nesse estado deplorável?" perguntou o Príncipe Xiao.

Chen Shi contou sobre a emboscada armada pela família Zhao, sua reação e contra-ataque, e como acabara invadindo a Vila Huangyang e exterminando todos. Constrangido, concluiu:

"Sou meio lerdo... achei que, como Sanwang morreu, eu devia matá-lo para vingar meu amigo. Mas fui perseguindo e perseguindo, e no fim acabei me metendo numa enrascada."

O Príncipe Xiao recitou:

"'Zhao veste um turbante bárbaro, sua espada brilha como a geada... Três copos de vinho bastam para cumprir uma promessa, e até as Cinco Montanhas se tornam leves.' Você tem certo espírito cavalheiresco."

Ele sorriu levemente e prosseguiu:

"A técnica que você pratica é incomum — supera em muito o Caminho da Retidão Celestial ensinado nas academias. Essa técnica dos estudiosos é simples: serve apenas para nutrir o Qi, fortalecer a base, erguer o altar divino e condensar o Coração Celestial, recebendo então a bênção de um deus verdadeiro e o nascimento de um embrião divino.

Mas a sua é diferente: refina o Qi, o corpo e o espírito, fortalecendo a si mesmo. Mesmo eu, raramente vi uma arte comparável. Essa técnica... foi obtida em um Túmulo do Verdadeiro Rei, não foi?"

O olhar do príncipe se tornou afiado, fixando-se nos olhos de Chen Shi — parecia querer ver através deles e sondar-lhe o coração.

Chen Shi respondeu com sinceridade:

"Sim. Encontrei-a no Túmulo do Verdadeiro Rei, mas o Tio Yangjiao me impediu de avançar e não consegui a versão completa. Se o senhor acha boa, posso copiá-la e lhe entregar uma."

O príncipe ficou surpreso.

"Copiar e me dar? O que quer em troca?"

Chen Shi balançou a cabeça.

"Você é amigo do meu avô e acabou de me orientar sem pedir nada em troca. Não tenho nada de valor, mas se gosta da técnica, pode ficar com ela. Não quero nada em troca."

O Príncipe Xiao o fitou por um tempo, avaliando se havia falsidade em suas palavras, e depois balançou a cabeça.

"Não quero sua técnica. É boa, sim, mas já vi outras do mesmo nível. Além disso, meu cultivo já é alto — mudar de método agora só me prejudicaria. No entanto..."

Ele sorriu.

"Você é interessante. As estradas noturnas estão cheias de espíritos e demônios — com seu nível, não teria chegado vivo à vila. Tenho assuntos a tratar esta noite, portanto não posso levá-lo de volta ainda. Assim que terminar, terei tempo. Pode esperar?"

Chen Shi subiu na carruagem e sorriu.

"Posso."

Olhou ao redor: no escuro, havia incontáveis manchas verdes e lanternas vermelhas — os olhos de criaturas que o observavam, à espreita.

Se tentasse voltar sozinho, mesmo conhecendo o caminho, não chegaria longe antes de ser devorado.

Ainda assim, não podia deixar de se perguntar: o que o Príncipe Xiao estaria fazendo fora a essa hora, em meio a tanto perigo?

O cocheiro ergueu o chicote, que se enrolou no ar e estalou com um som seco que ecoou pelos vales.

Os quatro cavalos se animaram e puxaram a carruagem. As rodas soltavam uma névoa prateada, elevando-a alguns centímetros — o suficiente para evitar pedras e buracos.

As patas dos cavalos pareciam pisar o vento.

Chen Shi observou: nenhum deles usava os talismãs de vento e ainda assim corriam sobre as correntes aéreas — certamente não eram cavalos comuns.

"Claro... os talismãs apenas imitam o galope divino, com runas do vento e da nuvem. Esses cavalos devem ter sangue de bestas sagradas."

O silêncio tomou conta da viagem — apenas o som das rodas e dos cascos rompia a noite.

Depois de um tempo, o príncipe falou:

"Sua técnica é boa. Seu coração, firme. E o mais raro — seu talento é alto. Mesmo tendo perdido o embrião divino, você ainda terá grandes conquistas."

"De verdade?" — os olhos de Chen Shi brilharam.

"Por que eu mentiria?" — respondeu o príncipe calmamente.

Chen Shi sentiu o peito se aquecer. Desde que despertara, vinha treinando sozinho: aprendendo a cultivar, a preservar o Qi, a reconstruir o altar divino — sem ajuda, sem amigos.

O caldeirão não falava, o avô não o elogiava, a madrasta era fria como pedra, e o erudito Zhu só sabia citar clássicos.

Tudo que fazia, fazia sozinho.

Se errasse, morreria sozinho — e ninguém saberia.

Mas Chen Shi aceitava esse risco.

Ele queria se tornar forte. Não queria ser um inútil. Queria dar ao avô uma velhice tranquila e digna.

Agora, receber reconhecimento de alguém como o Príncipe Xiao... foi como ver a luz do sol pela primeira vez em anos.

A carruagem seguia pela estrada deserta. As árvores antigas lançavam sombras retorcidas sob a lua, parecendo garras de monstros.

O Príncipe Xiao contemplou a noite e disse com voz pausada:

"Houve um homem... de talento mediano. Construiu sua base espiritual apenas aos doze, e só a completou aos quinze. Normalmente, bastam cem dias para isso — ele levou três, quase quatro anos. Mais tarde, com muito esforço, tornou-se erudito, recebeu a bênção divina e formou o embrião espiritual. Mas era o mais fraco de todos — um Embrião Ilusório, tão frágil quanto um sonho.

Um homem desses poderia alcançar algo grande?"

Chen Shi balançou a cabeça.

O embrião divino representava o grau de favor concedido pelos deuses — quanto mais baixo, menor o talento. E o Embrião Ilusório era o mais inferior de todos, mal superando um mortal comum.

"O homem era teimoso como um boi," continuou o príncipe. "Todos os colegas dele já haviam atingido níveis como o Núcleo Dourado ou o Espírito Refinado, enquanto ele permanecia no estágio do embrião. Ainda assim, nunca desistiu. Poliu sua base, repetiu os fundamentos mil vezes.

Dez anos depois, enfim atingiu o Núcleo Dourado. Nessa altura, seus antigos companheiros já estavam muito à frente. Mas, após mais dez anos, ele os alcançou.

E mais dez anos depois, superou todos — seu poder se tornou quase invencível, e seu nome ecoou por todo o mundo."

O príncipe fez uma pausa e então concluiu:

"Seu embrião era quase inexistente, mas com pura determinação, alcançou a glória. Se ele pôde, por que você não poderia?"

Os olhos de Chen Shi se iluminaram com esperança e admiração.

"O senhor está falando de si mesmo, não é?"

O Príncipe Xiao ergueu o queixo, orgulhoso.

"Eu? Desde criança pratiquei. Formei meu embrião aos nove — um dos mais poderosos que existem. Fui famoso ainda jovem. Como poderia ser esse tolo?"

Chen Shi piscou, surpreso.

"Então... quem era esse homem?"

"O tolo chamava-se Chen Yindu — seu avô."

Chen Shi ficou boquiaberto.

Meu avô... era tão poderoso assim?

Mesmo tendo visto pouco o Príncipe Xiao, sabia o quanto ele era orgulhoso. Se elogiava alguém como "quase invencível", era porque realmente o considerava extraordinário.

Mas... aquele velhinho cansado em casa, que só sabia desenhar talismãs para sustentar a família... era o mesmo homem?

Que mais o vovô está escondendo de mim?

"Não importa o que tenha sido no passado," pensou Chen Shi, cabisbaixo, "hoje ele está velho. Por mais forte que tenha sido, agora é apenas um ancião cansado. Mal tem se alimentado... precisa de alguém para cuidar dele."

A carruagem começou a subir os contrafortes da montanha. O caminho tornou-se íngreme, mas os cavalos seguiam como se estivessem em terreno plano.

Depois de um tempo, chegaram ao sopé — onde se erguia uma cidade, iluminada como se fosse dia.

Chen Shi ficou atônito.

Conhecia cada palmo das montanhas Qianyang; como podia existir uma cidade ali?

A carruagem entrou. Os muros eram altos e lisos, os portões imponentes. Acima deles, duas palavras: Cidade Sem Engano (Wu Wang).

Ao olhar pelas janelas, Chen Shi viu criaturas de rostos azuis e presas afiadas guardando as ruas — demônios e espíritos armados com lanças e machados.

Entre os habitantes, muitos tinham o corpo mutilado — vísceras expostas, cabeças faltando. Mortos.

Outros pareciam intactos, mas era impossível dizer se estavam vivos ou não.

"Uma cidade do submundo?" pensou, arrepiado.

Mas diferente do inferno que vira quando morreu, ali havia luzes, risadas, música — uma cidade de prazeres.

O Príncipe Xiao explicou:

"Este lugar se chama Wu Wang — 'Sem Engano'. Aqui, o caminho das trevas não é permitido, e ninguém pode mentir. Por isso, é o local ideal para encontrar certas pessoas. A mulher que irei ver é uma grande mentirosa — fora daqui, eu não acreditaria em uma palavra dela.

Ah, e cuidado: quem mentir aqui... perde a língua."

Chen Shi piscou.

Então ninguém pode mentir?

"Na vila, me chamam de Pequeno Honesto. Nunca menti. Nessa cidade, vou me dar bem!"

Mas não se atreveu a dizer em voz alta.

Assim que pensou nisso, sentiu algo puxando levemente sua língua.

Se tivesse falado, provavelmente já não a teria.

"Eu nunca olhei para aquela moça com segundas intenções!" — gritou um homem na rua.

De repente, sua boca se abriu involuntariamente, e a língua saltou com um plop, caindo no chão.

Um cão correu, pegou-a e sumiu com ela.

Chen Shi estremeceu. As pessoas ao redor riam — e ele percebeu que muitas delas também não tinham língua.

"Então é verdade... quem mente aqui, perde a língua."

Um arrepio percorreu sua espinha.

"Essa cidade foi feita pra testar gente sincera como eu..."

A carruagem parou diante de uma casa de chá. Um atendente saiu apressado e levou-os para o segundo andar, num camarote junto à janela.

Chen Shi reparou que o garçom tinha quatro braços, cada um segurando uma bandeja.

"O que tem de bom para acalmar o espírito?" perguntou o Príncipe Xiao. "Estou esperando alguém."

O atendente respondeu:

"Acabou de chegar um chá de Pu'er do sul. Tomamos dos mercadores que vieram de lá — é excelente. Quer provar?"

O príncipe assentiu levemente.

O garçom foi preparar o chá.

Quando retornou, o Príncipe Xiao colocou um lingote de prata sobre a mesa. Chen Shi o reconheceu — era o que ele mesmo havia perdido na estrada.

"Encontrei no caminho," disse o príncipe. "Alguém deve ter deixado no meio da estrada."

Chen Shi suspirou, sem palavras.

O atendente, satisfeito com a gorjeta, serviu também frutas secas e carne defumada.

O Príncipe Xiao levou a xícara aos lábios, bebeu um gole e disse baixinho:

"Ela chegou."

Chen Shi olhou pela janela. Um demônio magro e alto, quase dois metros, curvado e ossudo, caminhava trazendo uma lanterna azul. Abaixo da luz, uma mulher de vermelho, com chapéu de chuva negro e véu sobre os olhos, vinha logo atrás.

A lanterna era oca e lançava um círculo de luz no chão — era dentro desse círculo que a mulher andava, passo a passo.

Seu corpo era esguio e gracioso, a cintura tão fina que caberia em uma mão.

Chen Shi não conseguiu evitar olhar duas vezes.

Ela entrou na casa de chá. O som dos passos leves na escada antecedeu sua aparição — e então a mulher de vermelho surgiu, olhar lânguido por trás do véu. Caminhou até eles, sentou-se com elegância e retirou o chapéu e o véu.

Seu rosto era deslumbrante.

Ela olhou para Chen Shi, sorriu e perguntou com voz doce:

"Menino bonito, você acha que a irmã é linda? Quer dormir comigo esta noite?"

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