Ficool

Chapter 3 - O preço da sobrevivência

No caminho até o trabalho, atravessou uma viela entre casas rachadas e muros com musgo. O cheiro de mofo e lixo molhado ficou no ar. Ali, quatro pessoas cercavam um rapaz e exigiam dinheiro.

Ele parou por um segundo. Fechou os punhos. Logo desviou o olhar e seguiu adiante. No fundo, acreditava que não conseguia proteger ninguém — nem a própria irmã.

A fábrica ficava nas bordas da vila. Construída com pedra bruta, ferros retorcidos e galpões de madeira, ainda carregava cicatrizes da guerra. O céu estava encoberto e a névoa cobria parte das colinas ao longe.

De longe, Kenji avistou o senhor Tomoji, de braços cruzados e expressão dura. Antes mesmo de chegar perto, a voz rouca do velho ecoou:

— KENJI!

— Como você se atrasa dessa maneira?

Ofegante, Kenji inclinou o corpo e respondeu:

— Me desculpe SENHOR TOMOJI.

— Acabei me atrasando.

A estrada até ali era empedrada e gasta, com poças nas partes fundas. Quase não havia transporte, e qualquer trajeto virava um desafio.

Tomoji observou em silêncio, o olhar desconfiado. No fundo, sabia que Kenji devia ter ido ao hospital, mas evitou perguntar. Se soubesse, iria querer ajudar — e isso significaria despesas que não podia bancar.

A verdade é que Tomoji era alguém admirável. Depois da guerra, ergueu sozinho sua fonte de sustento. Montou um sistema de coleta de minérios mágicos, retirados de corpos de deuses e demônios ou de áreas encharcadas de mana.

Esses minérios eram raros. Cada fragmento carregava traços únicos de magia, usados para forjar armas especiais. Valiosos, mas perigosos.

Mesmo alguém como Tomoji tinha feridas profundas. Em uma noite de celebração, enquanto trabalhava, um deus se irritou com a alegria da família dele — e os matou. Tomoji nunca contou os detalhes. Kenji respeitava esse silêncio.

Durante o dia, Kenji se dedicou a separar os minérios. Fragmentos grandes e pequenos caíam na mesa de pedra. Ele quebrava, analisava e empilhava, atento às faíscas que saltavam das pedras.

A cada pancada, uma luz azulada dançava no ar. Era exaustivo, mas ele seguia firme. Aquele esforço mantinha a irmã no hospital e garantia abrigo para ele e para Tomoji.

Ele acreditava que sua força fora do comum vinha dos restos da guerra — como se o corpo tivesse absorvido um pouco da energia dos combates entre deuses e demônios. Não era o único com dons. Depois de tantos conflitos, muita gente despertou habilidades. Hoje, isso era quase comum.

Depois de separar várias pedras — até algumas deixadas por demônios gigantes —, Kenji já estava exausto no fim da tarde, pronto para ir embora.

Diziam que os minérios de demônios e deuses nasciam da mistura da aura com o corpo, virando pedra mágica, coberta por mana.

Ele se despediu do senhor Tomoji, mas foi cortado antes de terminar:

— KENJI, SEU IDIOTA!

Assustado, Kenji respondeu:

— Me desculpe.

— Aliás… pelo que exatamente estou me desculpando?

Tomoji suspirou, cansado, e rebateu:

— Não tem problema querer cuidar da sua irmã.

— Só não se force demais.

— O serviço é pesado e os tempos não são fáceis.

— Vivemos numa região afastada e muito afetada por esses malditos!

— Sem falar dos ricos e nobres.

Ele olhou o garoto com seriedade, mas também com carinho:

— Eu não consigo ajudar com muito mais do que isso.

— Então se cuida!

— Aqui, leva isto pra mais tarde.

Tomoji colocou uma cesta de frutas nas mãos de Kenji e concluiu:

— Não tem problema se achar fraco.

— É quando alguém importante está em perigo que a gente descobre o quanto pode ser forte!

Kenji ficou sem jeito, mas aquelas palavras aqueceram o peito. Era como se, pela primeira vez em muito tempo, alguém acreditasse nele — mesmo que um pouco. Agradeceu e se despediu, seguindo em direção de casa.

No caminho, passou por um grupo de quatro embriagados. Um segurava um cajado na mão esquerda e usava roupas escuras e compridas. Outro vestia mangas rasgadas, tinha cabelo espetado e exibia dentes pontudos num sorriso assustador. Os dois de trás pareciam se encolher, como cães prontos a obedecer.

Ao passar, Kenji pegou o fim da conversa:

— Ei Kaito, que droga foi aquela?

— Como assim Haruki?

— Aliás… que droga!

— A cerveja acabou.

— Nem valeu a pena ter roubado aquele cara mais cedo.

— Você reclama demais Kaito.

— Não acha que exagerou não?

— Além de roubar o cara você matou ele.

Kenji parou por dentro. Lembrou do rapaz cercado por quatro na viela. Serão os mesmos, pensou.

Kaito disse com um sorriso frio:

— Ele não quis colaborar.

— Se tivesse cooperado talvez estivesse vivo.

— Disse que o dinheiro era pra família.

— E eu com isso?

As risadas soaram altas, como chacais. Kaito continuou, ainda insatisfeito:

— Quero mais dinheiro!

— Pena que nesse lugar acabado não tem nada que preste.

Um dos capangas comentou:

— Se não me engano tem um lugar velho aqui perto que mexe com reciclagem de minério.

— Deve servir.

Kaito mostrou mais dentes:

— Perfeito!

O grupo passou por Kenji como se ele fosse invisível, sem vê-lo como ameaça.

Um arrepio gelado subiu pela espinha de Kenji. Ele pensou no senhor Tomoji:

— Quais as chances disso ser verdade?

— Senhor Tomoji…

More Chapters