Às dez horas em ponto, Dora Costa e Cora O'Shea entraram na sala particular do Inspetor Pimentel. A amiga de Rachel — uma bela morena de olhos verdes — estava visivelmente surpresa e apavorada com o que havia acontecido. Ela assegurou que a jovem não estivera em sua casa naquela noite, nem em nenhuma outra ocasião, e compartilhou o que sabia sobre o relacionamento dela com um rapaz de fora.
— Eu os vi juntos várias noites conversando no bosque. Ele não é bom. Vive jogando e bebendo nos bares, e fala mal dela com os outros rapazes. Avisei-a, mas ela não me acreditou.
— Você sabe o nome dele e onde mora?
— Não, mas posso reconhecê-lo se o ver.
— Onde podemos encontrá-lo?
— Ele não sai da rua. Vamos à cidade daqui a pouco e tenho certeza de que o encontraremos.
— Está combinado.
Cora exigiu explicações, confusa sobre a relação entre o crime e seus hóspedes, já que nem conheciam Rachel Saturnino. Alberto e o Inspetor, dada a gravidade da situação, decidiram informar Mrs. O'Shea sobre os acontecimentos. A boa mulher ficou aterrorizada.
- Meu caro Clarence! — repetia ela, assustada.
O depoimento de Cora coincidiu perfeitamente com o relatório dos agentes secretos que seguiram os hóspedes da pensão na noite anterior. O movimento de todos naquela noite foi mais ou menos controlado: Mr. Graz saiu após o jantar, andou até a cidade para comprar frutas, entrou em uma igreja e voltou por volta das vinte e duas horas, recolhendo-se ao quarto. Mr. Gedeon levou Verônica ao cinema, na última sessão, e retornaram para casa à meia-noite e meia.
Alberto sentiu um choque ao saber que a moça havia saído sozinha com Mr. Gedeon. Logo imaginou-os de mãos dadas no cinema, conversando em voz baixa.
— O "tira" perdeu-os de vista — disse o Subinspetor Silva, que estava presente. Havia muita gente no cinema e, com o tumulto da saída, não foi possível acompanhá-los.
Quanto ao cozinheiro, ele havia encerrado o trabalho mais cedo e, às vinte horas, foi a um baile de carnaval. Um tempo depois, saiu fantasiado com os amigos, dançando e pulando no bloco do clube. Era impossível identificá-lo, já que muitos foliões usavam máscaras. O "tira" que o seguia ficou atordoado no meio daquela confusão. A situação piorou quando o bloco se encontrou com outros foliões que se dirigiam a uma batalha de confetes.
Quanto a Elza, a copeira, não saiu de casa e se deitou cedo.
— Nenhum deles tem álibi perfeito — disse o Inspetor. — Mr. Graz, por exemplo, poderia muito bem fingir que estava dormindo e sair mais tarde sem ser percebido. O quarto dele não tem entrada independente?
— Sim — respondeu Cora O'Shea. — Posso garantir, entretanto, que ele não se afastou de casa depois daquela hora. Meu filho Marmaduke — que veio passar uns dias aqui — ficou conversando comigo até as vinte e três horas "mais ou menos". Estávamos na copa e, pouco antes de nos recolhermos, Mr. Graz saiu do quarto em pijama e abriu a geladeira perto de nós para tomar um copo de leite.
O Inspetor Pimentel permaneceu em silêncio por alguns momentos antes de continuar:
— Mr. Gedeon e Verônica foram ao cinema no bairro aqui perto. A última sessão acaba à meia-noite. Ninguém pode garantir, no entanto, que eles tenham ficado até o fim. Poderiam ter saído antes, protegidos pela escuridão, sem que o "tira" os visse.
— Eu estava acordada, lendo, quando eles chegaram — disse Cora. — Olhei o relógio e faltavam apenas cinco minutos para meia-noite e meia. Não acha que o fato de estarem os dois juntos afasta a suspeita de cada um deles? "Isso não está claro?"
— Em parte, apenas, Mrs. O'Shea — retrucou o Inspetor. — Em nossa profissão, frequentemente encontramos crimes cometidos em parceria: duas, três, cinco pessoas envolvidas em um único caso...
— Pelo amor de Deus! — exclamou Cora. — Mas eu posso lhe garantir que nem Mr. Graz, nem Mr. Gedeon, e muito menos Verônica, fariam uma coisa dessas! Conheço-os muito bem. Graças a Deus, nenhum deles é louco ou.
— Quanto ao cozinheiro, minha senhora, para ele nada seria mais fácil do que se afastar no meio da confusão sem ser percebido. Fui informado de que a batalha de confete ocorreu a apenas três quarteirões da praça onde Rachel foi atacada.
— My dear Clarence! — repetia a pobre irlandesa.
— Precisamos contar com a senhora para nos ajudar — disse Pimentel. — Vamos deixar de lado o sentimentalismo. Temos razões fortes para supor que o "inseto" vive em sua casa.
— Impossible! — exclamou Cora.
— Possível ou não, peço-lhe que vigie cada um dos seus hóspedes, sem esquecer do cozinheiro e da copeira. Já viu besouros no quarto de algum deles?
— Nunca.
— Então está combinado, Mrs. O'Shea. Qualquer coisa estranha que observar, avise-nos.
— Não precisam mais de mim, não é?
— No momento, não.
— Good bye.
— Passe bem.
Silva saiu acompanhado de Dora Costa e, uma hora depois, voltou com o namorado de Rachel. O rapaz estava atordoado ao saber do que acontecera. Era evidente que era inocente. Ele contou que havia permanecido até cerca de meia-noite conversando com a moça e, depois, tomou um táxi para o hotel.
— O gerente pode provar que me viu entrar à meia-noite — disse ele, tremendo de medo. — O senhor não vai me prender, não é? Nem vai dar meu nome no jornal, pelo amor de Deus.
— Por que tem tanto medo disso?
O sujeito acabou confessando que era casado em outra cidade e que isso o desmoralizaria ainda mais.
— Está bem. Vá em paz — disse o Inspetor.
— É um pobre coitado! — comentou o policial quando o viu sair.
À tarde, Mrs. O'Shea telefonou para o Inspetor.
— Good afternoon — disse ela. — Eu já havia visto o filme que Verônica assistiu e, sem que ela suspeitasse, perguntei-lhe qualquer detalhe sobre o fim, para ver se ela ficou no cinema o tempo todo.
— O que descobriu, Mrs. O'Shea?
— Ela me disse que não podia responder porque dormiu do meio até acabar... não parece desculpa? Será que ela saiu mesmo antes de terminar a sessão?
— Por que não faz a mesma pergunta a Mr. Gedeon?
— Ele embarcou hoje cedo de avião para os Estados Unidos.
— Sabe quanto tempo ele pretende ficar lá?
— Um mês. Vai resolver alguns negócios da firma.
— Muito obrigado, Mrs. O'Shea. Continue observando e guardando segredo, sim?
— Ali right. Bye, Bye.
Enquanto isso, Alberto aguardava ansiosamente no hospital o momento em que Rachel Saturnino começasse a falar com clareza. A moça recobrara os sentidos havia algum tempo, mas parecia presa em uma violenta excitação nervosa. De vez em quando, pronunciava palavras desconexas e erguia-se do leito, com uma expressão de pavor nos olhos.
— Coitada de minha sobrinha! — exclamava Lia Saturnino, tentando acalmá-la.
O estudante percebeu que seria impossível fazer-lhe qualquer pergunta nas circunstâncias e decidiu esperar mais tempo, até que o estado dela se normalizasse.
No dia seguinte, voltou ao hospital.
— Venha cá, Alberto — disse-lhe o interno, com um ar suspeito, levando-o até o jardim de inverno assim que o viu chegar.
— Más notícias.
— O que há, meu velho?
— A moça parece que enlouqueceu.
— Como?
— Está delirando. Ora fala de um demônio, ora de um bicho de cabeça vermelha que a atacou.
Alberto mostrou-se extremamente interessado no que o interno dizia e dirigiu-se imediatamente ao quarto da moça. Rachel estava reclinada no leito, apontando para a parede vazia, com um olhar desvairado:
— Ali! Ele está ali.
— Ele quem? — perguntou Alberto.
— O bicho.
— Que bicho?
— O bicho vermelho.
Em seguida, ela fechou os olhos e adormeceu. O calmante que tomara começou a fazer efeito.
— Está com febre — disse Jairo Saturnino.
— Seria uma febre cerebral? — pensou Alberto consigo mesmo.
Durante uma semana, a moça permaneceu nesse estado. Finalmente, sua temperatura se normalizou, mas continuou a manifestar sintomas de profunda depressão nervosa: chorava sem razão aparente, sempre repetindo que o bicho de cabeça vermelha iria matá-la. Alberto tentou fazer-lhe perguntas, mas ela se fechava em um mutismo desanimador.
Dez dias depois, o médico autorizou que ela voltasse para casa.
— Heureca! — exclamou o Inspetor, batendo com força na mesa de seu gabinete. — E eu que não havia pensado nisso antes!
— O que foi