Ficool

Chapter 5 - Aprendizado.

Duas semanas se passaram desde que comecei meu aprendizado com minha mestra, a Arquimago Margareth. Como ainda não sei ler essas letras estranhas — que parecem um antigo idioma perdido de outro tempo e lugar — Margareth está me ensinando através de contos, fábulas e, principalmente, demonstrações visuais que capturam minha atenção infantil enquanto alimentam minha mente adulta.

Quando meu pai me trouxe pela primeira vez até a residência dela, tive um espanto que mal consegui disfarçar. Não seria correto chamar aquilo de casa, mas de mansão — ou talvez até de palácio.

— Agora entendo o que ela quis dizer quando falou que o treinamento seria caro — pensei, enquanto meus olhos percorriam a propriedade com assombro mal contido.

Ao passar pelos majestosos portões de ferro forjado, decorados com símbolos arcanos sutilmente entalhados que brilham com uma luz quase imperceptível ao entardecer, a primeira coisa que se destaca é a imponência absoluta da residência. A mansão de Margareth se ergue diante de mim como um símbolo inegável de poder e história, sua fachada decorada com colunas de mármore branco-azulado e esculturas que parecem desafiar não apenas o passar do tempo, mas as próprias leis da natureza. Cada pedra parece contar séculos de história, cada entalhe sussurra segredos arcanos, criando uma atmosfera de luxo e sofisticação que transcende a simples ostentação material.

Os jardins são uma extensão natural desse esplendor calculado. Caminhos de pedras polidas, algumas com veios que parecem pulsar com vida própria, serpenteiam por arbustos meticulosamente cuidados, flores exóticas que não reconheço de nenhum catálogo terrestre, e fontes que produzem uma melodia quase hipnótica ao tocarem as águas cristalinas que refletem o céu de maneiras impossíveis. O perfume das flores se mistura com a brisa fresca, criando uma atmosfera quase surreal, onde cada detalhe parece ter sido planejado não apenas para impressionar, mas para ensinar algo sobre a harmonia entre o natural e o arcano.

Ao adentrar o edifício principal, sou imediatamente envolvido pela amplidão do hall de entrada, que parece maior por dentro do que sua aparência externa sugeriria. O piso de mármore, com intrincados padrões geométricos que parecem mudar sutilmente quando não estão sendo diretamente observados, reflete a luz suave emanada por candelabros de cristal suspensos no teto abobadado, enquanto a escadaria imponente com corrimãos de ferro forjado em formas de criaturas mitológicas parece convidar-me a subir, onde, presumo, repousam os segredos mais profundos dessa casa extraordinária. Aqui, não há móveis comuns ou ordinários — cada peça é uma obra-prima, muitas claramente encantadas ou criadas através das artes arcanas. Tapeçarias elaboradas adornam as paredes, retratando cenas mitológicas e batalhas arcanas que transportam o ambiente para um passado distante, talvez de reis, reinos e arcanistas lendários cujos nomes foram esquecidos pelo tempo.

O mobiliário de veludo e madeira polida nas diversas salas de estar mantém o mesmo padrão de sofisticação e luxo atemporal, em uma harmonia impecável entre o antigo e o contemporâneo que sugere que o tempo flui de maneira diferente neste lugar. Cada detalhe, dos candelabros de prata com chamas que nunca se apagam aos tapetes persas que parecem flutuar milímetros acima do chão, revela que os habitantes dessa casa não apenas têm o mundo a seus pés, mas talvez o poder de moldá-lo conforme sua vontade. O silêncio reverente que permeia o lugar parece zelar pelas histórias e memórias de uma linhagem que transcende a nobreza comum. Cada recanto é uma narrativa viva, e a atmosfera, ao mesmo tempo acolhedora e majestosa, transforma o simples ato de estar ali em um privilégio reservado a poucos.

A percepção de que a residência de Margareth não é apenas um lar, mas um ícone de poder arcano e tradição ancestral, é quase tangível no ar que respiro. Ao cruzar seu limiar, parece que somos transportados para uma dimensão onde o tempo se arrasta e se dobra, onde os ecos das gerações passadas sussurram nas paredes com vozes quase audíveis, enquanto a história de uma linhagem de arcanistas se desdobra diante de nossos olhos mortais.

— Será que os Arquimagos têm algum status de nobreza superior ao nosso? Esta mansão faz nossa residência parecer uma cabana de camponeses — pensei, com um toque de inveja infantil que não consegui suprimir completamente.

Para efeito de comparação, a residência de um baronete — no caso, a minha — combina elegância modesta e simplicidade funcional. Sua fachada, composta de pedra cinzenta comum, é discreta e tradicional, com um telhado de ardósia bem conservado e janelas amplas, mas sem qualquer exagero decorativo ou encantamento visível.

O portão de ferro forjado da nossa casa se destaca apenas pela sutileza do brasão familiar, e o jardim, embora de tamanho limitado e sem flores exóticas, é bem cuidado por minha mãe com dedicação pessoal. Ao entrar em nossa residência, o hall é espaçoso o suficiente para receber convidados, revestido de madeira escura, com uma iluminação suave proporcionada por velas comuns, sem os adornos luxuosos ou elementos arcanos encontrados em mansões maiores. Os móveis são de estilo clássico e de boa qualidade, sem ostentação, mas dignos de nossa posição.

As paredes de nossa casa são adornadas com tapeçarias discretas retratando cenas de caça ou paisagens locais, e o mobiliário é prático e funcional, com sofás de veludo já um pouco desgastados e mesas de madeira que contam histórias de gerações através de suas marcas. O ambiente irradia uma sensação de conforto, bem-estar e bom gosto despretensioso, sem qualquer esforço para impressionar visitantes. Os dormitórios têm dimensões adequadas, com móveis de madeira simples e tecidos de qualidade modesta, criando um espaço acolhedor e familiar que cheira a lavanda e pão fresco.

A habitação de um baronete como nós reflete uma nobreza mais comedida e funcional, centrada no conforto cotidiano e na rotina diária de uma família que, apesar do título, vive apenas um degrau acima dos camponeses comuns, distante da ostentação quase sobrenatural típica das residências de alto padrão arcano como a de Margareth.

— Sem chances de comparação... — disse baixinho, para que meu pai não ouvisse e se sentisse diminuído.

A propósito, o nome da minha irmãzinha é Vivian.

Ela tem uma aparência delicada que já cativa todos ao seu redor. Seus cabelos são castanho-claro, finos e macios como seda, formando pequenos cachos nas pontas. Seus olhos, de um azul-marinho profundo e expressivo, lembram os da nossa mãe, mas com um brilho próprio que parece conter sabedoria além de sua idade. Seu rostinho é perfeitamente redondo, com bochechas levemente rosadas que convidam ao toque, e um nariz minúsculo que se enruga quando ela sorri. Não tenho dúvidas de que ela será tão bela quanto nossa mãe, talvez até mais, combinando a delicadeza materna com traços fortes herdados de nosso pai.

Somente Vivian, com seus sorrisos desdentados e olhares curiosos, para me fazer esquecer toda essa comparação entre nobreza rica e pobre, entre poder arcano e simplicidade cotidiana. Quando penso nela, meu coração se aquece com um propósito renovado: um dia, serei poderoso o suficiente para garantir que ela nunca precise se preocupar com nada.

Mas voltando ao ponto central de meus estudos. Como ainda não sei ler nem escrever nesse mundo estranho, a Mestra Margareth começou a me contar sobre a história das artes arcanas — e não mágicas, como eu erroneamente imaginava baseado em minha vida anterior.

— Elian, a energia arcana existe há muito tempo neste mundo — disse Margareth, sentada em uma poltrona de couro vermelho em sua biblioteca particular, cercada por tomos antigos que pareciam pulsar com conhecimento proibido.

Ela fez uma pausa calculada, observando minha reação, e continuou com voz melodiosa que parecia carregar o peso dos séculos:

— Relatos nos livros de história — melhor dizendo, na história das artes arcanas — indicam que seu uso começou há pelo menos cinco mil anos atrás, quando o mundo ainda era jovem e as fronteiras entre os reinos mortais e divinos eram mais tênues.

— Cinco mil anos atrás? — pensei, tentando processar a informação. — Será que este mundo é tão velho quanto a Terra? Aliás, será que este planeta está no mesmo universo que o meu, ou estou em uma realidade completamente diferente?

Margareth continuou sua narrativa, aparentemente alheia às minhas divagações internas:

— Os relatos mais antigos dizem que quem ensinou os humanos a usar as artes arcanas foram divindades que caminhavam entre nós. Esses registros, ou melhor dizendo, essas escritas primordiais, foram encontrados em tábuas de pedra em templos subterrâneos que predatam nossa civilização atual.

Margareth parou, olhou diretamente em meus olhos como se tentasse avaliar minha capacidade de compreensão, e perguntou com suavidade:

— Você está entendendo o que estou explicando, pequeno?

— Então, quer dizer que os primeiros humanos deste mundo escreviam de forma semelhante aos sumérios na antiga Babilônia da Terra? Interessante como certos padrões se repetem entre mundos... — pensei comigo mesmo, fascinado pelas implicações.

Assenti com a cabeça para que ela continuasse, tentando parecer uma criança atenta e não um adulto analisando padrões civilizacionais entre dimensões.

— É descrito nesses textos antigos que essas divindades eram seres tão imensos e poderosos que o humano mais alto e forte daquele povo primitivo parecia uma criança frágil ao lado deles. Alguns relatos falam de seres com múltiplos braços, outros de entidades que mudavam de forma conforme sua vontade, e outros ainda de criaturas feitas de pura luz ou escuridão.

Com um certo ceticismo que não consegui disfarçar completamente, fiz uma pergunta que me parecia lógica:

— E por que eles nos ensinaram tais artes arcanas, mestra? Eles não temeriam que poderíamos usar esse conhecimento contra eles mesmos algum dia?

Margareth olhou para mim com um sorriso divertido que não alcançava seus olhos, e respondeu com uma pergunta carregada de ironia:

— Você acha mesmo que meros humanos, mesmo armados com conhecimento arcano, poderiam vencer seres verdadeiramente transcendentais, Elian? Seria como uma formiga desafiando uma tempestade.

Antes que eu pudesse elaborar meu raciocínio, ela continuou, sua voz assumindo um tom mais sombrio que enviou arrepios pela minha espinha:

— Eles não nos ensinaram por benevolência ou altruísmo. Ensinaram porque os humanos morriam aos milhares. E não eram mortes naturais, mas causadas por bestas divinas, demônios ancestrais, seres sobrenaturais de outros planos e até por entidades das quais até hoje não temos explicação ou compreensão completa. O conhecimento arcano foi uma ferramenta de sobrevivência, não um presente.

Margareth tomou um gole de chá de uma xícara que parecia feita de porcelana translúcida, e sua expressão ficou ainda mais sombria, quase ameaçadora. Ela falou, com uma voz fria que parecia vir de outro lugar:

— E não era só por isso. Também foi por diversão.

Quando perguntei, com a inocência que minha aparência infantil me permitia, o que ela quis dizer com “diversão”, ela me cortou rapidamente com um gesto brusco da mão e mudou de assunto, como se tivesse falado mais do que pretendia.

— Elian, já fazem duas semanas que você está aprendendo comigo, certo? — assenti silenciosamente. — Até agora, te contei um pouco sobre o surgimento das artes arcanas, mas quase não te ensinei como gerar fenômenos utilizando a energia que flui em todas as coisas.

Margareth parou, me estudou por um momento com aqueles olhos verdes penetrantes que pareciam enxergar além da minha fachada infantil, e continuou com renovada determinação:

— A partir de agora, além de você continuar estudando para aprender a ler e escrever nossa língua, você também começará a meditar para despertar sua consciência arcana interior.

— Meditar, hein? Fiz muito disso na minha vida passada, já que, como “mago” em minha ordem iniciática, um dos princípios fundamentais era a meditação diária para acalmar a mente e perceber as energias sutis — pensei, sentindo uma certa familiaridade reconfortante com o conceito.

— Mas não só isso — acrescentou Margareth, interrompendo meus pensamentos. — Você também estudará sobre os nove níveis de poder arcano, etiqueta nobre para quando estiver na presença da realeza, e etiqueta específica dos Arcanistas para quando interagir com outros praticantes.

— Arcanistas? — perguntei, genuinamente curioso sobre a terminologia específica deste mundo.

— Sim, Arcanistas — confirmou ela com um aceno solene. — Mesmo que muitos me chamem de Arquimago Margareth, o termo correto e respeitoso seria Arcanista Margareth. O título “mago” é usado apenas para aqueles que, em algum momento de sua carreira, fizeram algo que desagradasse profundamente o reino ou a ordem arcana estabelecida.

Olhei espantado para minha mentora, incapaz de esconder minha surpresa diante dessa revelação. Ela viu minha expressão de interrogação, deu um sorriso amargo que parecia carregar décadas de ressentimento, e continuou com voz controlada:

— Não se preocupe, pequeno Elian. Você não será manchado pela minha desonra passada. Quando você for maior e capaz de compreender plenamente as complexidades da política arcana, eu lhe contarei o que aconteceu para que eu carregue esse título.

Fiz uma expressão neutra e assenti respeitosamente, mas internamente minha mente fervilhava de curiosidade. O que seria de tão grave que ela fez para receber tal título aparentemente desonroso? E por que, apesar disso, ela parecia manter tanto poder e influência?

Margareth me tirou abruptamente dos meus devaneios com um toque firme em meu ombro.

— Elian, a partir de hoje você começará a meditar para sentir a energia arcana que flui em seu interior. Mas lembre-se bem do que vou te dizer: você só pode meditar na minha presença, sob minha supervisão direta. Não tente fazer isso em sua casa ou em qualquer outro lugar, ou além de colocar você mesmo em risco mortal, colocará toda sua família em perigo.

Quando ela falou “toda sua família”, o rostinho inocente de Vivian veio imediatamente à minha mente como um relâmpago, e senti um arrepio de medo genuíno. Apressado, respondi com toda a seriedade que minha voz infantil podia transmitir:

— Sim, mestra. Entendi perfeitamente.

Margareth continuou falando por mais alguns minutos sobre os perigos da meditação arcana não supervisionada, citando casos horripilantes de crianças que tentaram praticar sozinhas e acabaram transformadas em coisas que não ouso repetir, até que meu pai chegou para me buscar, pondo fim à minha primeira lição verdadeira nas artes arcanas...

More Chapters