Parte 1 – A Cidade em Chamas
O céu de Hipton brilhava com tons de laranja e vermelho, não pelo pôr do sol, mas pelo fogo que consumia partes da cidade. Sirenes cortavam o ar enquanto carros incendiados serviam de barricadas improvisadas por bairros inteiros. Gangues rivais, agora sob o comando de Leprechaun, espalhavam o caos em uma demonstração brutal de poder.
Leprechaun estava sentado na poltrona do antigo escritório de Alberto Grotto — um santuário de poder e conspiração, agora dominado por sua presença. Do lado de fora, através das janelas reforçadas com barras de aço retorcidas, as labaredas devoravam a cidade com uma fúria que ele próprio havia acendido.
Girando lentamente um copo de cristal com uísque entre os dedos, Leprechaun deixava o líquido escorregar preguiçosamente pelas paredes do vidro — como se saboreasse não apenas a bebida, mas também o gosto da destruição. Seu olhar era o de um homem que já venceu, mas que ainda não se saciou — como se a vitória só tivesse valor se o último movimento fosse seu.
— Ainda precisa dos meus serviços? — indagou Mestre das Facas, rompendo o silêncio que pairava sobre Leprechaun.
Ele virou-se em direção ao aliado, os olhos iluminados pelo reflexo do fogo no vidro.
— Tenho uma última tarefa para você. Preciso que capture a peça final do tabuleiro.
— Qual peça?
Leprechaun sorriu devagar, como quem já conhece o desfecho de um jogo que sempre esteve sob seu controle.
— A rainha.
O silêncio voltou a reinar, denso e carregado de significado. Lá fora, a cidade ardia com o fogo. Aqui dentro, começava um novo jogo. E Leprechaun, como sempre, já conhecia o fim.
Parte 2 – O Resgate no Parque Salbury
A noite no Parque Salbury parecia mergulhada num silêncio opressor, quebrado apenas pelo som abafado de passos apressados entre as árvores. A vegetação balançava levemente com a brisa, mas os olhos atentos de Gabriel Moreau vasculhavam cada sombra, como se esperassem que a escuridão revelasse algo monstruoso.
Após longos minutos de busca, Moreau finalmente vislumbrou algo entre a vegetação cerrada — uma armadura desativada, parcialmente escondida sob um arbusto espinhoso.
Ajoelhou-se ao lado da armadura caída. As mãos, trêmulas e sujas de terra, ergueram-se com delicadeza quase reverente enquanto ele puxava o capacete, revelando o rosto pálido e suado de Ryan.
— Aguenta firme, Dawson.
Inclinou-se lentamente, em busca de qualquer sinal de vida.
E então, ouviu. Fraco, intermitente, como o sussurro de uma brisa em meio a floresta: um leve puxar de ar — irregular, mas real. A respiração de Ryan. Hesitante, mas presente.
Com os dedos ainda trêmulos, Moreau enfiou a mão no bolso do casaco, tateando até encontrar o celular. Seus olhos correram pela lista de contatos até encontrar o nome certo.
— Preciso que venha urgentemente ao Parque Salbury. Encontrei o Ryan ferido.
Cinco minutos depois, o furgão da Astra Corporation chegou.
A porta lateral se abriu com um rangido abafado. Um dos cientistas desceu e dirigiu-se a Moreau.
— Vamos colocá-lo no carro — disse, estendendo a mão. — Entrei em contato com a Dra. Fletcher. Ela já está a caminho do seu apartamento.
Parte 3 – O Conselho de Ethan
O transporte foi rápido, tenso. Ryan, já fora da armadura, tremia sob os cobertores térmicos enquanto o furgão serpenteava pelas ruas escuras da cidade.
Ao chegarem ao apartamento de Moreau — um loft espaçoso e discreto no último andar de um charmoso prédio no centro — a Dra. Evelyn Fletcher já os aguardava. Vestia um jaleco branco e luvas cirúrgicas, e acenou com urgência para que o levassem para dentro.
— Coloquem-no na cama, rápido.
O quarto havia sido cuidadosamente transformado em um improvisado centro de recuperação. Sentada à beira da cama, Evelyn trabalhava em silêncio. Seus dedos ágeis manuseavam os instrumentos ao lado, enquanto os olhos analisavam cada detalhe dos aparelhos e do ferimento aberto no abdômen de Ryan, onde a carne ainda ruborizada pulsava sob a gaze ensanguentada.
Ryan oscilava entre a lucidez e o delírio febril. Seu corpo estremecia com a febre e a dor — mas o que mais o atormentava não era físico.
Na escuridão da inconsciência, Ryan viu Ethan McAllister.
Ele surgiu como um vulto — alto, familiar, recortado contra um fundo de fogo e fumaça. Depois, os contornos se definiram: cabelo grisalho, casaco preto, sorriso irônico.
— Está tentando vingar a minha morte, Ryan? — perguntou Ethan, sua voz ecoando de forma fantasmagórica no vazio.
— Eu... — Ryan tentou responder, mas a voz saiu rouca, embargada de raiva, dor e confusão. — Estou tentando fazer justiça. Leprechaun matou...
— Justiça? — interrompeu Ethan, dando um passo à frente. — Ou vingança?
Ryan sentiu a garganta apertar. A distinção entre honra e fúria, entre o que dizia e o que realmente sentia, esmagava suas defesas. A verdade é que, desde a morte de Ethan, cada passo foi impulsionado mais pela dor do que por um propósito. E Ethan sabia disso.
— Você morreu por causa desta cidade corrupta... — murmurou Ryan, suando sob os lençóis do apartamento.
— Vingança não muda nada. Quer salvar esta cidade? Então lute por ela.
Lágrimas silenciosas escorriam pelo rosto de Ryan no mundo real, enquanto os aparelhos apitavam com a aceleração dos batimentos.
A Dra. Fletcher se inclinou sobre ele, sussurrando:
— Ele está reagindo. Gabriel, venha ver. Ele está voltando.
No mundo dos delírios, Ethan estendeu a mão. Ryan hesitou, depois a segurou. A escuridão começou a se dissipar, dando lugar ao quarto iluminado.
Os olhos de Ryan se abriram devagar. Moreau o observava em silêncio, e Evelyn se afastou, aliviada.
Ryan piscou, ainda fraco, mas com um novo brilho no olhar. O nome de Ethan pairava nos lábios, mas ele não o pronunciou. Em vez disso, virou-se para Gabriel e, com voz rouca, disse:
— Preciso voltar à ativa.
Parte 4 – O Sequestro da Rainha
Mais tarde, já alimentado com uma sopa quente que Evelyn insistira para que tomasse até o fim, Ryan repousava em silêncio, os olhos fixos no teto do quarto de Moreau. A dor no abdômen ainda latejava como brasa viva, mas ele a suportava — não por teimosia, mas por sentir que não tinha escolha.
Enquanto descansava, Moreau andava de um lado para o outro, celular em mãos, recebendo atualizações sobre o conserto da armadura do Fúria Vermelha.
— A médica sabe sobre o Fúria Vermelha? — perguntou Ryan, rompendo o silêncio.
— Ela não faz ideia de quem é Fúria Vermelha — respondeu, após uma pausa prolongada. — Disse que você é um policial ferido que precisava de ajuda.
Foi então que a tela da televisão, quase esquecida no canto do quarto, piscou. O documentário que passava em volume baixo desapareceu, substituído por um fundo negro. Em seguida, surgiu um letreiro vermelho: "Urgente – Transmissão ao vivo do Mercury News".
Moreau e Ryan congelaram. Não precisavam de palavras para entender que algo estava fora do controle.
O rosto da apresentadora apareceu por um instante, pálido, visivelmente abalado.
— Interrompemos a programação normal para uma atualização urgente. A redação do Mercury News acaba de receber um vídeo de um incidente em andamento na cidade de Hipton…
A imagem foi cortada para o vídeo.
O ambiente era escuro, mal iluminado por lâmpadas fluorescentes tremeluzentes. No centro, sentada e amarrada a uma cadeira metálica, estava a prefeita Amelia Harper, olhos arregalados, lábios trêmulos. Presilhas com explosivos estavam fixadas ao redor de seu corpo, conectadas por fios expostos.
A câmera se aproximou com um movimento quase coreografado, convidando os espectadores a entrarem no pesadelo.
Das sombras atrás da prefeita, surgiu Leprechaun.
Seus olhos, vivos e doentios, brilharam com escárnio ao encontrar a lente da câmera. Ele se inclinou lentamente até que seu rosto preenchesse quase toda a tela, e sussurrou:
— Estão assistindo, não estão? Espero que sim. Seria uma pena preparar todo esse espetáculo… e não ter plateia.
Riu — um som agudo, quebrado, como um vidro se partindo em câmera lenta. Amelia estremeceu na cadeira, mas não desviou os olhos.
Leprechaun se virou para ela e falou em tom teatral:
— Nossa rainha teve uma semana tão difícil. Tanta pressão. Tantos segredos... Sabiam que ela estava envolvida no Projeto Fúria Vermelha? Ah… ops. Isso era segredo. Bem… agora não é mais.
Ele segurava um pequeno dispositivo retangular, com botões gastos e uma luz vermelha pulsante. O detonador. Manipulava-o casualmente, como se fosse um brinquedo, girando-o entre os dedos com uma facilidade que contrastava com o peso da ameaça.
— Estão vendo isso? — disse, olhando para a câmera. — Uma dança de circuitos, um abraço letal… cada fio, uma promessa de fim.
Aproximou-se da lente uma última vez.
— Não pensem que isso é uma exigência. Não vou pedir resgate. Não quero negociação. Quero memória. Quero que lembrem exatamente quando Hipton começou a ruir.
Com um gesto lento, levantou o controle — o polegar pairando sobre o botão.
— Sejam rápidos. Estamos no armazém 24B.
A imagem desapareceu com um clique seco, substituída novamente pelo letreiro vermelho: TRANSMISSÃO INTERROMPIDA.